Opinião

Sociedade anônima do futebol pode dar segurança jurídica a clubes e investidores

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20 de agosto de 2021, 12h08

O futebol, trazido ao Brasil por Charles Miller, sendo esse considerado por muitos como sendo o pai do futebol brasileiro, possui um longo caminho que vai muito além do esporte. Sabemos que o futebol traz consigo aspectos políticos, financeiros, jurídicos, sociais e educacionais que vão muito além da bola em campo.

Em 1993, o então presidente Itamar Franco implementou a Lei nº 8.672, de 6 de julho daquele ano (Lei Zico). A Lei Zico instituiu normas gerais sobre o esporte, incluindo o futebol, rompendo a visão que se tinha sobre o tema até então. A lei foi muito importante por haver reconhecido as práticas formais e informais do esporte brasileiro, além de ter reduzido a interferência estatal no esporte na época.

Em 1998, a Lei Zico foi revogada pela Lei nº 9.615, de 24 de março daquele ano (Lei Pelé) [1], que seguiu as principais diretrizes da lei anterior e trouxe uma maior profissionalização e proteção ao atleta brasileiro no geral.

Apesar de todas as mudanças trazidas pela Lei Zico e pela Lei Pelé, com o intuito de mitigar riscos ao esporte e ao esportista, a grande maioria dos clubes futebolísticos no Brasil atualmente apresenta dívidas estratosféricas, estima-se algo em torno de R$ 11 bilhões.

O ponto-chave para que se entenda o atual cenário é compreendermos a existência do viés político, ainda presente na gestão e administração dos clubes, com dirigentes que fazem investimentos muito acima da capacidade financeira das instituições, decorrentes de um modelo inadequado de condução de processos internos, se observados com a ótica de toda a profissionalização e complexidade que o mercado de futebol brasileiro adquiriu ao longo dos anos.

A má gestão dos dirigentes dos clubes de futebol está cada vez mais em voga, haja visto que recentemente foi sancionada a Lei nº 14.073, de 14 outubro de 2020 [2], que trouxe importantes mudanças à Lei Pelé para inibir e punir a má gestão do futebol brasileiro. Entre diversas alterações, vale destacar o artigo 18-B, §2º, que prevê a responsabilização ilimitada e solidária dos dirigentes por todo e qualquer ato ilícito praticado.

Fato é que, apesar de todas as mudanças trazidas pela legislação com o intuito de profissionalização do futebol, a saúde financeira dos clubes em geral continua péssima e a pandemia da Covid-19 agravou mais ainda essa situação. No Brasil, a CBF estima perdas de até R$ 4 bilhões em 2021.

A fim de mitigar a crise financeira dos clubes de futebol no Brasil, o atual presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, apresentou o Projeto de Lei 5.516 de 2019 [3], que prevê a criação da denominada sociedade anônima do futebol (SAF), tendo como principal mudança a transformação das atuais associações desportivas de futebol em sociedades empresárias.

Dessa forma, a expectativa é que exista uma maior segurança jurídica aos envolvidos, seja o próprio clube e/ou investidores, sendo vista como um instrumento de legitimação jurídica, principalmente por abordar aspectos de governança, transparência, controle e, principalmente, a correlação com a própria Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976), sendo esta última vista como porto seguro para o mercado, seja pelo aspecto jurídico e/ou até mesmo econômico.

Para facilitar a criação da SAF, está previsto no artigo 2º, inciso I, do PL que basta a transformação do clube ou pessoa jurídica original em sociedade anônima do futebol. Ainda está previsto que o(s) acionista(s) controlador(es) não pode(m) deter participação direta ou indireta em outra SAF, gerando maior conforto aos demais acionistas do clube e a eventuais futuros investidores.

A fim de garantir uma maior governança corporativa, ao contrário das sociedades anônimas tradicionais, em que a criação do conselho de administração e do conselho fiscal são facultativos, na SAF ambos os institutos são obrigatórios e permanentes, conforme previsto no artigo 5º do PL. Entendemos que essa obrigatoriedade foi criada com o intuito de criar uma gestão sólida, visando à proteção do acionista minoritário e, por consequência, tornando o clube mais atrativo ao investidor externo.

Uma das mudanças mais interessante trazidas pelo PL é a possibilidade da captação de recursos através da emissão de debêntures [4], denominadas de "debêntures-fut", segundo o artigo 26 do PL, que se aproximam às conhecidas debêntures de infraestrutura. Vale ressaltar que os incisos I e II do artigo 26 do PL preveem, respectivamente, que o índice da taxa de juros não pode ser inferior ao rendimento anualizado da caderneta de poupança e, o mais interessante, a vedação da recompra das "debêntures-fut" pela SAF.

Ademais, vale ressaltar, considerando que o futebol brasileiro sempre foi subsidiado pelo Estado, a importante criação do regime de tributação específica do futebol (TEF), conforme previsto no artigo 31, caput, do PL. Os clubes terão direito ao pagamento mensal e unificado de todos os tributos referidos no §1º do artigo 31 (principais tributos, como Imposto de Renda, pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço etc.), à alíquota de apenas 5% das receitas mensais recebidas, conforme previsto no artigo 32 do PL, tornando, assim, a criação da SAF ainda mais atrativa.

Sob a ótica social, os artigos 28, 29 e 30 do PL tratam do Programa de Desenvolvimento Educacional e Social, podendo ser interpretado, desde já, como uma importante preocupação com o aspecto de ESG, de modo que objetiva o incentivo às crianças das escolas públicas e ex-jogadores no mercado de trabalho.

No dia 10 de julho, o Senado Federal aprovou o PL e, em 14 de julho, o mesmo ocorreu na Câmara dos Deputados. Recentemente, o texto foi sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

De forma geral, além de contribuir de forma essencial para a recuperação dos clubes de futebol, se espera que a criação da SAF possa gerar a captação de diversos investimentos e contribua para a geração de empregos no setor futebolístico do país.

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