Marco Civil da Internet

STJ julga se lei anti-revenge porn serve para caso de ensaio em revista vazado

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18 de agosto de 2021, 9h29

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar, na terça-feira (17/8), se a norma do Marco Civil da Internet que confere proteção às vítimas da chamada pornografia de vingança (revenge porn) pode ser aplicada para a situação da modelo que produz ensaio sensual para uma revista, mas tem as fotos vazadas e publicadas sem a sua autorização em blogs.

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Ensaio sensual para revista foi publicado por blogs sem autorização da modelo
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O caso trata de uma modelo fotográfica que posou nua para a Revista Sexy. O ensaio foi publicado em janeiro de 2017 e estava acessível para pessoas maiores de 18 anos mediante pagamento prévio. A publicação dessas fotos em blogs não foi autorizada e ampliou sensivelmente o alcance delas.

A modelo usou a plataforma do Google de denúncia de violação de direitos autorais, mas as páginas que hospedavam as imagens continuaram disponíveis. O conteúdo só foi derrubado após notificação judicial. Sem resistência, a empresa de tecnologia afirmou ter removido 380 URLs.

Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Google deve ser responsabilizado pelo conteúdo porque, com base no artigo 21 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), deixou de promover a indisponibilização das imagens de nudez da modelo mesmo após o recebimento de notificação.

Trata-se da norma que visa evitar a chamada pornografia de vingança, invariavelmente cometida por ex-parceiros. O artigo 21 diz que os provedores de aplicações de internet só respondem por imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado se, ao serem avisados extrajudicialmente, não as removerem de forma diligente e nos limites técnicos de seu serviço.

Para o Google, essa não é a hipótese da modelo que posou nua para ensaio fotográfico publicado em revista. A empresa defendeu que o artigo 21 destina-se a quem usa de má-fé para vazar imagens íntimas de caráter privado, que não existem na hipótese julgada.

Por isso, aplica-se o artigo 19 do mesmo Marco Civil da Internet, que de forma mais geral apenas responsabiliza civilmente provedores como o Google por conteúdo de terceiros quando deixa de remove-los após ordem judicial específica.

Até agora, o caso só teve dois votos na 3ª Turma. Relatora, a ministra Nancy Andrighi negou provimento ao recurso especial do Google e manteve a decisão do TJ-SP. O ministro Marco Aurélio Bellizze divergiu e deu provimento para afastar a responsabilização da empresa. Pediu vista o ministro Moura Ribeiro.

Gustavo Lima/STJ
Para ministra Nancy Andrighi, Google deveria ter derrubado URLs quando recebeu a notificação extrajudicial da modelo
Gustavo Lima/STJ

Cabe o artigo 21
Para a ministra Nancy Andrighi, a modelo tem razão ao apontar a responsabilização civil do Google. Ela defendeu no voto que fato de uma pessoa ter consentido em ser fotografada por quem quer que seja é insuficiente para tornar público o conteúdo, que é inegavelmente sensível.

Isso porque a modelo não autorizou a exposição pública indiscriminada das imagens sensuais. Embora tenha consentido o ensaio, a publicação das fotos em blogs caracteriza como pornografia não consentida e viola os direitos à imagem, à privacidade e à intimidade.

Por isso, se o Google não atendeu ao pedido de exclusão das URLs formulado na notificação extrajudicial encaminhada, é responsável pelos danos suportados pela modelo.

"O artigo 21 do marco civil não tem a sua aplicação restrita a situações de pornografia de vingança, mas alcança também hipótese de divulgação de foto de nudez tiradas com consentimento da vítima para publicação de determinada revista de acesso restrito, mas veiculadas em outros sites da internet sem sua autorização", concluiu a relatora.

Lucas Pricken/STJ
Segundo ministro Marco Aurélio Bellizze, Google só precisaria derrubar URLs após decisão judicial específica sobre o caso
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Cabe o artigo 19
Abriu a divergência o ministro Marco Aurélio Bellizze, para quem não se aplica o artigo 21 do Marco Civil da Internet porque imagens de nudez produzidas com o lícito propósito de lucro e direcionadas a público especifico mediante pagamento pelo acesso das mesmas não podem ser definidas como de caráter privado.

"Imagens de nudez produzidas com o lícito proposito de lucros e direcionadas a público especifico mediante pagamento pelo acesso não podem ser caracterizadas como de caráter privado. Do contrário, o dispositivo legal não precisaria fazer menção, em seu teor, à expressão 'caráter privado'", afirmou, no voto divergente.

Segundo o ministro Bellizze, o objeto do processo não é a proteção do direito personalíssimo da modelo, mas o ressarcimento pelos prejuízos causados pela exploração de imagens licenciadas. Esse direito existe, mas a responsabilidade não é do Google, que inclusive forneceu a identificação dos usuários que compartilharam as fotos ilegalmente.

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Constitucionalidade da responsabilização do aplicações de internet como o Google pelo conteúdo de terceiros será julgada pelo STF

Constitucionalidade contestada
Ao se manifestar, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva não adiantou voto (embora conste, no andamento processual, que acompanhou a relatora), mas indicou que tende a seguir a posição da relatora segundo a qual a aplicação do artigo 21 do Marco Civil da Internet é cabível para esses usos não consentidos de imagem de caráter íntimo, ainda que captação tenha sido feita com consentimento e com intuito comercial.

Ainda assim, relembrou que o tema não apenas é relevante como está em discussão no Supremo Tribunal Federal, que deve julgar dois que questionam o artigo 19 da norma. O objetivo é definir a constitucionalidade da responsabilização de provedores de aplicações de internet por conteúdo produzido por terceiros, exatamente como no caso julgado pela 3ª Turma.

Antes de pautar os Recursos Extraordinários 1.057.258 e 1.037.396, o STF decidiu fazer audiência pública sobre o tema, que estava inicialmente marcada para março de 2020, mas precisou ser suspensa por conta da epidemia. Para o colunista da ConJur, Lenio Streck, o artigo 19 do Marco Civil é constitucional e não viola quaisquer direitos fundamentais.

REsp 1.930.256

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