Opinião

O lawfare como um dispositivo de fragilização do Direito

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

23 de agosto de 2021, 15h05

Nos últimos tempos, muito se tem debatido sobre o lawfare, ou seja, o uso do Direito como instrumento de guerra para perseguir politicamente certos adversários. Essa conduta é compatível com a democracia? Ela combina com o Estado de Direito? Adianto logo que o Direito foi um empreendimento criado para conter o arbítrio, e não para servir de inspiração para os atos de tiranos envaidecidos pelo poder.

Durante séculos os reis não conheciam limites políticos, jurídicos e institucionais no momento de exercer o poder e de ditar ordens contra os seus súditos. Esse cenário passou a mudar quando o Direito entrou em cena e orientou a tomada de decisões dos donos do poder. Houve uma mudança de paradigma. O poder não mais poderia ser usado contra o povo, mas sim a favor do povo.

O grande insight das democracias constitucionais foi compreender que a tirania não deve orientar mais os governos. O poder de um não pode contra o poder de todos. Agora, a Constituição é o documento que norteia o poder estatal. Em outros termos, a tirania cedeu espaço para o exercício da cidadania.

Práticas como o lawfare e o agir estratégico do Direito são elementos que não apresentam compatibilidade com a teoria do Direito e com o próprio Direito. Também não combinam com a democracia e com a própria constituição, a qual a todo momento assegura em seus comandos a limitação do poder estatal.

O Direito foi forjado sob o signo da liberdade e da igualdade. O lawfare é uma arma de guerra criada com a finalidade de aniquilar inimigos e desafetos. Nossas práticas institucionais são marcadas pela obediência fiel às leis e aos princípios jurídicos.

A função do Direito é conter o arbítrio, e não o incentivar.

O lawfare pode ser inserido no acervo de predadores da nossa ordem jurídica. Esse estado de guerra provocado pelo ego de determinados indivíduos ou setores da sociedade gera grandes prejuízos para o nosso establishment. Se temos uma constituição dirigente e uma democracia legalista, temos também compromissos institucionais que vinculam a atuação dos agentes públicos.

O agir estratégico, conduta pautada no desvio de finalidade de agentes que, por obrigação legal devem preservar a aplicabilidade do Direito, deve ser substituído por um agir constitucional. As nossas cláusulas institucionais valem. A democracia tem o seu valor. Portanto, a preservação dessa institucionalidade deve ser levada adiante e deve contribuir de forma decisiva para o cultivo das nossas leis.

Precisamos levar a nossa democracia a sério. Nossa Carta Política de 88 foi um marco institucional para a defesa intransigente dos nossos direitos e garantias fundamentais. Ela possibilitou a nossa transição de uma ditadura para uma democracia. O lawfare é uma prática típica de regimes autoritários, sem preocupações com a proteção das liberdades públicas.

Não podemos admitir um Direito seletivo e uma democracia de ocasião. A igualdade deve ser material e não formal. As formas importam, mas o conteúdo deve se sobressair sobre elas. O lawfare como arma de guerra é um dispositivo de fragilização do Direito. Aquele vai na contramão dos ideais e das tradições desse. Explico. O Direito é orientado para a pacificação social, já o lawfare para a concretização da guerra.

Portanto, não nos resta outra alternativa senão apontar a democraticidade, o legalismo e um processo constitucional de aplicação da lei como diques de contenção para o uso do lawfare em nossa comunidade política. Vale lembrar que nossos direitos foram conquistados a duras penas e não podemos retroceder em nossa história jurídica institucional dando espaços para a usabilidade de instrumentos desse jaez.

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