Opinião

'Cavalos de Troia' nas licitações e a necessidade da strategic due diligence

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25 de agosto de 2021, 18h09

É mais comum do que se imagina a existência de licitações para tomada de serviços terceirizados em que a Administração Pública deixa de considerar no edital aspectos fáticos peculiares existentes no local do serviço. Esse tipo de atitude cria riscos jurídico-financeiros para a empresa contratada. Assim, exige desta uma atuação mais diligente e preventiva no momento de decidir sobre sua participação no processo.

Não obstante tal omissão, é interessante notar que o entendimento do Tribunal de Conta da União (TCU) — de que a declaração formal de ciência acerca das condições locais substitui a exigência de vistoria técnica no local da prestação do serviço  fortalece a posição das empresas em não realizar diligências mínimas necessárias ao reconhecimento do serviço objeto da licitação [1] [2] [3].

Nessas condições, invariavelmente, seja pela omissão da Administração Pública sobre as reais condições existentes no local de prestação do serviço, seja pela inexigibilidade de vistoria técnica prévia, conforme posição do TCU, cria-se um "cavalo de Troia" à espera da empresa vencedora da licitação.

Para ilustrar o que se diz acima, imagine-se uma empresa que se consagrou vencedora de certame licitatório para prestação de serviços terceirizados em cidades interioranas do estado X, onde não há serviço de transporte público regulamentado.

Em que pese tal situação ser pré-existente ao início da prestação do serviço, o edital de licitação/termo de referência exigiu a cotação de vale-transporte, não se atendo à realidade pertinente ao transporte desregulamentado. Sob essa mesma premissa, os valores de vale-transporte para utilização dos cartões eletrônicos foram cotados pela empresa.

Eis aí o "cavalo de Troia": caso o vale-transporte seja adiantado ao colaborador em pecúnia, criar-se-á o risco de a natureza indenizatória de o título pago se esvair e gerar o direito obreiro à repercussão em outras verbas remuneratórias, ante a previsão do artigo 5º do Decreto nº 95.247/1987 [4].

Outra situação que pode ser citada como "cavalo de Troia" é a existência de condições insalubres de trabalho, sem que exista qualquer menção a tal realidade no termo de referência do certame licitatório, vindo a empresa a ser surpreendida sobre tal realidade somente após assumir o contrato — ou pior: em eventual reclamação trabalhista.

Diante desses e outros riscos trabalhistas é que há a necessidade de uma strategic due diligence voltada para área trabalhista, no intuito de identificar eventuais riscos que possam impactar a prestação do serviço, o preço final a ser ofertado no certamente ou até mesmo a decisão de se participar ou não da licitação.

No exemplo citado, a empresa sequer imaginou a possibilidade de estipular repercussões salariais devidas em razão do pagamento em espécie do vale-transporte, devendo agora enfrentar um risco considerável que poderia ser evitado (ou, no mínimo, identificado) por meio de diligências prévias.

Sopesa ainda o fato de que nas licitações para contratação de mão de obra terceirizada preza-se pela menor oferta de preço pelo serviço, o que força as empresas do setor a atuarem com margens de lucratividade reduzidas, de forma que qualquer despesa superveniente pode colocar por terra todo o planejamento empresarial, podendo até ocasionar um passivo financeiro.

Dentro de qualquer atividade empresarial o levantamento de riscos é elemento indispensável à tomada de decisões, para a boa desenvoltura do negócio. Principalmente quando se trata de prestação de serviços terceirizados à Administração Pública, em razão do "benefício de ordem" que esta possui sobre o alcance da responsabilidade sobre débitos trabalhistas, nos termos da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho [5].

No entanto, e por óbvio, as informações não chegarão ao alcance do corpo diretivo da empresa sem que haja pesquisa de campo, encaixando-se aqui a figura da strategic due diligence, ferramenta capaz de identificar eventuais riscos a partir do balizamento do escopo de atuação empresarial no âmbito do contrato administrativo assumido.

Logo, toda e qualquer empresa (especialmente as que tratam diretamente com a Administração Pública) precisa adotar práxis mais zelosa no que diz respeito à construção da proposta, à sustentabilidade e à manutenção das condições negociadas, no intuito de não ser surpreendida com riscos que poderiam ser mapeados desde o início ou, melhor ainda, não ser surpreendida por encargos financeiros indesejados.

 

[1] Acórdão 1172/2012-Plenário, relator José Mucio Monteiro: "É indevida a obrigatoriedade de visita técnica ao local das obras, quando, por sua limitação de tempo e em face da complexidade e extensão do objeto licitado, pouco acrescente no conhecimento dos concorrentes sobre os serviços, sendo suficiente a declaração do licitante de que conhece as condições locais para a execução do objeto". Sessão realizada em 16/05/2012.

[2] Acórdão 802/2016-Plenário, Relator Augusto Sherman: "Mesmo que seja tecnicamente justificável a avaliação do local de execução do objeto antes da formulação das propostas, o edital de licitação deve prever a possibilidade de substituição da vistoria por declaração formal assinada pelo responsável técnico acerca do conhecimento pleno das condições e peculiaridades da obra". Sessão realizada em 06/04/2016.

[3] Acórdão 1737/2021-Plenário, Relator Weder de Oliveira: "A vistoria ao local da prestação dos serviços somente deve ser exigida quando imprescindível, devendo, mesmo nesses casos, o edital prever a possibilidade de substituição do atestado de visita técnica por declaração do responsável técnico da licitante de que possui pleno conhecimento do objeto, das condições e das peculiaridades inerentes à natureza dos trabalhos". Sessão realizada em 21/07/2021.

[4] Decreto nº 95.247/1987, artigo 5°- "É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo".

[5] Súmula nº 331 do TST – "[…] IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada".

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