Opinião

O trabalhador de serviço essencial pode ser obrigado a se vacinar

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13 de agosto de 2021, 16h36

A atividade portuária é legitimamente entendida como essencial, nos termos do artigo 10 da Lei Geral de Greve, dada sua relevância para a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos (artigo 10, III), transporte de combustíveis (artigo 10, I) e suporte da economia nacional, e, inclusive, protegida por princípio fundamental, pois inserida no conceito amplo dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV, da CF/88).

Desse modo, considerando que os trabalhadores em tais atividades continuaram exercendo suas atividades normalmente durante a pandemia, as empresas atuantes em operações portuárias e os órgãos gestores, desde que foi decretado estado de calamidade em razão da pandemia do novo coronavírus, têm realizado intensas campanhas de protocolos de segurança, inúmeras ações preventivas e de análise epidemiológica objetivando o bloqueio da transmissão da doença, inclusive de cunho educativo além da faixa portuária.

Ocorre que, para o enfrentamento da emergência de saúde pública, muitas medidas de importância internacional foram adotadas, a exemplo da vacinação, conforme disposição contida no artigo 3º, III, alínea "d", da Lei 13.979/2020 e ainda no Guia Técnico do Grupo de Trabalho Nacional (GT) do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Contudo, apesar dos esforços para alcançar os objetivos e superar o desafio de vacinar os grupos prioritários, inclusive aqueles atuantes nas atividades essenciais, como nas operações portuárias, questões como proibição à vacinação forçada, exigência de prévio consentimento e a intangibilidade do corpo humano tornaram-se fundamentais no atingimento das metas constantes do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, a ponto de o Poder Judiciário ter decidido pela compulsoriedade da vacinação.

A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal a partir da repercussão geral reconhecida no recurso extraordinário com agravo (ARE 1267879). O caso concreto analisado envolvia a vacinação obrigatória de crianças e adolescentes. Nesse caso, o relator se posicionou no sentido de que "é legítimo impor o caráter compulsório de vacina que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos justificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva)".

Além disso, nas ADIs 6586 e 6587, o Pleno do STF,  por maioria de votos, firmou a seguinte tese de julgamento: "(I) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência".

A partir do entendimento firmado pelo STF, passou a ser constitucional a exigência compulsória da vacinação, inclusive para os trabalhadores que atuam nas atividades essenciais de operações portuárias, pois ela visa a proteger um direito coletivo, que se sobrepõe a um interesse individual. Ainda, o intento de eliminação ou diminuição da propagação da Covid-19 cabe a cada um, em seu papel de cidadão, inclusive empresas e/ou órgãos gestores, aos quais cabe a responsabilidade pela saúde dos trabalhadores e o zelo pelo meio de trabalho seguro e saudável, além de todas as medidas protetivas até então tomadas.

Apesar das intensas campanhas em prol da imunização dos trabalhadores portuários, que objetivam a manutenção da força de trabalho e o funcionamento das atividades essenciais, não é raro encontrar trabalhadores que se recusam a ser vacinados, pelos mais diversos motivos, sejam eles pessoais, pela impossibilidade de escolha do imunizante ou notícias a respeito de falha na eficácia. Ocorre que, ao persistir a recusa injustificada, mesmo após os esclarecimentos quanto ao procedimento de vacinação e consequências jurídicas da sua obrigatoriedade, seguindo o entendimento firmado pelo STF e pela diretriz emanada pelo Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação contra a Covid-19, as operadoras portuárias e os órgãos gestores devem adotar medidas disciplinares, inclusive suspensão de contrato de trabalho ou despedida por justa causa (artigo 482, alínea "h", c/c artigo 158, II, §único, alínea "a", ambos da CLT), no caso de celetistas, ou bloqueio nas escalas de trabalho para os trabalhadores portuários avulsos, sendo que as suspensões e bloqueios permanecerão até que seja regularizada a vacinação.

Nesse contexto, o empregado ou trabalhador portuário que escolher, injustificadamente, não se vacinar arcará com a consequência de sua escolha, pois o interesse público tutelado prepondera sobre o individual, ainda mais quando o mundo numa atitude uníssona adota medidas de luta e resistência à Covid-19. Com isso, os trabalhadores que descumprirem as medidas de prevenção adotadas, inclusive vacinação, arcarão com as sanções cabíveis e pertinentes, a exemplo de demissões por justa causa ou bloqueios em escalas de trabalho.

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