Questão de legitimidade

Espólio de usufrutuária vitalícia pode propor rescisão de arrendamento rural

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10 de agosto de 2021, 11h37

Durante a vigência do contrato de arrendamento rural, a morte da arrendadora usufrutuária, sem que haja a restituição ou reivindicação de posse pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos sucessores da pessoa falecida. Isso, porém, não impede o exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento rural pelo espólio em relação ao terceiro arrendatário, pois as relações jurídicas do usufruto e do arrendamento são diferentes e autônomas.

Lucas Pricken/STJ
O ministro Marco Aurélio Bellizze atuou como relator do recurso na 3ª Turma do STJ
Lucas Pricken/STJ

Esse entendimento foi estabelecido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que reconheceu a legitimidade do espólio para propor ação de despejo cumulada com cobrança e rescisão contratual, buscando a extinção de contrato de arrendamento rural, a reintegração da posse do imóvel e o pagamento de dívidas em aberto.

O contrato foi celebrado pela falecida arrendadora (que tinha usufruto vitalício do imóvel) e o arrendatário (também falecido), que, posteriormente subarrendou a propriedade. Os pedidos foram julgados procedentes em primeira instância e o TJ-SP apenas ajustou os critérios da condenação, mantendo a legitimidade do espólio para ajuizar a ação.

Em recurso especial apresentado ao STJ, o recorrente alegou que o espólio não tem legitimidade ativa, pois a posse da autora da herança sobre o imóvel objeto do arrendamento seria oriunda de usufruto, o qual se extinguiu com a sua morte. Ele sustentou também que o falecimento da usufrutuária ocorreu em 2004 e as alegadas dívidas em aberto do arrendamento rural seriam do período entre 2009 e 2014, quando já havia sido extinto o direito real de usufruto que legitimava a posse da arrendadora.

Direito real
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso, explicou que o usufruto consiste em uma espécie de direito real (artigo 1.225, inciso IV, do Código Civil) que pode recair sobre um ou mais bens, móveis ou imóveis, conferindo temporariamente a alguém (denominado usufrutuário) o direito a posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Tratando-se de bem imóvel, o relator apontou que o registro em cartório é pressuposto necessário do direito real de usufruto, tanto no caso de sua constituição quanto na hipótese de sua desconstituição, a partir do qual passará a produzir os efeitos legais, especialmente em relação a terceiros.

Por outro lado, o ministro Bellizze destacou que, no caso de morte da usufrutuária, surge causa extintiva do usufruto, o qual, diante do seu caráter personalíssimo, não se transmite aos herdeiros, de forma que é descabido no ordenamento jurídico brasileiro o caráter sucessivo desse direito real.

Entretanto, Bellizze afirmou que, por causa do efeito constitutivo do registro no cartório imobiliário, o falecimento do usufrutuário não opera efeitos automaticamente, de maneira que, mesmo que seja descabida a sucessão do usufruto, as implicações do instituto permanecerão enquanto não for cancelado o registro e retomado o pleno domínio do bem pelo proprietário.

No caso dos autos, o ministro lembrou que a averbação do cancelamento do usufruto na matrícula do imóvel foi realizada em 2016, ou seja, após o período de cobrança levantado pelo espólio e o ajuizamento da ação, em 2015, situação que mantém o interesse do espólio na ação.

Em seu voto, Bellizze reforçou que, efetivado o usufruto, ocorre o desdobramento da posse, passando o proprietário à condição apenas de possuidor indireto e o usufrutuário, à de possuidor direto. Já no caso de cessão do exercício do usufruto a terceiro, mediante contrato de arrendamento, há o desdobramento sucessivo da posse, tornando-se possuidores indiretos o proprietário e o usufrutuário/arrendador, e direto o arrendatário.

"Sobrevindo a morte do usufrutuário (que é causa de extinção desse direito real), a posse, enquanto não devolvida ou reivindicada pelo proprietário, transmite-se aos sucessores daquele, mas com o caráter de injusta, dada a sua precariedade, excepcionando a regra do artigo 1.206 do CC. Com isso, o possuidor não perde tal condição em decorrência da mácula que eventualmente recaia sobre sua posse", argumentou o ministro. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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REsp 1.758.946

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