Opinião

NFTs: o que são e de quem são?

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11 de agosto de 2021, 12h05

A expressão NFT, referente a tokens não fungíveis, ou non fungible tokens, em inglês, tem ganhado repercussão ao longo dos últimos meses. Nomes de grande prestígio no cenário musical, como Mick Jagger, mítico vocalista dos Rolling Stones, e Dave Grohl, líder dos Foo Fighters e ex-baterista do Nirvana, negociaram NFTs de suas obras por valores expressivos.

Também foram noticiadas recentemente negociações em valores igualmente vultosos de NFTs de memes de internet e de vídeos de jogadas esportivas. Como, por exemplo, o meme "Nyan Cat", o gif de um gato espacial vendido como NFT por quase US$ 600 mil, e as jogadas exclusivas da NBA, que são compradas e vendidas em NFT por meio da NBA Top Shot, uma plataforma na qual os fãs compram e vendem tokens de jogadas oficialmente licenciadas e chamadas de "moments".

Entre nós, recentemente noticiou-se que a atriz Vera Fischer comercializou o NFT de uma rara fotografia sua por US$ 58 mil. Uma pintura de uma defesa de pênalti do goleiro Victor na campanha da Libertadores da América vencida pelo Atlético-MG foi leiloada em NFT por US$ 5 mil. Há, ainda, o exemplo de uma casa na cidade de São Paulo que, antes de ser demolida para dar lugar a um novo empreendimento imobiliário, foi objeto de uma mostra de arte grafite, a qual foi toda fotografada e será comercializada na forma de NFTs.

Mas se o nome non fungible token talvez nos diga menos do que a denominação dos princípios ativos de muitos medicamentos, o que afinal são os NFTs? Mais importante, qual é a propriedade que um NFT concede ao seu adquirente e qual a proteção jurídica que lhe é dada no Direito brasileiro?

Um NFT é um ativo digital não fungível, com uma identidade única, que representa objetos do mundo real, como obras de arte, música, itens de jogos, vídeos etc. Eles são comprados e vendidos online e são codificados através da tecnologia blockchain.

Sob uma perspectiva jurídica, ainda que não existam doutrinas ou jurisprudência sobre os NFTs, com fundamento no Direito Civil pode-se dizer que um NFT é um bem móvel, infungível, indivisível, incorpóreo, comercializável e particular, o que permite concluir que transações como compra, venda e doações deverão seguir as orientações previstas pelo Código Civil para bens dessa espécie.

E quais são as vantagens de entrar nesse mercado?

Para os artistas e criadores de conteúdo, os NFTs oferecem uma oportunidade única de monetizar seus produtos. Por exemplo, artistas não precisam mais depender de galerias para vender sua arte (situação em que deixavam uma boa porcentagem da venda na galeria). Em vez disso, podem vendê-la diretamente ao comprador como um NFT.

Adicionalmente, os NFTs oferecem uma nova modalidade de bem que pode ser negociado. Além do objeto em si, como, por exemplo, um vídeo, uma obra musical, uma peça de vestuário, ou uma obra de arte, abre-se a possibilidade de comercialização do NFT desse mesmo vídeo, obra musical, peça de vestuário, ou obra de arte, agora tokenizados.

Com a estratégia correta, como o oferecimento de privilégios exclusivos aos seus adquirentes, mesmo artistas e profissionais de nichos muito específicos podem monetizar o seu trabalho, ou mesmo financiá-lo, vendendo os NFTs atrelados a esses privilégios a uma parcela rica e disposta a pagar por essa exclusividade. A banda Kings of Leon, de Nashville (EUA), recentemente vendeu NFTs que agregavam ao seu proprietário uma série de privilégios que incluíam quatro acentos de primeira fila para qualquer show da banda pelo resto da vida, interações exclusivas com os membros da banda, produtos exclusivos e traslado com chofer na ida e na volta dos shows. Em um único leilão a banda arrecadou algo em torno de US$ 2 milhões.

Por fim, como um grande benefício, os NFTs possuem um recurso que permite que o artista ou autor habilite que o comprador lhe pague um percentual do valor de venda a cada vez que o NFT é negociado, certificando-se de que poderá sempre permanecer se beneficiando de seu trabalho, mesmo após a venda original. Uma espécie de royalty perpétuo pago em cada negociação envolvendo o NFT. Algo que seria praticamente inimaginável em relação às negociações de uma obra de arte, por exemplo, cuja rastreabilidade é virtualmente impossível pelo seu autor.

Para o comprador, sob uma perspectiva puramente materialista, um dos benefícios óbvios de se adquirir um NFT é o de se tornar proprietário de um bem conceituado e exclusivo. Mas o que de fato vem atraindo compradores para esses ativos é o enorme potencial de valorização típico dos ativos digitais. Como qualquer outro ativo especulativo, o intuito é que o valor suba e, assim, possa ser vendido com lucro. Nessa linha, seria mais coerente pensar em investimento em NFTs, e não em compra desses ativos. Assim como no caso do bitcoin e de outras criptomoedas, que atingiram valores elevados com o passar do tempo, imagina-se que os NFTs possam seguir o mesmo caminho.

Há, no entanto, uma questão jurídica central que diz respeito ao título jurídico que um NFT confere ao seu adquirente ou investidor. Nesse ponto, pela natureza não fungível dos NFTs, bem como por outros de seus aspectos exclusivos, quer nos parecer que as estratégias de licenciamento e proteção da propriedade dos NFTs precisam ser mais bem examinadas.

Ao considerar as implicações de propriedade intelectual dos NFTs, é importante a distinção entre o proprietário do NFT e o titular da propriedade intelectual subjacente do NFT. Os direitos concedidos por um vendedor de NFT dependem dos direitos transferidos por meio de uma licença ou atribuição e poderão variar de acordo com o negociado em cada NFT. Ou seja, o adquirente poderá ser o proprietário de um determinado vídeo de uma enterrada do LeBron James no formato NFT, mas os direitos subjacentes da obra continuarão pertencendo à NBA.

Dito isso, a propriedade dos direitos subjacentes só será transferida se o autor do trabalho original concordar expressamente em transferir esses direitos ao proprietário do NFT. Sem tal acordo, a propriedade de um NFT não concederá propriedade do conteúdo subjacente ou de quaisquer direitos de propriedade intelectual associados. Como consequência disto, um proprietário de NFT pode não ter permissão para reproduzir, distribuir cópias, executar publicamente, exibir ou fazer trabalhos derivados do trabalho original.

Neste caso, o NFT tornar-se-á apenas um item colecionável, sem valor econômico para o seu proprietário, além do valor do próprio token. Passa a ser, portanto, um objeto de pura contemplação. Obviamente, isso não quer dizer que o objeto não tenha, em si, um imenso valor econômico, tanto quanto um quadro original de Pablo Picasso, uma camisa do Santos assinada pelo Pelé, uma guitarra autografada pelo B.B. King ou um raríssimo card de Pokémon. No entanto, o seu valor econômico só poderá ser plenamente realizado pelo seu proprietário em caso de disposição do bem, e desde que seja para um público específico que aprecie e valorize aquele item de maneira adequada.

Como se vê, portanto, os NFTs oferecem um promissor novo campo para a comercialização de uma variada gama de produtos de valor intangível, como obras de arte, itens de moda e conteúdo audiovisual, sem a necessidade de intermediários. A tecnologia blockchain que a certifica, além de garantir sua autenticidade, pode servir como uma forma de assegurar aos seus criadores, uma rentabilidade financeira perene, com participação em todos os negócios que envolvam os NFTs de suas obras. Além disso, os chamados bragging rights, ou direito de se gabar, em inglês, que circundam qualquer obra de valor intangível, com caráter exclusivo e inovador, como é o caso dos NFTs, prometem oferecer aos seus adquirentes uma interessante plataforma de investimento com enorme potencial de valorização futura.

Obviamente, tratando-se de uma novidade, é necessária atenção aos aspectos jurídicos que essa propriedade transmitirá ao seu adquirente, para que as expectativas de ambas as partes estejam devidamente atendidas nos negócios envolvendo os referidos tokens.

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