Sensibilidades morais

Tribunal dos EUA afirma que igualdade de direitos tem exceções

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15 de agosto de 2021, 7h25

Todos são iguais perante a lei — exceto a mulher que queira propiciar a seus mamilos os benefícios da luz solar em uma praia de Ocean City, em Maryland (EUA), assim como fazem os homens. Uma lei municipal proíbe topless somente para mulheres. E o Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região decidiu que a lei não viola a cláusula de proteção à igualdade. Isto é, há exceções à regra constitucional.

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Praia de Ocean City, em Maryland (EUA)
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O princípio da igualdade (entre os sexos, no caso) foi a base da defesa de uma mulher local, que foi processada por não usar a parte superior do biquíni em uma praia da cidade. No tribunal de recursos, a defesa alegou que a lei municipal "viola a cláusula de proteção à igualdade da Constituição dos EUA porque aos homens é permitido ir à praia com os peitos desnudos".

Em sua decisão, o tribunal concluiu que a lei se sustenta "no interesse do governo de proteger as sensibilidades morais" da população. E se referiu a uma decisão de 1991 da corte (U.S. v. Biocic), um caso que envolveu uma mulher que removeu a parte superior do biquíni em uma caminhada pela natureza num refúgio de animais e plantas selvagens. Nessa decisão, o tribunal escreveu:

"O importante interesse do governo é o largamente reconhecido de [que é necessário] proteger as sensibilidades morais de um segmento substancial da sociedade, que ainda não quer ser exposto, contra a própria vontade, a exibições públicas de várias porções das anatomias de seus cidadãos."

Na atual decisão, o juiz federal Marvin Quattlebaum, conservador nomeado pelo ex-presidente Donald Trump, escreveu que a pretensão das mulheres "deve ser submetida a um nível mais elevado de análise do que outros casos de discriminação baseada em gênero, por causa do importante interesse governamental que a lei municipal serve".

"Na verdade, atitudes públicas sobre gênero e sexualidade mudam e evoluem constantemente. Mas nosso precedente não mudou. Um colegiado de três juízes não pode reformar o precedente que não foi derrubado pela Suprema Corte dos EUA."

Em voto concordante, o presidente do tribunal, juiz Roger Gregory, escreveu que ficava com o precedente, mas considerava a decisão inconsistente com os princípios de proteção à igualdade:

"Leis que discriminam entre o topless masculino e feminino incorporam estereótipos problemáticos, ao impor controle sobre os corpos das mulheres, mas não os dos homens. Ao tratar os seios das mulheres (mas não os peitos dos homens) como proibidos aos olhos públicos, essas leis reduzem os corpos das mulheres a objetos para contemplação pública, reproduz a crença da era vitoriana de que mulheres existem para serem vistas, não para serem ouvidas, e reforçam os estereótipos que tornam a mulher objetos sexuais, em vez de pessoas por suas próprias qualidades".

Há decisões conflitantes entre os tribunais federais de recursos. Em fevereiro de 2019, por exemplo, o Tribunal Federal de Recursos da 10 Região, em Denver, Colorado, decidiu que uma lei municipal de Fort Collins é "provavelmente inconstitucional", porque viola a cláusula de proteção à igualdade. A lei proibia a exposição pública de mamilos e auréolas das mulheres, exceto de meninas com menos de 10 anos e de mães que precisarem alimentar seus filhos em lugares públicos.

A ação foi movida pela organização "Free the Nipple" (Liberte os Mamilos). No ano passado, a Suprema Corte se recusou a julgar uma ação semelhante, movida em New Hampshire. Mas o caso de Ocean City poderá chegar à Suprema Corte brevemente, segundo a jornalista Kathryn Campbell do Minnesota Law Review.

"Os Estados Unidos têm visões arcaicas, centradas no machismo, sobre a nudez feminina. Enquanto algumas cortes adotem abordagens progressistas sobre essas leis antiquadas, muitas continuam enraizadas na crença de que tais leis são fundamentais para proteger a sociedade", ela escreveu, segundo o Courthouse News Service e o Jornal da ABA (American Bar Association).

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