Opinião

Killer acquisitions e intervenção antitruste no mercado das startups

Autores

  • Clayton Iurkiv

    é graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná membro do Grupo de Estudos em Direito Concorrencial da Universidade Federal do Paraná e colaborador jurídico no setor de Compliance da MadeiraMadeira Comércio Eletrônico S/A.

  • Mariana de La Cruz Faxina

    é formada em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) pós-graduanda em Direito Empresarial pela FGV e analista societária na Contabilizei Ltda.

14 de agosto de 2021, 11h12

Com o aumento cada vez mais acelerado de empresas de inovação disruptiva no Brasil [1], novos desafios surgem para o Direito da Concorrência (antitruste), principalmente no que diz respeito ao mercado das startups. Um dos temas que começaram a ganhar relevância nesse meio foram as killer acquisitions, modalidade empresarial de aquisição em que grandes empresas adquirem de forma intencional pequenas empresas altamente tecnológicas com o intuito de evitar possível concorrência futura, barrando, assim, seus processos de inovação ao adquirir sua expertise e know-how, representando desafios para o cenário de inovação em um mercado concorrencial.

O termo killer acquisitions, cuja tradução literal é "aquisições matadoras", adveio dos Estados Unidos, onde o tema já é amplamente debatido, principalmente no cenário das empresas farmacêuticas. Nesse ramo, o Direito Antitruste começou a estudar ações de empresas da indústria, já com alto poder de mercado em razão da fraca concorrência ou expiração distante de patentes, que compravam ininterruptamente empresas pequenas em ascensão [2].

Sob esse pano de fundo, no Brasil o desafio principal acerca da temática está na conciliação entre a defesa da concorrência e o incentivo à inovação, principalmente quando aplicados ao cenário das startups. Com o crescimento tecnológico, a indústria vem sendo transformada em um ritmo nunca visto antes, promovendo inovações no mercado industrial, como o surgimento das startups e outras empresas disruptivas. Nesse cenário as aquisições de tais empresas por outras já estabelecidas e com poder de mercado trazem a interrupção de possíveis futuros concorrentes.

Com o avanço da tecnologia, o início do século 21 foi marcado pela criação de ativos valiosos na indústria; com esse avanço, surgiram importantes questões jurídicas a serem debatidas nesse novo cenário. Vale destacar a evolução das startups no mercado digital, ligadas à informação, dados e banco de dados, que antes não eram bem explorados, já que não eram muito relevantes no mercado tradicional.

Nesste sentido, a transformação proporcionada pelos ecossistemas digitais insere-se em uma realidade dinâmica, que merece ser bem compreendida pelos agentes econômicos e reguladores. No meio antitruste, "ecossistemas digitais" são utilizados, sobretudo, para definir mercados complexos, dinâmicos e interligados entre si.

Essas inovações tecnológicas podem provocar grandes mudanças no curso normal da evolução industrial, vez que historicamente a pressão competitiva se mostrou eficiente em acelerar esses avanços, alterando de forma significativa a dinâmica do mercado, bem como servir de meio para a criação e desenvolvimento de novas formas de negócio mais eficientes para indústrias estabelecidas. Desse modo, é natural que o número e relevância de casos que envolvam as plataformas digitais cresçam no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), tanto em relação ao controle de conduta quanto ao controle de estruturas.

No meio das novas tecnologias, várias empresas surgem com a capacidade de coletar dados. Mesmo sendo pequenas, por vezes se sobressaem e ocupam uma posição relevante no mercado, muito em decorrência de sua própria eficiência em inovação, surgindo novos players de destaque no mercado digital. Assim, nesse meio, é comum que uma empresa pequena se torne mais relevante que empresas grandes e consolidadas do mercado, o que gera um grande incômodo para essas empresas tradicionais.

Desse descontentamento do mercado já consolidado, uma nova onda de killer acquisitions começa a surgir a partir de big techs como Google, Apple, Amazon e Facebook  grupo conhecido como big four da tecnologia , que, para aumentarem sua concentração no mercado de dados, iniciaram a aquisição de pequenas empresas que se destacam no mercado. Como grande exemplo disso, temos a compra do Instagram pelo Facebook [4], em 2012, por U$ 1 bilhão, o dobro do valor de mercado avaliado à época.

Em decorrência desse tipo de aquisição no novo mercado, a Corte de Deputados dos EUA recomendou às autoridades antitrustes que o big four da tecnologia não deve controlar e competir em negócios relacionados. A partir dessa recomendação, surgiu uma nova discussão acerca de como regulamentar o mercado de dados e startups para que não haja concentração, tampouco dominância nesses nichos. O Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) iniciou o primeiro processo antitruste contra o Facebook de violações concorrenciais para a dominação do mercado digital. No mesmo sentido, a Google já responde a processos semelhantes do DoJ, todos voltados a condutas de abuso de poder dominante [5].

No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) lançou no final de 2020 o "BRICS in the Digital Economy: Competition Policy in Practice" [6]. Esse relatório apresenta a noção geral de como está funcionando a política de concorrência nos países pertencentes ao BRICS com relação aos mercados digitais, apresentando também a questão específica de aquisição de startups do mercado por empresas já consolidadas, o que sugere a relevância acerca da temática.

Em âmbito internacional, podemos citar a "Council Regulation (EC) No 1/2003 of 16 December 2002 on the implementation of the rules on competition laid down in Articles 81 and 82 of the Treaty (Text with EEA relevance)", que regulamenta as questões antitrustes na União Europeia [7]; ou também o crescimento exponencial de leis antitrustes no mercado digital, principalmente para de dados, que vêm surgindo nos EUA, tentando barrar as big techs americanas [8].

Considerando que na jurisdição brasileira os critérios de notificação de operações para análise prévia antitruste são baseados mormente em faturamento dos grupos econômicos, em muitos casos essas aquisições podem envolver empresas que não preencham os critérios de notificação obrigatória. Nada obstante, essa etapa apresenta alguns desafios ao mercado de plataformas digitais, dado que, em primeira análise, outros elementos podem se adequar melhor para a demonstração de posição dominante do que a mera delimitação de mercado e a quantificação da participação.

Observando a legislação brasileira, mais precisamente o artigo 88, §§1º e 7º, da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência, ou LDC), a análise de operações que não se enquadram nos critérios estabelecidos pelos incisos primeiro e segundo do referido artigo, no prazo de um ano da sua consumação, é facultada ao Cade. Destarte, o critério de faturamento em análises de concentrações econômicas em mercados digitais, como suficiente, vem sendo alvo de debate em outros diversos fóruns de discussão.

Cumpre-se destacar que esse texto legislativo decorre inicialmente do artigo 173, §4º, da Constituição Federal do Brasil, o qual dispõe que: "A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros". A LDC possui a função de identificar e definir quais as condutas e estruturas de mercado que possuem característica de infração à ordem econômica e quais suas possíveis sanções.

Nada obstante, de um lado temos os cartéis  crime reprimido pela LDC  sendo entendidos pelo Cade como ilícitos por objeto, isto é, independem de seus efeitos, sendo ilícitos já na mera existência do acordo. Por outro lado, casos que envolvam condutas unilaterais, se tornam ilícitos a partir da ponderação de seus efeitos concretos que levem à restrição da concorrência ou diminuição da eficiência de mercado, caracterizado na doutrina como "regra da razão".

Portanto, verifica-se que os debates estabelecidos em torno das killers acquisitions no meio das startups e dos mercados digitais ainda é um tema que pode ser considerado inicial no Brasil, dado as brevidades e embrionárias pesquisas sobre o tema. No entanto, não deixa de ser nítida sua importância para a atualidade e para um futuro breve onde o mercado digital irá se desenvolver cada vez mais. Nesse cenário, é valioso ao Cade avançar nas pesquisas sobre o tema objetivando melhor compreender e examinar as políticas de concorrência na economia digital.

 


[1] https://startupbase.com.br/home/stats.

[2] https://equitablegrowth.org/working-papers/killer-acquisitions/.

[3] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27515-pnad-continua-tic-2018-internet-chega-a-79-1-dos-domicilios-do-pais.

[4] https://thehill.com/blogs/congress-blog/politics/520211-killer-acquisition-or-successful-integration-the-case-of-the.

[5] https://www.wsj.com/articles/facebook-google-to-face-new-antitrust-suits-in-u-s-11606742163.

[6] https://www.gov.br/Cade/pt-br/assuntos/noticias/Cade-lanca-relatorio-sobre-economia-digital-em-reuniao-do-brics.

[7] https://eur-lex.europa.eu/eli/reg/2003/1/oj.

[8] https://www.reuters.com/technology/top-us-antitrust-lawmaker-targets-big-tech-with-new-bills-sources-2021-06-09/.

Autores

  • Brave

    é graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Estudos em Direito Concorrencial da Universidade Federal do Paraná e colaborador jurídico no setor de Compliance da MadeiraMadeira Comércio Eletrônico S/A.

  • Brave
Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!