Opinião

Dirigentes de cooperativas de trabalho: quando há estabilidade provisória?

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24 de agosto de 2021, 11h05

Um dos princípios mais importantes do Direito do Trabalho é a continuidade da relação empregatícia, mas em algumas hipóteses o legislador preferiu reconhecer a estabilidade provisória no emprego para efetivamente assegurar ao empregado a sua permanência no trabalho.

A estabilidade provisória visa a assegurar a dignidade da pessoa humana, como nos casos da estabilidade de empregados que sofreram acidente de trabalho, a proteção ao direito alimentar da mulher e do nascituro, nos casos de gestantes, e a proteção contra os eventuais e necessários embates com o empregador, nos casos dos cipeiros e dirigentes sindicais, já que estes representam os interesses dos empregados em diversos aspectos, como saúde e segurança do trabalho, aumento salarial, pagamento de benefícios, entre outros.

Tamanha a importância da garantia ao emprego do dirigente sindical que a legislação previu uma peculiaridade, que o diferencia em relação à garantia das mulheres gestantes, dos acidentados e dos cipeiros: o legislador concedeu ao sindicalista o direito de ser ouvido antes da sua dispensa, em processo judicial próprio denominado como apuração de falta grave, o qual deve ser ajuizado perante a Justiça do Trabalho.

Embora as figuras do dirigente sindical e de dirigente de cooperativas sejam equiparadas, a discussão sobre a estabilidade de dirigente de cooperativa começa com a identificação da própria natureza jurídica da cooperativa, uma vez que, no ordenamento jurídico vigente, existem duas espécies, são elas: as cooperativas de emprego e as denominadas cooperativas de trabalho.

Nos termos da Lei 5.764/1971 [1], as cooperativas de emprego são compostas por pessoas, que se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, enquanto que as cooperativas de trabalho são regidas pela Lei 12.960/2012 [2] e se configuram pela união de profissionais autônomos com objetivo de potencializar ou incrementar os lucros, gerando, por consequência, maiores rendimentos pelo trabalho comum, o que dificilmente seria alcançado se cada um dos profissionais trabalhasse individualmente.

Diante da existência de duas espécies de cooperativas, há recorrente discussão perante a Justiça do Trabalho sobre a possibilidade de reconhecimento de estabilidade provisória para os seus dirigentes de cooperativas — equiparando-os, portanto, aos dirigentes sindicais, o que se justificaria a aplicação dos prazos previstos pela lei quanto à comunicação de sua candidatura e eleição ao empregador.

Embora o assunto seja complexo e controverso, entende-se que apenas os empregados que sejam eleitos para a cooperativa de emprego detêm a estabilidade provisória assegurada pela legislação, na medida em que apenas nessa hipótese há efetiva representação dos empregados perante o empregador.

Ou seja, apenas nas hipóteses das cooperativas de emprego, o empregado eleito para ser dirigente pode, de forma legitima e em nome dos demais empregados associados à cooperativa, representá-los passiva e ativamente, o que gera a possibilidade de confronto direto com o empregador, razão pela qual se justifica o reconhecimento da estabilidade provisória.

Assim, a garantia de emprego dada a dirigentes sindicais das cooperativas de emprego decorre exatamente da necessidade de se proteger aqueles que possuem funções que se assemelham às praticadas pelos dirigentes sindicais, uma vez que a Lei 5.764/71 dispõe expressamente sobre a possibilidade da cooperativa de emprego representar os seus associados [3]

Esclarecido esse ponto, destaque-se que a estabilidade provisória dos dirigentes de cooperativas também deve respeitar o limite máximo de sete dirigentes, acrescidos de sete suplentes, já que o Supremo Tribunal Federal entendeu pela recepção do artigo que prevê a mencionada limitação para o número de dirigentes e suplentes que detêm estabilidade provisória.

Quanto aos dirigentes de cooperativas de trabalho, ainda que o tema seja controverso, entende-se que não há estabilidade provisória e, portanto, podem exercer atividades diversas das desenvolvidas pelo empregador, sem que haja qualquer interesse na representação de empregados, o que denota a completa ausência de possível embate com o empregador. Exemplos comuns de cooperativas de trabalho são aquelas formadas para a comercialização de produtos eletrônicos, bebidas e imóveis.

Diante do imbróglio sobre a natureza jurídica da cooperativa, tem-se notado que algumas delas são formalmente constituídas com nítida finalidade fraudulenta, na medida em que não visam à proteção e representação do empregado, tampouco a associação de cooperados para atingir lucros. Bem da verdade, muitas dessas cooperativas são criadas com o único objetivo de que o empregado atinja uma pretensa e inexistente estabilidade provisória no emprego, o que evidentemente foge — e muito — do contexto de garantia do emprego previsto pelo legislador.

Para o reconhecimento da cooperativa fraudulenta, faz-se necessária análise do seu objeto social, bem como das efetivas atividades por ela desenvolvidas, na medida em que a eventual fraude deverá ser pautada não só em prova documental, mas também demonstrada por meio da primazia da realidade.

Diante de todo o acima exposto, em razão das diferenças apontadas entre as cooperativas de emprego e de trabalho, conclui-se que apenas os dirigentes de cooperativas de emprego validamente constituídas possuem estabilidade provisória equiparadas aos dirigentes sindicais, que tem início da data da candidatura até um ano após o final do mandato, uma vez que tal estabilidade desenha-se como proteção aos direitos dos empregados por ele representados.


[1] Artigo 3º da Lei 5.764/1971: "Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro".

[2] Artigo 2º da Lei 12.690/2012: "Considera-se cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho".

[3] Artigo 21, inciso V, da Lei 5.764/71: "O estatuto da cooperativa, além de atender ao disposto no artigo 4º, deverá indicar: XI — Se a cooperativa tem poder para agir como substituta processual de seus associados, na forma do artigo 88-A desta lei".  

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