Opinião

Mesmo após 1º de agosto, multas da LGPD ainda não podem ser aplicadas

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11 de agosto de 2021, 6h36

Quem atua na área de proteção de dados tem visto um pouco de tudo. Especialistas formados em 72 horas, profissionais experientes que nunca trabalharam na área, kits de R$ 1,99 para adequação completa, oferta ilegal de serviços jurídicos e por aí vai. O que mais se vê, entretanto, são os sacerdotes do medo, que estão em todas as esquinas berrando a plenos pulmões "olha a multa de R$ 50 milhões, olha a multa de R$ 50 milhões". Ocorre que, ao contrário do que se pensa, ainda não é possível a aplicação das multas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Desde o dia 1º, as sanções previstas na LGPD, ao menos em teoria, já poderiam ser aplicadas. Na prática, todavia, isso ainda não é realidade, ao menos no que diz respeito às sanções pecuniárias, e as eventuais multas aplicadas com base na Lei 13.709/2018 poderão ser questionadas judicialmente. Isso não significa que as empresas não têm de se adequar, pois as multas não estão nem entre os três maiores riscos para os agentes de tratamento.

De início, cumpre destacar que, desde 18/9/2020, a LGPD já está vigendo, o que significa que as empresas e demais agentes de tratamento já deveriam ter se adequado à lei. E não foi por falta de tempo, pois o diploma foi publicado em 15/8/2018, tendo uma vacância de mais de dois anos, tempo suficiente para que os ajustes iniciais necessários fossem feitos. Em que pese o medo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que, vale sublinhar, tem se mostrado propensa a uma atuação educativa e orientativa, as maiores ameaças vêm do Judiciário e do mercado.

Em janeiro deste ano, com apenas quatro meses de vigência, a LGPD já aparecia em 139 ações trabalhistas, segundo levantamento da Data Lawyer Insights, sendo que o total das causas somava R$ 15 milhões [1]. Em julho, já havia cerca de 600 sentenças embasadas no diploma [2]. Percebe-se, portanto, que a preocupação das empresas não deveria estar voltada para as sanções administrativas, mas para as possíveis condenações indenizatórias, notadamente as trabalhistas e consumeristas. Mais do que isso, é sua reputação que está em jogo, embora a maior parte dos gestores não pareça se importar com isso, mesmo em um momento em que temas como governança e compliance estão em alta.

Quanto à razão para a inaplicabilidade das sanções pecuniárias, a justificativa está na própria lei, notadamente em seu artigo 53, §1º, que é cristalino ao estabelecer que as metodologias que orientarão o cálculo do valor-base das sanções de multa devem ser previamente publicadas. Devem, ainda, apresentar de forma objetiva as formas e dosimetrias para o cálculo, além de estabelecer as circunstâncias e as condições para a adoção de multa simples ou diária.

Mister sublinhar que nem mesmo o regulamento para a aplicação das sanções está publicado, que sequer trata da dosimetria, a qual será objeto de norma específica. Cabe também destacar que, mesmo no tocante às sanções não pecuniárias, a ANPD informa que "de modo a conferir segurança jurídica aos administrados, a ANPD iniciará sua atuação sancionadora após a aprovação do Regulamento de Fiscalização e de Aplicação de Sanções Administrativas", embora frise que "a atuação da Autoridade pode se dar com relação a fatos ocorridos após 1º de agosto de 2021 ou para delitos de natureza continuada iniciados antes de tal data" [3].

Percebe-se, portanto, que a aplicação de sanções antes da regulamentação da fiscalização pode ter sua validade questionada, especialmente quanto às sanções pecuniárias, em razão da exigência expressa de publicação prévia das metodologias para cálculo do valor-base das temidas multas. Quem escolher se escorar nessa pendência para postergar ainda mais a adequação, todavia, pode pagar caro, pois, como visto, o Judiciário já está agindo e os demais stakeholders estão de olho, a exemplo de acionistas e de empresas que levam a governança a sério.

 


[1] Lei Geral de Proteção de Dados foi citada em 139 ações trabalhistas. ConJur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-20/lei-geral-protecao-dados-foi-citada-139-acoes-trabalhistas>. Acesso em: 5 ago. 2021.

[2] Justiça soma 600 sentenças com Lei Geral de Proteção de Dados. Jornal do Comércio. Disponível em: <https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/empresas_e_negocios/2021/07/800350-justica-soma-600-sentencas-com-lei-geral-de-protecao-de-dados.html>. Acesso em: 5 ago. 2021.

[3] BRASIL. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Sanções Administrativas. Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/sancoes-administrativas-o-que-muda-apos-1o-de-agosto-de-2021>. Acesso em: 5 ago. 2021.

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