Comportamento contraditório

Promotor que pediu absolvição pode apelar para condenar, mas deve justificar, diz STJ

Autor

22 de agosto de 2021, 8h28

A independência funcional e a atuação como fiscal da ordem jurídica autorizam ao Ministério Público, ainda que pelo mesmo promotor, a recomendar absolvição de réus em primeira instância e, depois, recorrer em apelação pela condenação dos mesmos. Para isso, deve justificar a mudança de entendimento ou o surgimento de novos fatos.

Fotos Públicas
Promotor sugeriu absolver PMs do RJ, depois apelou para condená-los no TJ-RJ
Fotos Públicas

Essa foi a conclusão alcançada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial ajuizado por policias militares absolvidos em primeiro grau da acusação de tráfico de drogas, porém condenados na apelação pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O caso conta com múltiplos réus, PMs que supostamente recebiam dinheiro de traficantes na prática conhecida como "arrego". Um deles recorreu ao STJ afirmando que foi absolvido por recomendação do membro do Ministério Público porque não foi reconhecido por nenhuma das colaboradoras que embasaram a ação. Assim, o parquet teve comportamento contraditório.

A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que eventual pedido de absolvição em alegações finais não impede o MP de recorrer contra a sentença absolutória. Apesar de o Ministério Público ser uno e indivisível, há a autonomia funcional de seus membros.

A particularidade no caso do policial militar é que o pedido de absolvição e o recurso contra a sentença absolutória foi feito pelo mesmo promotor.

Relator, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca explicou que, embora a situação possa revelar comportamento contraditório, o qual é vedado pelo ordenamento jurídico, a independência funcional bem como a atuação como fiscal da ordem jurídica autorizam, ainda que ao mesmo membro do MP, recorrer do pedido de absolvição.

Rafael Luz
Promotor pode mudar posição, desde que tenha justificativas, disse ministro Reynaldo
Rafael Luz

"Desde que justifique, motivadamente, a mudança de entendimento ou o surgimento de novos fatos", acrescentou.

Em primeiro grau, diante da multiplicidade de réus, a promotoria definiu que pediria a condenação de quem fosse reconhecido pessoalmente por ao menos uma das duas colaboradoras.

Assim, para um determinado grupo de PMs, recomendou a absolvição com base no fato de não terem sido citado ou reconhecidos por nenhuma delas.

Nas razões de apelação, no entanto, o MP pediu a reforma integral da sentença de primeiro grau, sem qualquer ressalva, o que abarcou a situação de todos os réus indistintamente.

"Nesse contexto, após uma análise cuidadosa dos autos, considerando que o mesmo membro do Ministério Público pugnou pela absolvição e interpôs o recurso de apelação, bem como em razão de não se ter justificado eventual alteração de entendimento com relação àqueles que não foram reconhecidos por ambas as delatoras, considero que o acórdão condenatório não deve alcançá-los, à míngua de pedido específico nesse sentido", concluiu o relator.

Para o ministro Reynaldo, embora se possa afirmar que esse grupo de PMs foram formalmente abrangidos pelo recurso de apelação, a leitura das alegações finais e das razões de apelação esclarece que não foram abrangidos materialmente. Ou seja, o Ministério Público não se insurgiu especificamente contra a absolvição deles.

AREsp 1.664.921

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!