Paradoxo da Corte

Ação anulatória e impugnação do devedor em matéria arbitral

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

10 de agosto de 2021, 8h00

No âmbito do modelo processual que rege a arbitragem no Brasil, proferida a sentença, não há previsão legal para que seja ela submetida a qualquer reexame. Ela é irrecorrível (artigo 18). Excetuando-se a regra do artigo 30 da Lei nº 9.307/96, que autoriza pedido de correção de erro material ou de esclarecimento acerca de omissão, dúvida ou contradição da sentença arbitral, irrompe ela definitiva.

Todavia, o artigo 33 possibilita o ajuizamento, pela parte interessada, de ação visando à anulação do ato decisório arbitral, com arrimo num dos fundamentos catalogados no precedente artigo 32. Essa demanda poderá ser proposta, perante o Poder Judiciário, no prazo decadencial de 90 dias, a contar do recebimento da notificação da respectiva sentença, devendo ser processada pelas regras do procedimento comum.

Aduza-se que, sendo de sinal condenatório a sentença, o vício que a inquina é passível de ser arguido pela via da impugnação, nos termos dos artigos 33, parágrafo 3º, da Lei de Arbitragem e 525 do Código de Processo Civil, ao ensejo da execução do título executivo (artigo 515, inciso VII, do Código de Processo Civil).

Assim, dois são os caminhos processuais à disposição daquele que tem interesse em obter o reconhecimento da nulidade da sentença arbitral, a saber: a) pode ele se adiantar e de fato é o que ocorre com maior frequência , ajuizando a ação anulatória (rectius: ação declaratória de nulidade artigo 33, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem); ou b) aguardar a citação no âmbito do cumprimento de sentença, e, então, arguir o vício da sentença arbitral no momento da impugnação (artigo 33, parágrafo 3º).

Decorrido o lapso de 90 dias, sem que uma dessas duas hipóteses tenha ocorrido, a sentença arbitral torna-se imutável em relação às partes e seus sucessores.

Instada a enfrentar essa questão, numa situação em que o executado alegou, por meio de impugnação, cerceamento de defesa, anoto que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça prestigiou acórdão da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, então relatado pelo desembargador Hamid Bdine (Agravo de Instrumento nº 20011836-13.2019.8.26.0000), no recente julgamento do Recurso Especial nº 1.900.136/SP, da relatoria da ministra Nancy Andrighi, ao traçar, com clareza, a distinção entre os limites objetivos da impugnação deduzida dentro do prazo decadencial de 90 dias, daquela apresentada no bojo de execução aforada após esse prazo legal, fixado no artigo 33, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem.

Com fundamento nessas premissas, assentou, à unanimidade votos, o referido precedente do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que:

"Se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas no artigo 525, §1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no artigo 32 da Lei nº 9.307/96".

E essa é a diretriz que igualmente vem sufragada pela nossa doutrina processual mais abalizada, como se infere do magistério de Carlos Alberto Carmona ("Arbitragem e processo", 3ª edição, São Paulo, Atlas, 2009, p. 430-431), ao afirmar que, na situação na qual a impugnação é oferecida após o prazo decadencial de 90 dias para a propositura da ação anulatória, "o legislador reservou ao impugnante a possibilidade de alegar todas as matérias relativas ao ataque dos títulos executivos judiciais, nada mais: terá o impugnante, em tal hipótese, perdido, por inércia, o direito de levar ao conhecimento do juiz togado qualquer uma das matérias enumeradas no artigo 32 da Lei. Enfrentará o impugnante as mesmas limitações impostas ao executado que ataca a sentença judicial condenatória".

Em senso análogo, ao investigar a extensão das matérias passíveis de alegação em sede de impugnação, Heitor Vitor Mendonça Sica assevera que: "Os artigos 32 e 33, §1º, da Lei nº 9.307/1996 tratam da ação anulatória da sentença arbitral, dispondo que ela deve ser manejada pelo interessado no prazo decadencial de 90 dias a contar do 'recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento' e pode ser embasada em qualquer das matérias listadas no artigo 32. Contudo, o artigo 33, §2º, da mesma lei (cuja redação foi atualizada pelo artigo 1.061 do CPC de 2015, sem alteração substancial) permite que a anulação da sentença arbitral possa ser decretada em sede de defesa contra a execução da sentença arbitral. Todavia, para que a impugnação possa veicular as matérias do artigo 32 da Lei nº 9.307/1996, ela precisa ser manejada dentro do prazo de 90 dias contado na forma do artigo 33, §1º, da mesma lei. Se a impugnação for apresentada depois desse prazo, ela estará limitada às matérias oponíveis às demais modalidades de título executivo (no CPC de 2015, elas estão listadas no artigo 525, §1º)" ("Comentários ao novo Código de Processo Civil", obra coletiva, 2ª ed., Rio de Janeiro, Gen- Forense, 2015, pág. 830).

A propósito desse tema, cumpre ainda esclarecer que a sentença arbitral que acarrete prejuízo jurídico a um terceiro é passível de ser contestada perante o Poder Judiciário, seja por meio de ação autônoma seja mediante impugnação. Não obstante, entendo que esse terceiro, qualquer que seja o meio processual para sua reação, não fica subordinado ao prazo de 90 dias. A rigor, a exemplo de outras situações assemelhadas, que ocorrem em sede de ação rescisória, tal lapso temporal somente se inicia a partir do momento em que o terceiro tiver ciência inequívoca do teor da decisão, que geralmente coincide com aquele em que passa ele a sofrer, in concreto, o prejuízo advindo da sentença arbitral tida como viciada.

Autores

  • é sócio do escritório Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

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