Opinião

As divergências do STJ quanto à cobrança de créditos retardatários em RJ

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29 de agosto de 2021, 15h12

Em recentes decisões, o Superior Tribunal de Justiça proferiu entendimento conflitante sobre a possibilidade de cobrança do crédito retardatário no procedimento da recuperação judicial. A Lei de Recuperação Judicial dispõe que estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido (excetuados aqueles excluídos por força da lei), tendo o STJ firmado posicionamento que a data do fato gerador é o marco temporal que deve ser utilizado para avaliar se determinado crédito é ou não sujeito.

Assim, nas situações em que se discute, por exemplo, indenização decorrente por ato ilícito, a data do ato (fato gerador) é que determina se o crédito é ou não sujeito à recuperação judicial, pouco importando que se trate de valor ilíquido na data do pedido de recuperação judicial, ainda que a decisão proferida em procedimento próprio seja posterior ao pedido. Por esse motivo, inclusive, a Lei de Recuperação Judicial determina que as ações que visam à cobrança de valor ilíquido devem continuar seu trâmite até apuração do valor devido, diversamente das ações de execução que são suspensas com o deferimento da recuperação judicial.

Ainda nessa linha, o pedido de recuperação judicial deve ser acompanhado da relação de todas as ações propostas em face do devedor, o que deixa claro, mais uma vez, que esses créditos (ainda que não liquidados) estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.

Contudo, em decisões recentes discutindo o direito (ou obrigação) do credor de realizar a habilitação retardatária do seu crédito (que era ilíquido no momento do pedido), o STJ se posicionou de forma contraditória, afirmando que a habilitação retardatária é uma faculdade do devedor, que pode optar por não habilitar seu crédito e aguardar o encerramento da recuperação judicial para cobrança do valor pelas vias ordinárias, sem que esse crédito fique sujeito à forma de pagamento estabelecida no plano de recuperação judicial (AgInt no AResp 1.641.119, REsp 1.851.692, entre outros).

Referidas decisões partem da premissa, equivocada, de que essa faculdade conferida ao credor de habilitar seu crédito lhe conferiria o direito de não realizar a habilitação e aguardar o término da recuperação judicial para, então, realizar a cobrança sem que para tanto fique sujeito à forma de pagamento prevista no plano. Outra premissa equivocada adotada nas decisões é que em ambos os casos os "créditos retardatários" não estariam contemplados no plano de recuperação judicial — e, por esse motivo, a cobrança poderia ser feita sem respeitar o plano de recuperação judicial.

Não se discute, é claro, que as obrigações (créditos) que não forem alteradas ou contempladas pelo plano de recuperação judicial observarão as condições originais do crédito, mas essa situação diverge dos julgados citados, uma vez que os planos de recuperação em questão possuíam previsão para os créditos ilíquidos, e o que se desconhecia no momento da aprovação do plano era o seu valor. Em um caso específico, o STJ chega ainda a afirmar que se trata de crédito sujeito aos efeitos da recuperação judicial, mas diante da sua ausência no quadro geral de credores, poder-se-ia optar pela cobrança individual (AgInt no REsp 1.873.408). Ora, como seria possível incluir referido crédito na relação de credores se era ilíquido e se não havia condenação ou ainda a certeza sobre eventual condenação? Vale acrescentar que a simulação ou omissão de créditos constante da lista de credores é uma das causas de afastamento dos administradores durante a recuperação judicial, razão pela qual referida decisão causa ainda mais preocupação.

Ademais, a faculdade conferida ao devedor para realizar a habilitação não implica em um salvo conduto da recuperação judicial. Na verdade, a ausência de habilitação pode implicar inclusive o não pagamento do seu crédito, em decorrência da prescrição ou decadência, que, aliás, regula todas as relações privadas, já que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, contudo, deve arcar com as consequências dessa desídia.

Uma leitura fria das decisões citadas parece criar um incentivo para a desídia do credor detentor do crédito ilíquido, criando um incentivo para ele postergar a solução da ação para, então, cobrar seu crédito sem que tenha de suportar as consequências do plano de recuperação judicial. Cria-se, assim, um terceiro tipo de crédito na recuperação judicial, juntamente com os créditos sujeitos e os não sujeitos.

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