O isolacionismo de 1930 e a queda de Cabul em 2021
21 de agosto de 2021, 12h46
Em 1934, foi publicado nos Estados Unidos o livro "Merchants of Death" (Mercadores da Morte), escrito a quatro mãos por dois talentosos autores: o jornalista Frank Cleary Hanighen e o escritor Helmuth Carol Engelbrecht, ambos norte-americanos.
A obra é um clássico e retrata uma época em que o país se encontrava dividido entre o envolvimento em questões internacionais e a prioridade dos assuntos domésticos, tema que ocupou largo espaço de tempo da administração do presidente Woodrow Wilson, que resistiu o quanto pode em participar da Primeira Guerra Mundial, sucumbindo em 1917 após pressão de Theodore Roosevelt, entre outros. O ingresso no conflito teve um preço: parte expressiva da sociedade estadunidense se sente traída com a quebra da neutralidade e cresce o clamor para que o país se "isole" dos conflitos europeus.
Nesse período (término da guerra e início dos anos 30), surge nos meios acadêmicos dos Estados Unidos a expressão "isolacionismo" para caracterizar a corrente política que prega distância de conflitos externos e prioridade para os assuntos domésticos. Certamente esse ambiente influenciou a publicação de "Merchants of Death".
A doutrina permaneceu no imaginário norte-americano, embora diminuída com as novas responsabilidades advindas da posição de incontestável liderança que o país conquistou a partir do término da Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria que seguiu, vale dizer, a disputa pela influência global entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética.
No discurso de posse, em 20 de janeiro de 2017, Donald Trump recupera o termo e lhe empresta nova roupagem: "America First". É evidente que em decorrência do papel que os Estados Unidos assumiram desde meados da década de 1940, Trump jamais conseguiria implementar um "isolacionismo" como o que era cobrado a Woodrow Wilson no amanhecer do século 20.
Mas ainda assim ele buscou praticá-lo, a exemplo das ameaças de deixar a Otan, da fixação em cortar custos com a presença militar externa na Coreia do Sul, na Alemanha e no Japão ou, ainda, quando flertou, em Milwaukee (Wisconsin), num programa de TV transmitido nacionalmente, com a possibilidade de Japão e Arábia Saudita terem arsenais nucleares.
É evidente que essas manifestações nem sempre se caracterizaram como uma política de governo, não raro se tratavam de simples arroubos eleitoreiros. Mas revelam a necessidade de agradar parte do eleitorado, que pensa assim, vale dizer, que os EUA deveriam se afastar de suas "obrigações" internacionais.
A "doutrina Trump", o America First, conduziu a que os EUA se retirassem da Síria, em outubro de 2019, para deleite do presidente turco Recep Erdogan. E conduziu à negociação direta com o Taleban para a retirada do Afeganistão, agendada por ele para maio deste ano. Joseph Biden toma posse e, num ato contestado por alguns de seus auxiliares, prossegue com o plano de deixar o Afeganistão, embora adiando de maio para setembro.
No último dia 15, o mundo assistiu entre incrédulo e preocupado a retomada do Afeganistão pelo Taleban. O caos na capital afegã fez com que muitos evocassem Saigon de 1975, esquecendo-se de que os EUA invadiram o Afeganistão em 2001 como resposta ao 11 de setembro, com apoio político da ONU e bélico da Otan. O objetivo era desbaratar a Al Qaeda e evitar que outro atentado como o perpetrado contra as Torres Gêmeas e o Pentágono se repetisse. Vinte anos depois é possível dizer que a missão, até aqui, foi cumprida e com sucesso. Por outro lado, a saída de Cabul foi um desastre do ponto de vista estratégico e de organização.
A história dirá se abrir mão da presença no Afeganistão foi uma medida acertada. De qualquer modo, a América de Woodrow Wilson, anterior a 1917, estava presente em Cabul de 2021.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!