Opinião

Cargos vagos e direito subjetivo à nomeação: etimologia e interpretações

Autor

  • Filipe Reis Caldas

    é advogado especialista em tributação pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) pós-graduado em Direito Público pela Facesf e membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-PE.

14 de agosto de 2021, 9h14

É pacífico que o candidato aprovado em concurso público dentro das vagas previstas no edital possui direito subjetivo à nomeação, nesse sentido:

"Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas" (RE 598.099, relator ministro Gilmar Mendes, P, j. 10-8-2011, DJE 189 de 3-10-2011, Tema 161).

Em se tratando de candidatos aprovados fora das vagas, a jurisprudência do STF se sedimentou no sentido que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da Administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do poder público capaz de revelar inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato.

Nos termos do RE 837.311 (Tema 784), o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses:

"I – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas do edital;
II – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação;
III – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da Adminsitração".

A jurisprudência do STJ também vai ao mesmo sentido, reconhecendo que o candidato aprovado fora do número de vagas somente terá direito subjetivo à nomeação se comprovar: 1) surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame; 2) manifestação inequívoca da Administração sobre a necessidade de seu provimento; e 3) inexistência de restrição orçamentária. (STJ, 1ª Seção, MS 22.813/DF, Rel. Min. Og. Fernandes, 13/06/2018).

Como se pode perceber, o primeiro requisito para a se comprovar é o surgimento de novas vagas no prazo de validade do concurso para o candidato que foi aprovado fora das vagas.

Em alguns casos, não é necessário comprovar o surgimento de novas vagas, mas, sim, a existência de cargos vagos, em número suficiente que alcance a colocação do candidato, nesse sentido:

"Administrativo. Cargo de secretário executivo. Aprovação em concurso público. Mera expectativa de direito à nomeação. Preenchimento de função gratificada. Ausência de comprovação da existência de vagas e da preterição. I – O entendimento da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que, em não ocorrendo à preterição do candidato na ordem de nomeação do certame, o candidato aprovado em concurso público somente possui mera expectativa de direito à nomeação ao cargo. Para que ocorra a nomeação, torna-se imprescindível a existência de vaga, sendo obrigatória a obediência à ordem de classificação. II – Não demonstrou a autora a existência de cargo vago em quantitativo correspondente à sua quinta colocação, uma vez que tanto as exonerações reportadas quanto as designações referem-se a preenchimento de Função Gratificada, havendo referência a apenas uma aposentadoria de ocupante de cargo de secretário executivo. (…)" (TRF 5, AC 492581/PE).

Apesar de aparentemente ser um tema sem maiores dificuldades, uma corrente isolada, emplacada pelo Ministério Público Estadual de Pernambuco, vem interpretando restritivamente a jurisprudência do STF, de forma a inverter a própria lógica do julgado, afirmando que o candidato aprovado fora das vagas previstas no edital só teria direito de adentrar caso comprovasse a existência de cargos em vacância especificamente.

A fim de ilustrar melhor a problematização do tema para elucidação, formulam-se os seguintes casos hipotéticos:

Exemplo 1: Candidato A prestou concurso público, de provas e títulos, para o cargo de professor, em que o edital previu expressamente dez vagas, vindo o candidato a obter classificação final na sétima posição, ou seja, dentro das vagas.

O mesmo terá direito subjetivo à nomeação, podendo a Administração escolher o melhor momento para sua convocação dentro do prazo de validade do concurso, nos termos do RE598.099, não havendo maiores dúvidas sobre o tema.

Exemplo 2: Candidato B prestou concurso público, de provas e títulos, para o cargo de agente administrativo, onde o edital previu expressamente 15 vagas + cadastro de reserva a critério da Administração, vindo o candidato a obter classificação final na 16ª posição.

Como se sabe, o candidato aprovado fora das vagas iniciais não possui direito subjetivo à nomeação, apenas mera expectativa de direito de ser convocado, o que não vincula a Administração.

Caso existisse uma desistência de um candidato aprovado dentro das vagas iniciais, o candidato B poderia solicitar seu direito subjetivo à nomeação por extensão, tendo em vista que o candidato fora das vagas previstas no edital passa a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de classificado em colocação superior nos termos do RE 916.425.

No nosso exemplo hipotético, não houve desistência de nenhum candidato aprovado, mas após seis meses da homologação do certame houve o deferimento de três aposentadorias de agentes administrativos, deixando três novos cargos vacantes, além das 15 vagas iniciais previstas no edital.

Caso a Administração sentisse interesse e necessidade, critério discricionário, poderia de ofício convocar os três novos candidatos aprovados em cadastro de reserva para tomarem posse.

Como se sabe, a vacância é uma espécie de cargo vago, podendo o candidato, dentro do prazo de validade do certame, vir a requerer seu direito subjetivo à nomeação caso preencha os demais requisitos: comprovação de preterição, inexistência de restrição orçamentária, e demonstração de interesse da Administração.

Exemplo 3: Candidato C prestou concurso público, de provas e títulos, para o cargo de agente policial, em que o edital previu expressamente 40 vagas, vindo o candidato a obter classificação final na posição 47ª posição.

No decorrer do prazo de validade do certame, a Administração, sentindo necessidade de melhoria da segurança pública, formulou proposta legislativa que veio a ser aprovada alterando o quantitativo do quadro de carreira dos agentes policiais, prevendo o surgimento de mais 30 cargos para mesma função.

Pela jurisprudência do STF, quando surgirem novas vagas durante o prazo de validade do concurso anterior e se comprove a preterição, (uma vez que o mero surgimento de vagas não é capaz de convolar a mera expectativa em direito subjetivo), o candidato aprovado fora das vagas terá direito de pleitear seu ingresso de forma que vincule a Administração.

Exemplo 4: Acabou de ser aprovado o projeto legislativo X/2021, que criou a função de advogado júnior para uma autarquia prevendo o quantitativo de cinco cargos para comporem o quadro de pessoal de servidores efetivos.

O candidato D prestou concurso público, de provas e títulos, para o cargo de advogado júnior, onde o edital só previu expressamente duas vagas iniciais + cadastro de reserva a critério da Administração, vindo o candidato a obter classificação final na terceira posição.

Dentro do prazo de validade do concurso, com candidatos aprovados em cadastro de reserva, os novos dirigentes da autarquia deram preferência a contratação precária de terceirizados, escritórios de advocacia por inexigibilidade de licitação, para execução de serviços ordinários, compreendidos dentro das funções do cargo de advogado júnior.

Tendo em vista a existência de cargos desocupados de advogado júnior e a ocorrência da preterição arbitrária na contratação de terceirizados para o desempenho da função, o candidato D terá direito subjetivo à nomeação caso comprove os fatos, nos termos do RE 837.311.

Ilustradas as situações, voltemos à discussão prática do problema.

No entender do Parquet pernambucano, retirando a hipótese 1 de enquadramento dentro das vagas iniciais previstas no edital, somente a situação 2 ensejaria a existência de cargos vagos, tendo em vista terem sido originados de vacância.

Na situação 3 e 4, os cargos recém criados por lei e ainda não ocupados, que ainda não tiveram prévia investidura, estariam locked, expressão popular nos jogos de videogames quando os recursos ou personagens estão bloqueados para utilização pelo usuário jogador, ou seja, é como se o cargo estivesse indisponível, trancado ou inabilitado para fins de enquadramento em "cargo vago" e consequente pleito de direito subjetivo à nomeação.

Com a devida vênia ao entendimento do Parquet pernambucano, tal interpretação não deve prosperar, como se verá a seguir.

No estudo embrionário do Direito Administrativo é ensinado que o cargo público é decorrente de lei, ou seja, é necessário lei para sua criação. Não se podendo confundir o cargo com a pessoa investida que nele o ocupa, o servidor público, algo que é rotineiramente confundido por muitos.

Servidor é a pessoa física, legalmente investida, que realiza as atividades públicas, o trabalho em si, enquanto o cargo é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

O cargo é permanente e existe independente de ser ou não ocupado por um servidor. Caso um candidato tenha sido aprovado em concurso público, de provas e títulos, e venha a tomar posse e entrar em exercício, haverá, assim, a investidura no cargo.

O cargo já se encontrava vago e com a investidura passa a ser ocupado pelo servidor público que agora irá desempenhar suas atribuições e responsabilidades legais inerentes à função.

Como se percebe, o cargo público existe com ou sem investidura, tendo em vista que a sua criação é proveniente do processo legislativo que analisa a necessidade da Administração de contratação de mão de obra e a sua viabilidade orçamentária de manutenção, dando, assim, origem ao cargo.

A etimologia da expressão "cargo vago" utilizado pela jurisprudência, com a ajuda do dicionário, tem o significado de cargo que não está ocupado ou preenchido, que está vazio ou não tem donos conhecidos.

Pode-se assim perceber que "cargo vago" é um termo amplo, um gênero, utilizado para nomenclatura de cargos desocupados, livres, desembaraçados, independentemente de investidura.

Já a expressão "cargos em vacância" é uma das espécies de "cargo vago", em que a vacância requer a prévia investidura do servidor pela posse e a consequente saída do mesmo, tornando o cargo vacante.

A vacância pode ser desencadeada por diferentes hipóteses: exoneração, demissão, promoção, readaptação, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável, falecimento, ou seja, o servidor desocupa o cargo anteriormente preenchido, tornando-o "vago".

Entender exclusivamente que somente os cargos provenientes de vacância dariam ensejo à existência de cargos vagos para fins de pleito de direito subjetivo à nomeação é uma ofensa ao repetitivo do STF 837.311.

A expressão "cargo vago" abarca tantos as situações de vacância, como também a de criação por lei de novos cargos que ainda não foram preenchidos, não devendo o intérprete criar distinções em que o legislador e os tribunais superiores não pretenderam.

Segundo o Portal Brasileiro de Dados Abertos [1], o conceito de cargo público vago é aquele que não está provido, ou seja, está sem titular. Já o termo vacância é utilizado para descrever que o cargo público encontra-se vago.

Como se sabe, existem duas formas de provimento, o originário: por nomeação; e o derivado: promoção, reversão, aproveitamento, reintegração, readaptação e recondução.

Nesse entender, o cargo público criado por lei que ainda não teve nomeação, forma de provimento originário, encontra-se, por sua vez vago, enquadrando-se perfeitamente nos repetitivos RE 837.311 e MS 22.813/DF para fins de pleito de direito subjetivo.

Dessa forma, pode-se perceber que as situações hipotéticas 3 e 4, em que houve a criação de novos cargos por lei, os mesmos estariam sem titular, uma vez que ainda não tiveram provimento, sendo perfeitamente englobados pela correta interpretação de "cargo vago".

 


[1] Gestão de Pessoas (Executivo Federal) – Cargos Vagos – Conjuntos de dados – Portal Brasileiro de Dados Abertos.

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