Direitos humanos

Justiça adotará protocolo de perícia para casos suspeitos de tortura

Autor

31 de agosto de 2021, 19h53

Em iniciativa que reforça a defesa dos direitos humanos, a justiça brasileira passa a adotar um protocolo de perícia na realização de exames de corpo de delito nos processos suspeitos de tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante.

A medida que cria o “Protocolo de Quesitos” e define critérios para o laudo de exame de corpo de delito foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça em sua 91ª Sessão do Plenário Virtual, com base no Protocolo de Istambul da Organização das Nações Unidas (ONU).

O ato normativo fixa diretrizes e procedimentos para a realização de exames de corpo de delito abrangendo todas as fases em que a pessoa privada de liberdade tem contato com o sistema de justiça, desde as audiências de custódia ou audiências de apresentação até a execução da pena de privação de liberdade ou de medida socioeducativa.

“Essa ferramenta apoiará a magistratura na qualificação da prestação de justiça, a partir de um texto alinhado a princípios constitucionais e ao conhecimento técnico acumulado nas últimas décadas no Brasil e no exterior”, avalia o relator da normativa e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, conselheiro Mário Guerreiro.

A proposta da recomendação teve contribuição técnica do DMF e apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) por meio do programa Fazendo Justiça. O coordenador do DMF, Luís Lanfredi, destaca que o texto coloca o país em convergência com a normativa internacional sobre o tema.

“Com a evolução da prestação de justiça no campo criminal e infracional, é imperativa a atualização de protocolos que permitam conferir maior densidade às provas periciais”, avalia.

Orientações
O texto orienta que as oitivas com supostas vítimas e testemunhas sejam feitas conforme os sete requisitos do Protocolo II da Resolução CNJ 213/2015, que disciplina as audiências de custódia no país.

Abrangente e detalhado, o “Protocolo de Quesitos” é destinado a orientar a atuação dos tribunais nesse tema com a aplicação uniforme e padronizada de um questionário de 27 perguntas divididas em seis itens: quesito sobre as circunstâncias de realização dos exames, quesitos preliminares, critérios para o exame físico, para avaliação psicológica, quesitos individualizados a casos concretos e, por último, o quesito de análise de consistência geral.

O laudo de corpo de delito relacionado à tortura, por sua vez, passa a ser elaborado conforme requisitos específicos, entre os quais a declaração de consentimento da pessoa periciada e o registro se essa pessoa estava algemada ou contida de outra durante o exame. A orientação é para que as perícias sejam preferencialmente feitas por equipes multidisciplinares, incluindo profissionais de medicina e de psicologia.

Entre os objetivos da adoção do protocolo está a observância do Artigo 5º da Constituição que determina que ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano, cruel ou degradante, crimes inafiançáveis.

Para auxiliar a implementação do protocolo e das demais orientações, o DMF prestará orientações aos tribunais e aos magistrados quanto às novas diretrizes e procedimentos, bem como sobre o formulário eletrônico para monitoramento das medidas que deverá ser preenchido semestralmente pelos tribunais.

Análise das suspeitas
Conforme o ato aprovado pelo plenário do CNJ, em audiências e demais atos processuais na jurisdição criminal e infanto-juvenil, os juízes deverão inquirir e analisar as condições de apresentação da pessoa privada de liberdade, de sua detenção e o tratamento a ela conferido a fim de identificar indício de prática de tortura ou de maus-tratos, especialmente nos casos de pessoas sob custódia.

Entre os itens que constam do protocolo estão perguntas sobre se a pessoa, durante a realização do exame de corpo de delito, estava acompanhada por policial, agente de custódia ou outro agente público.

O protocolo busca verificar se houve alegações de tortura e maus-tratos envolvendo métodos e instrumentos. Na parte específica do exame, são requisitados detalhes sobre a apresentação de lesões, dores ou sintomas relacionados a tortura ou tratamento desumano, cruel e degradante ou outros sinais patológicos com uma série de solicitações abrangente as partes do corpo e perguntas específicas.

Nos casos individualizados, a análise pericial poderá contemplar agressões específicas, métodos específicos de tortura ou maus-tratos, métodos que causam forte angústia e medo (incluindo ameaças a familiares), métodos envolvendo racismo, violência sexual, incluindo métodos usados em pessoas com sofrimento mental.

Nesses casos, a orientação é que sejam solicitados registros de saúde do quadro clínico da pessoa, diagnóstico, evolução, tratamento e procedimentos adotados durante o período de detenção.

Por fim, o protocolo pede que os peritos avaliem o grau de consistência entre o relato de tortura ou maus-tratos e as constatações médico-legais, físicas e psicológicas. Isso deverá ser feito a partir de cinco tipos de categorias de avaliação de consistência citados no protocolo.

Para auxiliar a autoridade judiciária a considerar a suspeita da prática de tortura, a recomendação apresenta oito elementos a serem considerados entre os quais o depoimento da pessoa que relatar ter sofrido tortura, laudos de exame de corpo de delito, fotografias ou outro registro audiovisual envolvendo fatos, locais, viaturas ou supostos agentes estatais envolvidos.

Apoio na implementação
Nas orientações gerais, o CNJ indica que os tribunais deverão adotar, por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistemas Carcerários e Socioeducativos (GMF) e da Coordenadoria da Infância e da Juventude, medidas para acompanhar os relatos de tortura, fomentar medidas de prevenção a essa prática e sistematizar e divulgar dados, decisões judiciais e informações sobre a ocorrência de tortura ou tratamento desumano, cruel ou degradante.

A fim de reunir mais informações sobre essas ocorrências, os tribunais estão sendo orientados a divulgar estatísticas e outras informações relevantes sob esse tema da perspectiva de gênero, de raça, cor ou etnia. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

0006091-38.2020.2.00.0000

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!