Opinião

A produção antecipada de provas e as medidas coercitivas em caso de resistência

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24 de agosto de 2021, 6h34

1) Introdução
O Código de Processo Civil, em seus artigos 381 e seguintes, apresentou um novo perfil de produção antecipada de provas, ampliando suas hipóteses de cabimento e afastando a necessidade de um processo principal posterior. Embora há muito tempo o ordenamento jurídico tenha reconhecido a possibilidade de processos para produção de conteúdo probatório de forma antecedente à fase instrutória, foi somente o CPC/2015 que garantiu a prova como direito autônomo da parte. Com isso, a antiga premissa de que "o juiz sempre é o destinatário da prova" se enfraqueceu e as partes adquiriram o papel principal no instituto da produção antecipada.

Outra inovação importantíssima foi quanto aos meios de prova admitidos, uma vez que o código atual possibilitou expressamente a produção de qualquer tipo de prova no mesmo procedimento.

Ocorre que ainda há certa discussão quanto à prova documental, se esta poderia ser objeto de produção antecipada, como meio próprio e exclusivo, ou se poderia ser requerida em ação cautelar de exibição de documentos. Um dos argumentos utilizados pelos interessados na exibição de documentos é o de preservar as garantias do artigo 400 do CPC/2015, que prevê sanções para a resistência da parte.

Contudo, nada impede que, em sede de produção antecipada de provas, caso o interesse da parte seja, especialmente, o de conhecer o conteúdo do documento a ser disponibilizado, o juiz também possa determinar a adoção de medidas indutivas ou coercitivas para compelir o requerido a apresentar o objeto da pretensão.

Caso contrário, o interessado daria início à produção antecipada de provas e ficaria à mercê da vontade do requerido, sem a possibilidade de forçar a parte resistente à colaboração, fazendo o próprio instituto perder sua razão de ser.

2) Divergência existente entre a produção antecipada de provas e a ação de exibição de documentos
A partir da vigência do CPC/2015, houve muita discussão a respeito da utilização da ação de produção antecipada para a prova documental. Isso porque o CPC/1973 previa um procedimento específico de ação cautelar para exibição de documento (artigos 844 e seguintes) e a legislação recente, embora tenha revogado as cautelares, manteve referida exibição em capítulo próprio, nos artigos 396 e seguintes.

Assim, a dúvida que surgiu foi: a produção de prova documental pode ser efetivamente realizada pelo instituto da produção antecipada? Em caso positivo, isso invalida a busca da exibição de documento por ação antecipada autônoma, sob o rito comum e regramento específico, com fundamento nos artigos 318 e 396 do CPC/2015?

Em resposta, o entendimento majoritário é no sentido de que a prova documental pode (e, para alguns, deve) ser produzida pelo instituto da produção antecipada, tendo em vista a ausência de restrição específica (Enunciado 129 da II Jornada de Direito Processual Civil) [1].

Ainda, existe o entendimento de que eventual ação, sob o rito comum, para exibição de documento, deveria ser extinta sem resolução de mérito, na medida em que a produção antecipada seria o único e exclusivo meio para atingir tal finalidade de maneira prévia. Para o professor Eduardo Talamini (2016, p. 9):

"Em relação à exibição de documento, diferentemente do Código de Processo Civil de 1973 (artigos 844-845), o Código de Processo Civil de 2015 não prevê medida típica em caráter preparatório. Estabelece apenas procedimento específico para a exibição de documento ou coisa, em poder da parte adversária ou de terceiro, já no curso do próprio processo principal (CPC/2015 (LGL20151656), artigos 396 e ss.). Assim, quando houver interesse jurídico na exibição prévia de documentos, por razões de urgência ou não, caberá o emprego da medida de produção antecipada".

Por outro lado, a 3ª Turma do STJ, no Recurso Especial nº 1.803.251, por maioria de votos, entendeu pelo cabimento de ação de exibição de documentos, nos termos dos artigos 318 e 396 e seguintes do CPC/2015, de forma que haja uma coexistência harmoniosa entre a ação e a produção antecipada, o que também tem sido aplicado pela 4ª Turma (Recurso Especial nº 1.774.987/SP).

Em resumo, o Superior Tribunal de Justiça, em sua maioria, reconhece ser possível que o direito material à prova consista não propriamente na produção antecipada, mas no direito de exigir, em razão de lei ou contrato, a exibição de documento ou coisa na posse de outrem, o que viabiliza, tecnicamente, o manejo de ação de exibição (Enunciado nº 119 da II Jornada de Direito Processual Civil) [2].

Em comentário ao artigo 396 do CPC, o professor José Miguel Garcia Medina determina (2016, pp. 691-692):

"(…) Mas a exibição de documentos ou coisa também pode ser pedida em ação autônoma (ação exibitória) voltada exclusivamente à exibição de documento ou da coisa, ajuizada por uma parte contra a outra, muitas vezes antes da ação em que se discutirá o fato objeto de prova, mas, também, com o intuito de apenas ver a coisa ou o documento exibidos, com o intuito de satisfazer direito material à exibição, constante de lei ou de contrato (aplica-se ao caso o disposto nos artigos 497 do CPC/2015, já que exibir é fazer)".

À luz do princípio da efetividade do processo, entendo que, embora não haja previsão expressa de ação autônoma de exibição de documento no CPC/2015; e, ainda que exista a possibilidade de manejo de prova documental em sede de produção antecipada, nada obsta que a parte utilize da ação de exibição, sob o rito comum e com aplicação de regramento específico (artigos 396 e seguintes), valorando-se o direito autônomo à prova. Afinal, a exibição de documento também pode ser considerada como uma obrigação de fazer da parte requerida.

De todo modo, a verdade é que, na prática, a ação probatória autônoma mostra-se a forma que mais atende aos princípios processuais, como o princípio da economia e celeridade processual, cooperação, eficiência e boa-fé. Isso porque o procedimento dos artigos 381 e seguintes do CPC/2015, além de possibilitar a produção antecipada, também pode evitar uma ação principal ou viabilizar a autocomposição.

Ainda, a produção antecipada, via de regra, afasta o caráter litigioso do processo, impede a valoração da prova e veda a condenação de honorários sucumbenciais (quando não há resistência/imposição de obstáculos pela parte contrária), minimizando consideravelmente os riscos do procedimento comum.

Ocorre que, quando há interesse da parte em simplesmente acessar o documento ou conhecer o conteúdo dele, o regramento específico do artigo 396 e seguintes, em um primeiro momento, pode parecer mais vantajoso, já que prevê (artigo 400 do CPC/2015) para hipótese de resistência da parte contrária: a presunção de veracidade dos fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar; a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.

Contudo, em uma análise sistemática do Código de Processo Civil, a aplicação das medidas acima descritas devem ser refletidas, também, ao longo da produção antecipada de provas.

3) Medidas coercitivas aplicáveis na produção antecipada de provas — Revogação do entendimento da Súmula nº 376 do STJ — Tema Repetitivo nº 1.000
Na produção antecipada de prova, ainda que se tenha como objetivo a exibição de um documento, é vedado ao juiz a valoração da prova, o que o impede de adentrar em presunção de veracidade de fatos, como propõe o artigo 400 do CPC/2015. Esse entendimento também é refletido para as ações de exibição de documento de natureza cautelar, já que, quando não há ação principal em curso, não se revela admissível vincular o órgão judiciário ao presumido teor do documento que deixou de ser apresentado (Nery, 2019).

Além disso, não há previsão legal de medidas coercitivas capazes de compelir a parte contrária a apresentar o documento pretendido no capítulo próprio da produção de provas, como há na exibição de documento.

Ocorre que, ao reconhecer a possibilidade de ser adotada a prova documental no instituto da produção antecipada, em consonância com o previsto no artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, que possibilita ao juiz a determinação de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, é razoável o entendimento de que o artigo 400 também poderá ser aplicado, analogicamente, à ação probatória.

É claro que há presunção de colaboração entre as partes (incluindo o juiz), em razão do próprio princípio e, também, do princípio da boa-fé. Todavia, na prática, muitas vezes a parte enfrenta resistência do requerido em apresentar o documento e, nesses casos, a simples fixação de honorários advocatícios não tem o condão de compelir a parte contrária à ordem judicial.

Assim, é preciso refletir sobre o papel do magistrado, o qual deve ter uma atuação proativa, visando a preservar o interesse das partes e a eficiência do processo como um todo. É importante esclarecer que, nesse ponto, não se fala em parcialidade do juiz, mas, sim, em paridade entre as partes. Portanto, caso seja necessário, o juiz deverá aplicar as medidas coercitivas na produção antecipada, buscando a eficiência, por si só, do instituto utilizado.

Nesse sentido, tem sido o entendimento da jurisprudência recente, que mesmo na produção antecipada de provas, tem aplicado as medidas coercitivas do artigo 400 do CPC/2015 [3].

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça havia elaborado a Súmula nº 372, que determinava não ser cabível, na ação de exibição de documentos, a aplicação de multa cominatória. No entanto, referido entendimento não tem sido aplicado pela jurisprudência atual, na medida em que outras sanções processuais tornaram-se ineficazes para a exibição do documento e o caminho mais razoável foi a fixação de astreinte.

Há inúmeros exemplos de julgados que vem afastando a Súmula nº 372 e aplicando medidas coercitivas como a multa cominatória. Referido tema, inclusive, foi objeto de recurso repetitivo afetado pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 1.000), que recentemente firmou a seguinte tese: "Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no artigo 400, p.u., CPC/2015".

Desse modo, quando não há necessidade de adentrar na discussão de presunção de veracidade dos fatos ou valoração da prova, a produção antecipada ainda se mostra o instrumento mais adequado e o magistrado pode e deve aplicar as medidas coercitivas que julgar necessárias para o cumprimento da ordem judicial.

4) Conclusão
A produção antecipada de provas foi significativamente alterada com a vigência do CPC/2015, o qual visou garantir o direito autônomo à prova. Entre as alterações, permitiu-se a produção de qualquer prova, desde que respeitada a vedação de valoração do conteúdo fático analisado, inclusive com relação à prova documental.

Há, ainda, grande discussão sobre qual procedimento seria mais adequado para a exibição da prova documental, a produção antecipada (artigos 381 e seguintes) ou a ação de exibição de documento, sob o rito comum (artigos 318 e 396 e seguintes). De acordo com a jurisprudência e doutrina majoritária, embora ambas as ações possam coexistir de forma harmoniosa, a produção antecipada de prova, muitas vezes, se provou ser a medida judicial mais vantajosa.

Na prática, ainda existe uma tendência de priorizar a ação de exibição de documento, uma vez que há medidas coercitivas, indutivas, mandamentais ou sub-rogatórias para compelir o requerido ao cumprimento da ordem judicial.

Ocorre que, como restou demonstrado, referidas sanções, assim como a multa cominatória, podem ser (e têm sido) aplicadas também em sede de produção antecipada, afastando-se o entendimento da Súmula nº 372 do STJ. Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça afetou o tema da aplicação da multa cominatória no Repetitivo nº 1.000, oportunidade em que será analisada a razoabilidade da fixação desta sanção.

De toda forma, entende-se que, independentemente do rótulo atribuído à ação, o Poder Judiciário deve buscar preservar o direito autônomo à prova, assim como o direito material de exibição de documento, fixando as medidas coercitivas que julgar necessárias para o cumprimento da ordem judicial, sem que haja prejuízo à parte requerente.

 

Referências bibliográficas
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, 7ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2017;

TALAMINI, Eduardo. Produção Antecipada de Prova no Código de Processo Civil de 2015, Revista de Processo, vol. 260/2016, pp. 75-101;

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pp. 691-692;

NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 18ª ed., rev., atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 1.047;

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo, 2ª ed., ed. Revista dos Tribunais, 2015, p. 756.

 


[1] "É admitida a exibição de documentos como objeto de produção antecipada de prova, nos termos do artigo 381 do CPC"

[2] "É admissível o ajuizamento de ação de exibição de documentos, de forma autônoma, inclusive pelo procedimento comum do CPC (artigo 318 e seguintes)."

[3] TJ-SP — AI n 20237572820198260000, Des. Relator: Matheus Fontes, j. em 05/04/2019, 22ª Câmara de Direito Privado.

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