Opinião

Decreto sobre remoção de conteúdo em redes sociais pode gerar maior insegurança

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23 de agosto de 2021, 19h21

No último dia 9, houve mais uma manifestação por parte do presidente da República indicando a intenção de envio do polêmico decreto que visa a alterar o Marco Civil da Internet de forma a regulamentar a retirada de conteúdo por parte dos provedores de aplicação na rede, como é o caso de redes sociais.

De acordo com o decreto, as redes sociais podem ser punidas caso removam conteúdos ou bloqueiem contas de acordo com seus próprios termos de uso. A questão da moderação de conteúdo por parte das redes sociais ganhou evidência quando Twitter, Facebook e Instagram bloquearam as contas de Donald Trump, após o ex-presidente dos Estados Unidos inflamar seus seguidores com argumentos infundados sobre fraude no sistema eleitoral para que marchassem até o Capitólio, episódio que culminou em sua invasão.

Além desse episódio, a crise envolvendo a desinformação derivada da propagação de conteúdos falsos ou enganosos atingiu proporção preocupante durante a pandemia da Covid-19, quando houve grande disseminação de notícias falsas envolvendo tratamentos sem eficácia ou minimização dos efeitos da doença. Em resposta à crescente disseminação de desinformação, as redes sociais passaram a tarjar posts que envolviam conteúdos falsos e a bloquear usuários, além de indicar fontes confiáveis para obtenção de informações relacionadas à crise sanitária.

Tais bloqueios geraram posicionamentos contrários baseados no discurso de que a moderação de conteúdos que violem termos de uso causaria impacto ao exercício da liberdade de expressão e, nesse contexto, o presidente propôs novo decreto para regulamentar as atuais disposições do Marco Civil da Internet.

Como a remoção ocorre atualmente?

O Marco Civil da Internet não regulamenta o modo de operação dos provedores de aplicação, que atualmente têm a liberdade de estabelecer em seus termos de uso quais seriam os conteúdos aceitos ou não em sua rede podendo, portanto, moderar conteúdos e bloquear contas. Em outras palavras, a administradora de cada plataforma teria a liberdade de criar as regras de conduta aceitáveis nela (e que não se sobrepõem às leis).

Nesse sentido, os provedores têm estabelecido regras de forma a tornarem seus espaços mais seguros, como vedação a violações a propriedade intelectual, repressão a conteúdos violentos, fraudulentos, discursos de ódio, bem como medidas contra desinformação, desde que não atentem contra o direito de liberdade de expressão de seus usuários (lembrando que, assim como qualquer outro, esse direito também não é absoluto).

Atualmente, os provedores de aplicação só poderiam ser responsabilizados por conteúdos postados por seus usuários caso exista decisão judicial que determine a sua remoção e eles descumpram essa ordem, exceção feita aos casos de conteúdo sexual de caráter privado, que devem ser excluídos após notificação (mesmo extrajudicial) do interessado.

Ou seja, caso o usuário note conteúdo ilegal, ele possui dois caminhos: o ajuizamento de ação mencionando expressamente o URL a ser derrubado, ou o pedido de derrubada caso note que a postagem está em desacordo com os termos de uso da rede. Nesse último caso, cabe à rede analisar e remover o conteúdo. Além disso a própria rede tem seus direitos reservados para remover conteúdos que violem suas regras.

Como será de acordo com o decreto?

O referido decreto visa a alterar o Marco Civil da Internet de forma a impor que os provedores de aplicação não possam remover conteúdos de acordo com seus próprios termos, mas tão somente em casos previstos expressamente pelo seu rol taxativo.

Ou seja, os provedores só poderão remover, por conta própria, conteúdos que envolvem crimes de maior potencial ofensivo, violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, postagens violentas ou violações específicas envolvendo segurança nacional e direitos autorais. Demais remoções deveriam ser realizadas apenas mediante ordem judicial. Nesse sentido, os provedores de aplicação perdem a liberdade para determinar o que é ou não aceito em suas redes.

Outro ponto de atenção é que o decreto atribui competência para que a Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo atue na fiscalização e apuração de infrações praticadas pelos provedores de aplicação. Ou seja, uma secretaria relacionada ao Poder Executivo teria poder para moderar a atuação das redes sociais, observando-se clara influência do Estado em uma seara onde deveria prevalecer a liberdade, em atenção a princípios democráticos.

O decreto chama a atenção, inclusive, por ser apresentado em completo descompasso com as melhores experiências internacionais sobre o tema. Enquanto países como a Alemanha propõem modelos como o da autorregulação regulada (em poucas palavras, seria um norte sobre como as plataformas deveriam criar e aplicar seus termos, em diálogo com a legislação), o Brasil vai em diametral oposição, impedindo essas empresas de fazerem valer as suas regras. Por isso, eleva-se o temor não só da escalada de desinformação nas redes, como também de fuga do território brasileiro pelas plataformas.

Ainda, com a maior dificuldade para moderação de conteúdo, a expectativa é de maior judicialização de demandas que poderiam ser facilmente geridas pelas plataformas, inundando ainda mais um Poder Judiciário que já está lotado.

O decreto mencionado pode ser questionado sob diversas óticas, inclusive considerando a proximidade com as eleições de 2022 e a possibilidade de que as contas de candidatos sejam afetadas, assim como houve em relação a Donald Trump.

No entanto, além de se demonstrar um decreto inconstitucional e potencialmente autoritário por tentar regular (ou impedir a regulação da) atividade privada, outros reflexos podem ser causados caso o decreto entre em vigor. Um exemplo dessa situação é a repressão à venda de produtos contrafeitos na rede e demais violações à propriedade industrial. Por serem crimes de menor potencial ofensivo, o referido decreto impactará estratégias de proteção, envolvendo a solicitação de pedidos de derrubada de anúncios de produtos piratas. Embora o decreto preveja a derrubada aos conteúdos que violem direitos autorais, não há qualquer menção às marcas e patentes, tornando a rede um ambiente propício para a venda de produtos falsos, ostentando marcas de terceiros.

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