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Juíza nega direito ao silêncio parcial e encerra a audiência aos gritos

19 de agosto de 2021, 17h34

Por Rafa Santos

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Após o advogado afirmar que o réu só iria responder às perguntas feitas pela defesa, a juíza Emanuella Cristina Pereira Fernandes, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Natal, levantou a voz, bateu na mesa e encerrou a sessão.

O registro da cena está circulando em grupos de advogados. O imbróglio ocorreu durante uma audiência de instrução. No vídeo, a julgadora afirma que não irá permitir que o réu responda apenas às perguntas de seu advogado. Este disse então calmamente que os tribunais superiores admitem o silêncio parcial, mas ela negou o pedido do defensor de formular um requerimento.

"Ou ele [réu] exerce o direito ao silêncio por completo ou ele não vai responder. Não é uma opinião. Eu sou a juíza", esbravejou, batendo violentamente na mesa e ordenando que a gravação fosse interrompida e a audiência, encerrada.

O advogado Carlos Firmino, que defendeu o direito de seu cliente ao silêncio parcial, pediu o termo da audiência e a gravação. "No documento a juíza fala que eu gritei. Que eu me alterei e fui mal-educado. Mas o vídeo mostra o contrário", disse ele à ConJur.

O advogado procurou a seccional local da OAB e a Abracrim, que se prontificou a levar o caso adiante. "Também houve a pronta intervenção da Comissão de Prerrogativas da OAB do Rio Grande do Norte", afirma. O defensor diz que não conhecia a juíza e que essa foi a sua primeira audiência na Comarca de Natal.

Ata da audiência
No termo de audiência de instrução, a juíza apresenta narrativa diversa: diz que, após indeferir a possibilidade de direito ao silêncio parcial por parte do réu, o advogado se exaltou, "afirmando que a MM Juíza estava contrariando decisões de Tribunais superiores". Também relata que tentou dar continuidade ao interrogatório, "mas o referido advogado não permitiu mais que a mesma seguisse adiante na condução da audiência, uma vez que falava cada vez mais alto, impedindo a continuidade do ato". Assim 
— prossegue a ata —, a juíza deu por encerrada a audiência.

Decisão do STJ
Em dezembro de 2020, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o interrogatório é um ato de defesa e, por isso, o réu pode ficar em silêncio e responder apenas às perguntas formuladas por seu defensor. O entendimento foi definido no julgamento do HC 628.224, de relatoria do ministro Félix Fischer
.

"O réu pode exercer sua autodefesa de forma livre, não havendo razões para se indeferir liminarmente que se manifeste sob a condução das perguntas de seu patrono. Isso porque o interrogatório possui duas partes, e não apenas a identificação do acusado, quando o direito ao silêncio pode ser mitigado. Em outras palavras, quanto ao mérito, a autodefesa se exerce de modo livre, desimpedido e voluntário", diz trecho da decisão.

No caso concreto julgado pelo STJ, o paciente afirmou que responderia apenas ao advogado. O MP, no entanto, contestou, dizendo que isso seria o equivalente a fazer o uso parcial do direito ao silêncio. O juiz do caso concordou.

A defesa do réu entrou com um Habeas Corpus no STJ afirmando que o cliente não fez uso de seu direito de palavra. Fischer não conheceu do HC, mas determinou, de ofício, que uma nova audiência de instrução fosse feita, na qual o paciente poderia escolher quais perguntas responder.

Procedimento disciplinar
A OAB-RN, por meio de sua presidência, da Comissão de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia e da Comissão da Advocacia Criminal, enviou ofício nesta quinta-feira ao corregedor geral do TJ-RN para requerer, diante da "gravidade da situação", a instauração de procedimento disciplinar para apurar a conduta da juíza. Segundo a entidade, há indícios da prática de crime de abuso de autoridade.

Texto alterado às 17h49 de 19/8/21, para acréscimo de informações.