Reflexões Trabalhistas

Covid-19 pode ser considerada doença do trabalho?

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

20 de agosto de 2021, 8h00

Questão interessante, que tem provocado divergências no meio jurídico trabalhista, diz respeito a saber se a Covid-19 pode ser considerada doença do trabalho.

O tema é complexo, mas muito importante para o mundo do trabalho nessa pandemia da Covid-19, que pegou todos de surpresa, cabendo registrar de início que nem as empresas nem os trabalhadores são responsáveis por essa pandemia. Todavia, sua eclosão vem provocando e vai provocar ainda muitas consequências, inclusive, nas relações de trabalho. Uma delas é sobre as responsabilidades das empresas por eventual contaminação dos trabalhadores e pelos danos que venham a ser causados a eles.

Neste breve artigo farei rápidas reflexões sobre a responsabilidade civil do empregador por eventuais danos decorrentes da Covid-19.

Então, existe alguma responsabilidade civil do empregador? Para responder a essa indagação é preciso saber, antes, se Covid-19 pode ser considerada doença do trabalho. Se sim, haverá responsabilidade do empregador; caso contrário, inexistirá responsabilidade do empregador.

Com o devido respeito, tem havido informações equivocadas a partir da decisão do STF na ADI 6.342, declarando a suspensão da eficácia do artigo 29 da Medida Provisória 927/2020.

A redação desse artigo 29 está assim vazada:

"Os casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal".

Na decisão do STF constou:

"A norma em questão, como se vê, excluiu, como regra, a contaminação pelo coronavírus da lista de doenças ocupacionais, transferindo o ônus da comprovação ao empregado, isto é, cabe ao trabalhador demonstrar que contraiu a doença durante o exercício laboral, denodando o caráter subjetivo da responsabilidade patronal".

O problema é que a previsão legal do artigo 29 veio de encontro à recente julgado do STF no RE 828.040, de 19/3/2020, em relação à responsabilidade objetiva do empregador em alguns casos. Nesse julgamento, sob o regime de repercussão geral, a corte fixou a seguinte tese jurídica:

"O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade".

Prossegue a decisão do STF:

"Assim, o texto do artigo 29 da MP 927/2020, ao praticamente excluir a contaminação por coronavírus como doença ocupacional, tendo em vista que transfere aos trabalhadores o ônus de comprovação, destoa, em uma primeira análise, de preceitos constitucionais que asseguram direitos contra acidentes de trabalho (artigo 7º, XXVIII, da CF)".

A norma do artigo 29 da MP 927, portanto, não se mostrou razoável, de forma que entendeu o STF que estavam presentes os elementos necessários para a concessão de medida liminar para suspender sua eficácia, como o fez.

O que se vê de forma simples e clara (ao contrário de certas confusões que alguns têm feito, data venia) é que o STF, ao suspender a eficácia do mencionado artigo 29 da MP 927, não disse que Covid-19 é doença do trabalho. Também não disse que não é, exatamente porque deve ser analisado cada caso concreto, com as suas peculiaridades, como nas demais doenças supostamente decorrentes do trabalho.

Assim, deve ser analisado em cada situação se a atividade da vitima é de risco ou não. Devem ser analisados o nexo causal e o nexo concausal.

Para auxiliar o julgador na sua decisão será muito importante e necessária a realização de boa pericia técnica sobre o ambiente e condições de trabalho da vítima, para saber se a empresa cumpriu ou não a sua parte, qual seja, a adoção de medidas coletivas e individuais de prevenção e precaução para evitar a contaminação pelo novo coronavírus.

Para reflexão a partir da decisão do STF, cabe exemplificar (e apenas exemplificar) as situações que envolvam trabalhadores do setor da saúde, que atuam na linha de frente, no tratamento das vítimas da Covid-19 e trabalhadores que atuam em outras atividades normais. Na primeira situação a atividade é de risco; na segunda, não. Na primeira presume-se o nexo causal; na segunda não. Mas numa como noutra situação caberá examinar o caso levando em conta todos os elementos probantes, suas peculiaridades e se o empregador cumpriu ou não sua obrigação no tocante à prevenção e precaução em relação aos riscos de contaminação pelo novo coronavírus.

É isso, salvo melhor juízo, para se prosseguir discutindo e refletindo a respeito de tema tão caro e com tamanha repercussão nas relações de trabalho.

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.

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