Diário de Classe

Sessenta anos da crise de 1961: as ameaças autoritárias de ontem e de hoje

Autor

  • Danilo Pereira Lima

    é professor do curso de Direito do Centro Universitário Claretiano de Batatais (Ceuclar) doutor — com bolsa financiada pela Capes/Proex — e mestre — com bolsa financiada pelo CNPq — em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica vinculado ao CNPq e do grupo Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

28 de agosto de 2021, 10h18

Em 25 de agosto de 1961, teve início no Brasil uma grave crise política. Não era a primeira vez que a Constituição de 1946 era ameaçada por golpistas. Da promulgação do pacto constitucional de 1946 ao golpe civil-militar em 1964, não faltaram momentos de instabilidade à quarta República. Também não era a primeira vez que o mês de agosto passava por momentos de tensão política. Em 24 de agosto de 1954, o suicídio do presidente Getúlio Vargas derrotou uma tentativa de golpe civil-militar contra seu governo. Sete anos após a morte de Vargas, o país voltou a sentir suas estruturas constitucionais abaladas pela interferência indevida dos militares na política. E o grande responsável por essa crise foi o presidente da República, que, por meio de uma jogada política irresponsável, deixou o país à beira do precipício.  

Tudo começou após a renúncia de Jânio Quadros. Depois de eleito com a maior votação obtida por um candidato a presidente até aquele momento, Quadros resolveu renunciar sete meses após iniciar seu mandato. Até hoje não se sabe muito bem quais foram os reais motivos da renúncia. Tudo indica que Quadros tinha o objetivo de ampliar seus poderes presidenciais, pois sabia muito bem da desconfiança que os ministros militares nutriam pelo seu vice, o trabalhista João Goulart. Quadros inclusive tinha enviado Goulart para uma missão diplomática na China comunista, o que certamente acabou servindo para ampliar os contornos da crise. No entanto, a manobra acabou malsucedida e o Congresso Nacional rapidamente reconheceu o pedido de renúncia de Quadros, já que o pedido era um ato unilateral e não cabia ao Poder Legislativo aceita-lo ou não. O resultado da atitude política de Quadros foi a tentativa de golpe militar em 1961, com os ministros militares procurando impedir que o vice-presidente da República assumisse o governo em conformidade com a Constituição de 1946.

O golpe só não ocorreu graças à mobilização civil e militar liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, o trabalhista Leonel Brizola. Por meio da campanha da legalidade, Brizola conseguiu organizar um amplo movimento de defesa da Constituição de 1946. Para isso ele contou com o apoio tanto da terceira região do Exército quanto da sociedade civil. De 25 de agosto a 7 de setembro de 1961, o país passou por dias de grande tensão, ao ponto dos ministros militares ameaçarem de bombardear o palácio Piratini, sede do governo estadual gaúcho. Mas a tentativa de golpe não obteve sucesso. As articulações políticas de Brizola garantiram a posse de João Goulart.

Apesar da vitória contra os golpistas, a posse de Goulart não ocorreu em inteira conformidade com a legalidade constitucional. Em vez de respeitar o sistema presidencialista de governo, representantes do Congresso Nacional acertaram com os ministros militares e com Goulart um acordo que substituiu do dia para a noite o presidencialismo pelo parlamentarismo. Desse modo, Goulart até poderia assumir a presidência da República, mas as funções de governo ficariam a cargo do primeiro-ministro. Algo que irritou profundamente Brizola, pois a alteração abrupta do sistema de governo serviria apenas para impedir que os trabalhistas pudessem assumir o governo do país. Era uma reforma que destoava completamente das estruturas constitucionais de governo e que deixava João Goulart enfraquecido politicamente.

Era óbvio que o acordo não daria certo. Não precisava ser um arguto observador do funcionamento das instituições brasileiras para perceber que o parlamentarismo não conseguiria se adequar a um sistema político organizado com base no presidencialismo. Após um ano e quatro meses, e depois de três gabinetes ministeriais – chefiados por Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima –, um plebiscito realizado no início de 1963 trouxe de volta o presidencialismo. Era o último suspiro de um pacto constitucional que se encontrava há muito tempo sob pressão.

Este ano a crise de 1961 completa seus sessenta anos. Alguns anos atrás as movimentações políticas nos quartéis e os golpes de Estado eram vistos como situações já superadas no ambiente político brasileiro. Ninguém imaginava que o autoritarismo voltaria a ameaçar a Constituição de 1988. Mas eis que um Jair Bolsonaro surgiu no meio do caminho e, juntamente com ele, muitos saudosistas dos tempos da ditadura militar resolveram ir para as ruas. É verdade que existe muito blefe nos discursos do presidente e que as condições atuais são bem diferentes da situação política dos anos 1960. No entanto, é inegável que o governo atual vem deixando um rastro de destruição pelo país. Um legado que certamente não será resolvido a curto prazo.

Autores

  • é professor do curso de Direito do Centro Universitário Claretiano de Batatais (Ceuclar), doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica e do grupo Dasein - Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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