Reconhecimento Facial

Banco é condenado após golpista usar selfie de vítima como assinatura

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13 de agosto de 2021, 19h56

É inadmissível que um banco preste um serviço que possibilite a terceiro fraudador capturar, por meio de seu próprio celular, a biometria facial da vítima — usada no aplicativo do banco como assinatura — e assim conseguir efetuar um empréstimo consignado a fim de aplicar um golpe. Com esse entendimento, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu parcial provimento a uma apelação, declarando a inexistência do débito referente a empréstimo concedido pelo Banco Pan e determinando a restituição das parcelas já pagas, além do pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8 mil. 

Maxim Potikin/Unsplash
Segundo TJ-SP, insegurança no produto ofertado pelo banco é risco inerente exclusivamente ao seu negócio
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Segundo os autos, um aposentado de 74 anos foi vítima de um golpe aplicado por um instalador de serviços de internet. Munido dos documentos da vítima — supostamente usados no trâmite de contratação dos serviços de internet —, o golpista acessou a partir de seu próprio celular a conta bancária do consumidor, por meio do aplicativo do banco.

Em seguida, no aplicativo, iniciou a contratação de um empréstimo consignado, em nome da vítima, no valor de cerca de R$ 46 mil, a serem pagos em 84 parcelas de aproximadamente R$ 1 mil — o que corresponde ao limite da margem consignável de 30% sobre a aposentadoria. Para concretizar o empréstimo, a assinatura do cliente é feita por meio de seu reconhecimento facial. Para consegui-la, o instalador pediu à vítima que fizesse uma selfie, sob o argumento de que a fotografia era referente à contratação dos serviços da empresa de telecomunicações.

Após o montante do empréstimo ser depositado na conta do aposentado, o golpista voltou a falar com a vítima, a fim de criar uma narrativa para justificar a transferência dos R$ 46 mil para outra conta corrente. E conseguiu. Afirmou que havia vendido um carro, mas que por engano passou ao comprador os dados bancários do aposentado, e não os próprios. Assim, conseguiu convencer a vítima a transferir os R$ 46 mil a outra conta corrente.

Em primeira instância, a ação proposta pelo aposentado contra o banco foi julgada improcedente. Segundo o juízo de piso, é "evidente que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não transforma o fornecedor em 'segurador universal', atraindo sua responsabilidade civil mesmo nas hipóteses de fato exclusivo da vítima e de terceiro, tal como no presente caso".

Mas a sentença foi revertida em segunda instância. Segundo o relator do caso, desembargador Roberto Mac Cracken, existe gravíssimo defeito no serviço prestado pelo banco requerido, "que permitiu a ocorrência de fraude, demonstrando-se, de forma inequívoca, a insegurança no produto ofertado ao consumidor, risco inerente exclusivamente ao seu negócio".

"É certo que o banco requerido creditou o montante do empréstimo em conta bancária do autor. Também é certo que o autor transferiu tal montante para a conta bancária do terceiro fraudador. Porém, é inadmissível que a instituição financeira preste um serviço que possibilite o terceiro fraudador capturar por meio de seu celular a biometria facial da vítima e efetuar um empréstimo consignado em benefício previdenciário", afirmou.

Para o desembargador, o banco, ao permitir a assinatura conferida por meio de reconhecimento facial, não garantiu nenhuma forma de confirmação, nem a utilização de qualquer modalidade de senha. "Em suma, basta um retrato e o banco requerido libera o empréstimo", disse em seu voto, de modo que uma selfie gerada a partir de celular do fraudador "não consubstancia uma declaração de vontade".

Assim, ao aplicar ao caso a Súmula 479 do STJ, segundo a qual os bancos respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, o banco acabou condenado.

Além disso, a decisão de segundo grau considerou que o serviço oferecido pela instituição financeira é defeituoso, nos termos do parágrafo 1º, artigo 14, do CDC, pois o banco não forneceu a segurança que o cliente pode esperar, permitindo a ocorrência de danos. "Sendo que o fornecedor responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor pelos defeitos decorrentes à prestação do serviço".

O entendimento foi seguido por unanimidade pelos desembargadores Alberto Gosson, Edgard Rosa, Campos Mello e Matheus Fontes.

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1042082-68.2020.8.26.0506

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