Terras indígenas

Decisão sobre marco temporal pode afetar produtores rurais com desapropriações

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21 de agosto de 2021, 7h29

O Supremo Tribunal Federal deve retomar na próxima quarta-feira (25/8) o julgamento de um dos casos mais importantes que chegaram à Corte neste primeiro semestre. Trata-se da ação sobre demarcações de terras indígenas no qual está em discussão a tese do "marco temporal", segundo a qual os indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam na data da promulgação da Constituição de 1988.

O relator da matéria, ministro Edson Fachin, já divulgou seu voto e é contrário à demarcação do marco temporal. A posição do ministro, segundo especialistas consultados pela Conjur, poderá acarretar problemas para produtores rurais, que temem ser alvo de desapropriações.

A decisão do ministro Fachin, ao divulgar seu voto, levou a suspensão, em todo o Brasil, dos processos e recursos judiciais sobre a demarcação de terras indígenas. Com isso, as reintegrações de posse foram interrompidas.

Mário Vilela/Funai
Mário Vilela/Funai

Além disso, estudo recente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) avaliou o risco potencial econômico e social caso a tese de Fachin prevaleça. Segundo o levantamento, o impacto econômico nas regiões onde pode ocorrer expansão de terras indígenas demarcadas chega a R$ 1,95 bilhão, com a perda de mais de 9 mil empregos diretos e indiretos.

O outro ponto em discussão é se o reconhecimento de uma área como território indígena depende da conclusão de processo administrativo de demarcação. O julgamento foi interrompido no dia 11 de junho, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque.

Fachin, em seu voto, diz que "a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que (os indígenas) tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição) porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal".

O processo trata de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.

Voto de Fachin
Em um extenso voto, de mais de cem páginas, Fachin fixou a seguinte tese:

"Os direitos territoriais indígenas consistem em direito fundamental dos povos indígenas e se concretizam no direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sob os seguintes pressupostos:
– a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena
– a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;
– a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal;
– a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da configuração do renitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição.
– o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições;
– o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência;
– as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;
– as terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
– são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a posse, o domínio ou a ocupação das terras de ocupação tradicional indígena, ou a exploração das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes, não assistindo ao particular direito à indenização ou ação em face da União pela circunstância da caracterização da área como indígena, ressalvado o direito à indenização das benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé;
– há compatibilidade entre a ocupação tradicional das terras indígenas e a tutela constitucional ao meio ambiente."

Clique aqui para ler o voto do ministro Fachin
RE 1.017.365

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