Tarde demais

Após júri absolutório, STJ nega federalizar apuração das chacinas da Nova Brasília

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25 de agosto de 2021, 20h36

Por unanimidade de votos, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou improcedente, nesta quarta-feira (25/8), o incidente de deslocamento de competência que tinha como objetivo federalizar a apuração dos episódios de morte e violência sexual ocorridos em operações policiais do Rio de Janeiro na Favela Nova Brasília, em 1994 e 1995.

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Juntas, chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade carioca de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, deixaram 26 mortos
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A decisão foi tomada uma semana e um dia depois de o Tribunal do Júri absolver por unanimidade os cinco ex-policiais que foram denunciados pela morte de 13 pessoas em outubro de 1994. Os jurados reconheceram os fatos, mas não a autoria dos assassinatos.

Eles foram os únicos a responder pelos crimes, apesar de relatos indicarem a participação de mais de 50 policiais civis e militares nos episódios — um outro denunciado teve a punibilidade extinta porque morreu antes do julgamento.

Em 1994, a chacina teria sido cometida como represália a um ataque à delegacia de Bonsucesso e teve registro de agressões sexuais a moradoras. No ano seguinte, mais 13 jovens foram mortos em outra ação da policial militar do Rio de Janeiro, que contou com auxílio de dois helicópteros.

A falha da Justiça fluminense em investigar e solucionar o caso levou à primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violência policial. Como resultado, o inquérito para o caso de 1994 foi reaberto e levou à denúncia dos seis ex-policiais. A chacina de 1995, por sua vez, sequer gerou denúncia, e os crimes já prescreveram.

Sob esse contexto, nesta quarta-feira o ministro Reynaldo Soares da Fonseca apresentou voto em que descartou a hipótese de federalização das investigações.

Assessoria/TJ-RJ
Cinco acusados pela chacina de 1994 foram absolvidos pelo Tribunal do Júri no Rio
TJ-RJ

Não adianta mais
De acordo com a jurisprudência do STJ, a federalização é medida excepcional que exige evidência de que órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção.

Outros requisitos são: constatação de grave violação efetiva e real de direitos humanos e possibilidade de responsabilização internacional decorrente de cumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais.

Para o relator, a despeito da patente omissão do Estado brasileiro em apurar a chacina de 1994, o órgão acusado conseguiu reunir provas suficientes para oferecer denúncia e pronunciar os investigados. Isso demonstra que a máquina estatal vem agindo atualmente no sentido de efetuar a devida persecução penal.

"Não se evidenciando incapacidade, ineficácia, omissão ou mesmo inércia das autoridades constituídas do estado do Rio de Janeiro no desempenho da apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção, revela-se desnecessário o deslocamento de competência", concluiu.

Os casos referentes aos crimes sexuais cometidos no contexto da ação policial também estão com tramitação em dia: denúncia já foi oferecida e recebida.

Rafael Luz
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca aplicou jurisprudência do STJ sobre pedidos de federalização de investigações
Rafael Luz

Já o caso de 1995 está acobertado pela prescrição, ainda que novamente seja patente o descaso estatal na condução de inquérito que perdurou inicialmente por 14 anos, culminando em sucessivos arquivamentos.

"Não se justifica a decisão de anular acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que referendou arquivamento definitivo e encaminhar o caso à Justiça Federal para apuração de delito ocorrido há mais de 25 anos e já acobertado pela prescrição, tanto mais quando mesmo a mais recente tentativa do parquet estadual de reabrir investigações após condenação da Corte Interamericana se revelou infrutífera", afirmou o relator.

A decisão da 3ª Seção ainda reafirmou a jurisprudência que afastou a imprescritibilidade dos crimes cometidos pelos policiais cariocas, entendimento já decidido pelo mesmo colegiado com relação ao crime do atentado do Riocentro, durante a ditadura militar.

A Constituição Federal brasileira prevê que são imprescritíveis apenas a prática do racismo e a ação de grupos armados contra ordem constitucional e o Estado Democrático. Tratados internacionais não internalizados pelo Brasil que abordem o tema não são capazes de mudar essa conclusão.

José Alberto
Para o ministro Rogerio Schietti, caso mostra o completo fracasso do Estado brasileiro em coibir violência policial
José Alberto

Completo fracasso
Ao acompanhar o relator, o ministro Rogerio Schietti destacou que o caso "demonstra o completo fracasso do Estado brasileiro em coibir esse tipo de ação policial que nos remete a tempos em que decepavam cabeças de criminosos para exibi-las como troféus em determinadas operações".

"Seria preciso que as instituições se dessem conta de que algo precisa ser feito pra que essas chacinas não se repitam", afirmou, fazendo referência à mais recente delas: a do Jacarezinho, também no Rio, que em maio de 2021 deixou 28 mortos.

Nesse sentido, a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos gerou consequências. Uma delas foi a reabertura do inquérito que levou à pronúncia dos seis policiais e a recente absolvição de cinco deles.

As outras são muito recentes. Já em 2021, o MP-RJ criou um grupo temático temporário para promover, em todo o estado, ações estratégicas e coordenadas para atender às determinações para redução da letalidade e da violência policial.

E em agosto, o Conselho Nacional de Justiça apresentou à CIDH relatório referente aos cinco pontos resolutivos que ainda estão pendentes de cumprimento pelo Estado brasileiro em relação à condenação pelas chacinas na Nova Brasília. Isso justamente porque em 2021 foi identificado que o Brasil ainda não implantou efetivamente as garantias exigidas.

IDC 21

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