Opinião

Limitações do Executivo: não é possível indicar e atacar ministros do Supremo

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17 de agosto de 2021, 20h34

A ameaça do presidente da República de acionar o Senado Federal para julgar a conduta de dois ministros do Supremo Tribunal Federal se parece, pelo menos à maneira brasileira, com as investidas do presidente norte-americano Franklin. D. Roosevelt contra a Suprema Corte dos EUA  que, sistematicamente, invalidou inúmeras políticas do chamado New Deal.

A composição do STF, justamente em razão da necessidade de se proteger o Judiciário dos assédios oriundos especialmente de setores do Legislativo e do Executivo, passa por complexa regulamentação, advinda diretamente da Constituição. Por exemplo, é no texto constitucional que se prevê a quantidade de 11 membros, bem como a idade mínima e a qualificação técnica do magistrado — que, além de ser indicado pelo presidente da República, deve passar também pelo crivo do Senado.

Tudo isso sem se falar das prerrogativas inerentes dos juízes, como a vitaliciedade  que, no caso do Supremo, somente por decisão do Senado poderá ser perdida. O sistema de Justiça recebe importante proteção constitucional a fim de permitir que a jurisdição seja prestada de modo imparcial e sem influências escusas.

Franklin. D. Roosevelt contava, na época, com forte apoio popular e o próprio Legislativo  e já era considerado uma importante figura da democracia norte-americana. Devido à resistência que encontrou na Suprema Corte, o então presidente propôs lei que modificaria a composição do tribunal, de modo a conseguir driblar os obstáculos impostos.

Ocorre que a tática do Executivo, que agora parece se repetir no Brasil, altera gravemente a estrutura do Poder Judiciário, e, por isso mesmo, Roosevelt não encontrou apoio em seu próprio partido  o que levou a uma insólita coalizão do Legislativo em favor do Judiciário.

A situação se assemelha à do Brasil atual, pois, ao afirmar que irá pedir que o Senado julgue dois ministros, o atual mandatário do Brasil, ao fim e ao cabo, pretende modificar a composição do Judiciário, haja vista que caberá ao presidente da República indicar os sucessores dos magistrados.

A semelhança, no entanto, para por aí. De resto, não se compara a estatura de estadista de Roosevelt com a política exercida por Jair Bolsonaro. Ademais, o governante estadunidense buscou mudar a composição da corte por meio de lei, enquanto o presidente do Brasil pratica o contempt of court, que se configura em ações direcionadas para desacatar o Supremo Tribunal Federal.

Por essa razão, o exemplo norte-americano pode servir como um guia, pois, na mesma medida em que o Congresso daquele país se uniu em torno do Judiciário, o Senado brasileiro, que agora analisa a nomeação de um magistrado para o STF, pode  e tem o dever institucional de  sobrestar a análise até a deliberação final do pedido do presidente da República.

Ora, como apreciar o nome de um magistrado para a Suprema Corte se a autoridade que o indicou pede a condenação por crime de responsabilidade de dois de seus membros? Transparece, a toda evidência, o interesse do Executivo em modificar, por meio de contempt of court, a composição do STF que, episodicamente, não o está agradando.

A verdade é que o pedido de responsabilização de ministros do Supremo torna incompatível a competência privativa do presidente da República, prevista no artigo 84, inciso XIV, da Constituição da República. Não pode a autoridade que indica e nomeia simultaneamente pedir o impeachment dos ministros do Supremo.

Fosse possível tal prática, o chefe do Executivo com ampla maioria no Legislativo e elevado apoio popular poderia mudar as regras do jogo e recompor a Suprema Corte conforme o seu próprio interesse. A democracia não só rejeita tal tática como também cria os mecanismos suficientes para proteger o poder ofendido  que, no caso, é o Judiciário.

Assim, o processo de nomeação do ministro a suceder Marco Aurélio Mello deve ser paralisado no Senado até que a crise instalada seja solucionada.

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