Fábrica de Ideias

A pauta do mercado de capitais

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24 de agosto de 2021, 16h04

As constantes inovações promovidas pelos agentes econômicos e o crescimento no número de investidores e dos captadores de poupança pública trazem desafios para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal responsável pela regulamentação e fiscalização do mercado de capitais brasileiro. É nesse contexto, permeado por debates, ideias e inovações legislativas e regulatórias, que o Núcleo de Mercado de Capitais do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE — Mercado) realizou o  evento inaugural do ciclo de diálogos com as principais autoridades do sistema financeiro nacional.

Spacca" data-GUID="boas_ideias.jpeg">Conforme divulgado aqui na Conjur, na segunda-feira (23/8), o presidente do IREE Mercado e ex-diretor da CVM, Henrique Machado [1], conversou com o presidente da CVM, Marcelo Barbosa [2], abordando os principais temas da agenda regulatória da comissão. A conversa, feita na forma de webinário e com transmissão simultânea pelo YouTube, tratou da reforma nas regras de ofertas públicas, fundos de investimento e divulgação de demandas societárias. Além disso, o presidente da CVM discorreu sobre as Companhias com Propósito Específico de Aquisição (Special Purpose Acquisition Company — Spac), da Sociedade Anônima Simplificada e da Sociedade Anônima do Futebol, temas inovadores e ainda não regulamentados pela CVM. (Veja abaixo um breve resumo do evento, que pode ser visto na íntegra neste link).

Alterações nas regras de ofertas públicas
Inicialmente, o presidente Marcelo Barbosa destacou que a proposta de nova regulamentação das ofertas públicas tem como objetivo modernizar e consolidar o arcabouço regulatório, introduzindo, inclusive, regras que haviam sido utilizadas previamente em caráter experimental, a exemplo da possibilidade de apresentação do pedido de oferta sob o rito de análise reservada.

A proposta inova ao sugerir, na Minuta B da Audiência Pública SDM 02/21, maior flexibilidade nas ofertas mediante o registro de intermediários, tema que não possui paralelo no regramento atualmente vigente. Na visão do presidente, o registro dos intermediários reforça o papel desses agentes nas ofertas e trará mais segurança ao investidor com relação às informações transmitidas, além de permitir maior concorrência no setor.

Com relação aos potenciais benefícios da nova regulamentação, Marcelo Barbosa pontuou que a reforma proposta prima por disponibilizar de forma antecipada e acessível as informações mais importantes sobre os títulos ofertados, destacando que a abundância de informação não é, necessariamente, uma proteção, principalmente na visão do investidor de varejo. Para o presidente da autarquia, a mudança busca, então, simplificar o conjunto de informações fornecidas, para facilitar sua leitura e adequá-la ao público-alvo, no intuito de simplificar seu acesso pelo investidor de varejo, que, há quatro anos, eram cerca de 500 mil investidores e hoje já são quase quatro milhões.

Educação Financeira
O presidente da autarquia informou que a CVM, em parceria com o Ministério da Educação, lançou iniciativa para capacitar 500 mil professores, por meio de um programa de incentivo à educação financeira nas escolas, a fim de tornar esses temas cada vez mais presentes no cotidiano de alunos e professores de todo o país.

Marcelo Barbosa destacou a realização de diversas pesquisas, pelas quais foi verificado que investidores de varejo têm dificuldade para entender todas as informações veiculadas em ofertas de valores mobiliários, o que faz grande parte dos entrevistados se sentirem excluídos e acreditarem que somente pessoas "qualificadas" poderiam participar do mercado de capitais.

Special Purpose Acquisition Company (Spac)
Sobre a Special Purpose Acquisition Company (Spac), que foi objeto da audiência pública de ofertas públicas, o presidente Marcelo Barbosa destacou que, como toda figura nova, o mecanismo ganhou "um apelido que pode gerar estranheza", mas isso não quer dizer que ele seja ruim, até porque a regulação brasileira precisa acompanhar os fenômenos que acontecem em outros mercados, ainda mais em matéria de oferta pública.

Sobre as Spac, Marcelo Barbosa ressaltou que os pontos de atenção da CVM referem-se à transparência sobre os incentivos do patrocinador (tais como remuneração e conflitos) e à diligência dos prestadores de serviço contratados pelo patrocinados. Além disso, para que uma operação em modelo Spac seja colocada em prática, ele julga necessário atualizar uma série de questões regulamentares, principalmente as relativas ao formulário de referência das companhias e à forma de resgate de ações.

A nova regulamentação dos fundos de investimentos
O presidente Marcelo Barbosa lembrou que, antes mesmo da discussão da Lei de Liberdade Econômica, já estava em andamento trabalho para rever o regramento dos FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), que se apresentava como ultrapassado. Assim, a edição da Lei nº 13.874/2019, ao instituir novo rearranjo acerca da responsabilidade dos cotistas e dos prestadores de serviços, somou-se a outros pontos que já estavam em discussão na autarquia.

Quando à responsabilidade limitada dos cotistas, o presidente das CVM entende se tratar de atrativo para os investidores, principalmente os estrangeiros que não entendiam a razão de inexistir, até então, regulamento prevendo-a. Sobre o tema, Marcelo Barbosa alertou que essa modificação, antes da mencionada Lei, extrapolava a competência legal da CVM.

Para o presidente da CVM, as limitações da legislação ocasionavam também uma responsabilidade desproporcional dos administradores fiduciários, quando, na verdade, havia outros prestadores de serviços da indústria de fundos responsáveis por questões específicas. Com a nova regulamentação, haverá uma repartição entre a responsabilidade do administrador e do gestor. A importância dessa modificação é tão grande que Marcelo Barbosa acredita que o futuro reserva uma revolução na relação entre os prestadores de serviço entre si e entre esses e os fundos.

O presidente da CVM reforçou, ainda, que, como divulgado na audiência pública, está sendo discutido o regramento de FIDC socioambiental.

Comunicado de demandas societárias
Ao tratar da proposta de inclusão de comunicado de demandas societárias no rol de informações eventuais a serem apresentadas pelas companhias abertas, Marcelo Barbosa explicou que essa sugestão decorre de estudo iniciado em março de 2018 realizado pela CVM em conjunto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico (OCDE).

Esse estudo decorre da percepção de que as atuais obrigações informacionais não se mostram suficientes para permitir que acionistas impactados com litígios arbitrais exerçam seus direitos. Assim, por meio do comunicado de demandas societárias, as companhias abertas passariam a ser obrigadas a fornecer mais informações a respeito de demandas, inclusive aquelas que tramitam no foro arbitral. O presidente da CVM ressaltou que o comunicado não se confunde com fato relevante, mas servirá para dar maior concretude a direitos de acionistas que podem ser impactados no curso de um procedimento arbitral.

Ainda, o presidente Marcelo Barbosa destacou que a proposta de comunicado não visa a afastar as normas contidas no regulamento das câmaras arbitrais, mas sim a dar concretude aos direitos dos acionistas, que existe e prevalece sobre os regulamentos das câmaras.

Sociedade Anônima Simplificada (SAS) e Sociedade Anônima do Futebol (SAF)
Sobre as SAS, Marcelo Barbosa apontou que, de forma geral, a reforma legislativa veio para facilitar a capitalização de negócios de portes que não costumam acessar o mercado de capitais, ressaltando que a simplificação promovida pela lei não pode afastar a possibilidade de o investidor conhecer os riscos e a forma de gestão do negócio objeto do investimento.

Para o presidente da CVM, as alterações são bem-vindas, mas alterações na regulação da CVM relacionadas às SAS só poderão ser discutidas pelo Colegiado da CVM a partir do ano que vem, dadas as prioridades do órgão. De toda forma, caso a CVM entenda que os ajustes decorrentes da criação das SAS não sejam tão substanciais, as alterações regulatórias podem realmente ter seu rito adiantado.

Com relação à SAF, Marcelo Barbosa destacou a importância cultural, econômico e social do futebol no Brasil, sendo a profissionalização da atividade apta a trazer diversas consequências positivas ao meio. Ele ressaltou, contudo, que as mudanças promovidas pela nova lei não são de cunho societário, mas prioritariamente de questões atinentes à responsabilização e à matéria tributária.

Marcelo Barbosa frisou que a introdução da atividade futebolística no mercado de capitais deverá se dar mediante a aplicação da legislação incidente sobre companhias atuantes em outros setores. Para ele, o mais importante é a profissionalização do futebol mediante a apresentação dos riscos específicos dessa atividade para a captação de recursos.

 


[1] Henrique Machado é ex-procurador do Banco Central do Brasil (BC), foi chefe de gabinete do Ministro presidente do Banco Central entre 2009 e 2010. Foi secretário do Conselho Monetário Nacional (CMN), secretário-executivo adjunto do BC e secretário-executivo do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec), entre 2010 e 2016. Foi diretor da CVM de julho de 2016 a dezembro de 2020.

É Pós-graduado em Direito Público, pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), e em Direito Econômico da Regulação Financeira, pela Universidade de Brasília (UnB).

Membro da Comissão de Mercado de Capitais da OAB/RJ.

É professor convidado da FGV-Rio, OAB/DF, IDP e KOPE.

Advogado e sócio do escritório Warde Advogados.

[2] Marcelo Barbosa é presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Direito (LL.M) pela Universidade Columbia, em Nova York, EUA.

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