Quanto pior, melhor

Resolução da ABA critica o sistema "perverso" de prisões privadas nos EUA

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19 de agosto de 2021, 8h47

No Encontro anual da American Bar Association (ABA) de 2021, a Câmara de Delegados da instituição passou uma resolução que pede a extinção das prisões privadas nos EUA. A resolução declara que o sistema é um "experimento falido", que se mantém a custas de “incentivos perversos e imorais”.

Hédi Benyounes/Unplash
Hédi Benyounes/Unplash

A Resolução 507, copatrocinada pela Criminal Justice Section, National Bar Association e pela Section of Civil Rights and Social Justice, se refere a cadeias e prisões que detêm réus antes e depois do julgamento, bem como a centros de detenção de crianças e adolescentes. Foi aprovada por 273 votos a 33.

O sistema é "perverso e imoral", segundo a resolução, porque o sucesso das empresas de prisões privadas depende do fracasso do sistema de justiça criminal: quanto mais crimes acontecerem, quanto mais réus forem encarcerados e quanto maior foi a reincidência, maiores serão os lucros dessas empresas, diz o relatório da resolução.

Por isso, as prisões privadas evitam tocar programas destinados a reduzir o índice de reincidência de prisioneiros libertados, bem como programas educacionais ou de formação profissional, que ajudariam os ex-prisioneiros a encontrar uma vida produtiva na sociedade, em vez de voltar para a prisão, segundo o relatório.

Essas empresas investem milhões de dólares em campanhas eleitorais de políticos estaduais e em lobby, em um esforço para endurecer as leis criminais, aumentando as penas de prisão, estabelecendo tempo mínimo obrigatório para mais crimes, criando mais crimes que requerem encarceramento, implementando leis como "three-strikes, you’re out" (três delitos e você está fora da sociedade para sempre), criminalizando a permanência de imigrantes ilegais no país e promovendo ativamente a detenção de estudantes que cometem quaisquer tipos de delito nas escolas.

O lobby também trabalha contra a descriminalização do que for (como a do consumo de maconha). E tenta convencer as autoridades dos governos e dos legislativos estaduais a privatizar todos os presídios, prometendo que podem ser mais eficientes e menos dispendiosas. No entanto, estudos têm revelado que a realidade é outra: "elas não fazem sentido nem moralmente, nem economicamente", diz o relatório.

Para garantir os lucros e maximizar os pagamentos a seus acionistas e executivos, as prisões privadas fazem o que podem para reduzir seus custos. Por exemplo, pagam a seus carcereiros menos do que o governo paga a seus colegas das prisões públicas — e têm menos carcereiros. Têm reduzido drasticamente a qualidade das refeições e a segurança dos prisioneiros, além de submetê-los a uma espécie de trabalho escravo para cumprir contratos de serviço com outras organizações.

Algumas prisões privadas fecham contratos com governos estaduais e municipais que obrigam as autoridades a manter a capacidade de ocupação de seus presídios em 100% ou em pelo menos 90%, durante todo o tempo — um sonho de qualquer hotel. No sistema de encarceramento por lucro, quanto mais prisioneiros o estabelecimento tiver e quanto mais longo for o tempo de prisão, mais dinheiro ganham os executivos e acionistas das empresas, diz o relatório.

Essas empresas investem, também pesadamente, em campanhas eleitorais de juízes, para que apliquem penas mais longas a réus condenados. Isso tem resultado em escândalos de corrupção. Em um caso apelidado de "Kids for cash", dois juízes da Pensilvânia receberam US$ 2,6 milhões depois de sentenciar adolescentes a um tempo de prisão duas vezes superior às diretrizes do estado.

Em Iowa, o marido de uma juíza federal comprou um grande volume de ações de duas prisões privadas, depois de saber, com cinco dias de antecedência, que sua mulher autorizou uma batida policial que resultou na prisão de quase 400 imigrantes ilegais, a maioria dos quais foi sentenciada a pelo menos cinco meses de prisão.

Em Mississipi, um diretor de penitenciária (que foi demitido) aceitou subornos de mais de US$ 1 milhão, em troca de contratos lucrativos com prisões privadas. "É verdade que a corrupção ocorre em estabelecimentos prisionais, mas o incentivo ao lucro maximiza essas oportunidades", diz o relatório.

Em um e-mail ao Jornal da ABA, antes da divulgação da resolução, a porta-voz da Day 1 Allicance (entidade que representa três das grandes empresas de prisão privada), Alexandra Wilkes, disse que a resolução é "politicamente motivada" e "mal informada".

"Se os patrocinadores dessa resolução proposta tivessem alguma ideia do que estão falando, eles saberiam que as empresas do setor privado fazem parte da solução de alguns dos maiores desafios que o sistema de justiça criminal do país enfrenta, porque ajudam a aliviar as condições de superlotação das prisões operadas pelos governos, oferecem programas de redução de reincidência e ajudam cidadãos a retornar a suas comunidades".

A resolução da ABA é um grande apoio ao presidente Joe Biden, que assinou um decreto em 26 de janeiro, em que proíbe o Departamento de Justiça (DoJ) de renovar contratos com as prisões privadas que atuam no sistema carcerário federal. O DoJ já havia divulgado um parecer em 2016, no qual declarou que as prisões privadas não oferecem os mesmos níveis de segurança e de condições de vida aos prisioneiros, em relação aos oferecidos pelo sistema de justiça criminal federal.

Em nível estadual, o assunto é mais complexo, porque a extinção das prisões privadas depende da vontade dos políticos locais de resistir ao lobby em seu território e à intenção deles, pouco provável, de recusar as generosas contribuições a suas campanhas eleitorais.

Links para resolução proposta e relatório e resolução final da ABA: Proposed Resolution and Report e Final Resolution

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