Opinião

ADC 49: pela manutenção dos créditos de ICMS

Autor

  • Sandro Miguel Júnior

    é advogado associado no escritório Chiesa Advogados Associados especialista em Direito Tributário com extensão em Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

8 de agosto de 2021, 15h37

No mês de maio do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49 e fixou a seguinte tese: "O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual".

Essa conclusão, a nosso ver, já era esperada, considerando a jurisprudência formada em torno desse tema. Tome-se, por exemplo, o verbete nº 166 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte".

O que, em nosso entendimento (e talvez ingenuidade), não era esperada, é a pretensão infundada dos Fiscos estaduais de estornar o crédito na hipótese de deslocamento de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular, sob o argumento (fajuto) de que esse deslocamento constituiria hipótese de não incidência, o que autorizaria a anulação do crédito, com base no artigo 155, §2º, II, "b", da Constituição Federal (CF) [1].

Tal pretensão não possui visos de procedência. Primeiramente, porque o artigo 155, §2º, II, "b", da CF foi concebido para disciplinar e de alguma forma efetivar a sistemática da não cumulatividade do ICMS e não para inviabilizá-la, como pretende o entendimento dos Fiscos estaduais.

Em segundo lugar, e conforme destacado nas razões de decidir da ADC nº 49, o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, ainda que interestadual, não pode ser considerada uma operação, leia-se, negócio jurídico mercantil, haja vista que se trata de mera movimentação interna ou mudança física de local da mercadoria.

Tanto isso é verdade que, na ocasião do julgamento da ADC nº 49, o STF também declarou a inconstitucionalidade da regra da autonomia dos estabelecimentos, prevista na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96).

Desta forma, tendo em vista que o artigo 155, §2º, II, "b", da CF determina expressamente que a não incidência do ICMS importa em "anulação do crédito relativo às operações anteriores", não sendo o deslocamento em tela uma operação, não há falar em anulação/estorno nesse caso, devendo o crédito "acompanhar" a mercadoria, a fim de realizar a sistemática constitucional da não cumulatividade.

Ademais, o termo "não incidência", previsto no referido dispositivo constitucional, deve ser interpretado teleologicamente, a fim de implicar a anulação de créditos tão somente nos casos em que haja uma efetiva operação comercial, amparada por um título jurídico, que importe em circulação de mercadoria de uma pessoa para outra, e essa operação, por algum motivo legal, não esteja sujeita à incidência do ICMS.

Considerando que no bojo da ADC nº 49 foram opostos embargos de declaração pelo governo do estado do Rio Grande do Norte, os quais estão pendentes de julgamento, esperamos que a conclusão do STF, em homenagem à regra constitucional da não cumulatividade, seja pela manutenção dos créditos de ICMS nos casos de deslocamentos de mercadorias.

 


[1] "Artigo 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores".

Autores

  • é advogado associado no escritório Chiesa Advogados Associados, especialista em Direito Tributário com extensão em Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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