Tribunal do Júri

Colaborações da Psicologia na tomada de decisão e selecionamento de jurados

Autores

  • Sidnei Priolo Filho

    é doutor e mestre em Psicologia pela UFSCar professor do Mestrado em Psicologia Forense (UTP) primeiro consultor especializado em Tribunal do Júri do Brasil diretor da “Studium Consultoria de Júri” participa de pesquisas nacionais e internacionais sobre violência comportamento e tomada de decisão.

  • Rodrigo Faucz Pereira e Silva

    é advogado criminalista habilitado no Tribunal Penal Internacional (em Haia) pós-doutor em Direito (UFPR) doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG) mestre em Direito (UniBrasil) e coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

  • Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

    é juiz de Direito mestre e doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil) professor de Processo Penal (UTP EJUD-PR e Emap) e professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

7 de agosto de 2021, 8h00

Faz-se necessária, para uma atuação adequada no tribunal do júri, a utilização de ferramentas, estudos e informações produzidas a partir de outras áreas do conhecimento, como já falamos anteriormente nesta coluna ("Atuação do tribuno no júri: a credibilidade", de 10/7). Um dos tópicos que se beneficiam da interdisciplinaridade é a discussão acerca da tomada de decisão de jurados. A psicologia tem investigado os fenômenos de tomada de decisão e quais seriam as características das pessoas e dos casos que influenciariam o resultado do julgamento. Aspectos cognitivos anteriores à tomada de decisão podem interferir e transformar a escolha dos jurados até mesmo antes deles serem selecionados para participar do júri.

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Uma das áreas da Psicologia que têm investigado esse fenômeno é a das fundações morais de Jonathan Haidt [1]. Essa forma de avaliar a moralidade é sustentada por evidências empíricas e parte de um princípio de que as decisões morais são avaliadas de maneira rápida e sem pensamentos conscientes sobre a decisão. As justificativas para essa tomada de decisão são feitas com raciocínios conscientes, ou seja, tomamos a decisão moral e depois elaboramos nossos raciocínios sobre o porquê de escolhermos que determinada ação é adequada ou inadequada, se um comportamento é adequado ou inadequado e, no caso de jurados, se uma pessoa é culpada ou inocente.

A moralidade, de acordo com Haidt, possui seis fatores que formam a chamada matriz moral. Dentro da matriz moral fatores da moralidade ligadas ao cuidado, liberdade, justiça, autoridade e santidade auxiliam a tomada de decisão de todas as pessoas e tem valores distintos para cada um de nós. Aspectos políticos, religiosos e da história de vida fazem com que certos fatores da matriz moral sejam mais relevantes para cada indivíduo. Isto é, conhecer aspectos ontogênicos, políticos e religiosos permitem identificar e prever decisões morais de um fato a ser julgado, pois, de acordo com a ciência psicológica, o julgamento moral ocorre antes de pensamentos e racionalizações conscientes. Seria o equivalente a dizer que nossa intuição age primeiro e, depois, o nosso raciocínio e a nossa consciência agem num segundo momento para justificar essa escolha. Isso, obviamente, cria um problema para um sistema judicial que depende de jurados imparciais e que estejam efetivamente dispostos a analisar todos os fatos apresentados antes de tomarem uma decisão. Contudo, esse impacto da moralidade na tomada de decisões opera de forma única em cada caso e para cada indivíduo. Por intermédio de uma análise científica aprofundada, os estudos apontam que é possível prever como será a tomada de decisão de dado jurado se baseando em seus valores morais [2].

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Outro aspecto da moralidade na tomada de decisões é o fato de que as análises que normalmente se realizam sobre a moralidade do comportamento de outros nunca é neutra ou imparcial. Conforme apontado por pesquisas, certas cognições intuitivas [3], julgamentos morais ou, ainda, o próprio conhecimento prévio sobre o caso a ser analisado [4] podem inviabilizar a imparcialidade de potenciais jurados em julgamentos específicos. Ademais, variáveis demográficas e psicológicas afetam a decisão de jurados particularmente em casos de homicídio.

Mas como fazer uma análise cientificamente válida sobre a dinâmica do Tribunal do Júri? Tal questão tem relevância direta com os estudos acadêmicos e empíricos. No entanto, também é importante para a área da consultoria em Tribunal do Júri (ou, nos Estados Unidos, também conhecido como consultoria em litigância), eis que permite otimizar a atuação dos profissionais, prevendo com segurança os impactos dos perfis dos jurados, bem como testar as teses que serão expostas pelas partes.

Pesquisadores têm se debruçado sobre como simular júris fora do ambiente do tribunal, de maneira a obter mais informações dos processos cognitivos e psicológicos envolvidos nesses contextos. Uma das formas mais utilizadas é o mock jury (júri simulado), que consiste em realizar uma amostragem semelhante ao do pool de jurados, apresentar os argumentos de defesa e acusação e pedir aos "jurados" presentes para decidirem sobre o caso. Pela sua natureza de investigação dos argumentos, o mock jury possibilita diversas abordagens quanto a construção dos argumentos, análises qualitativa e quantitativa das tomadas de decisões, bem como explorar pontos fracos na defesa ou acusação com pessoas com características sociodemográficas semelhantes àquelas que estarão presentes no júri real. Esse método pressupõe que jurado da situação mock irão responder às questões de maneira semelhante aos jurados reais do Tribunal do Júri [5]. A organização de um mock trial envolve, prioritariamente [6], profissionais do Direito, que irão elaborar os argumentos e uma organização legítima do processo de júri simulado, e da Psicologia, que avaliam os aspectos dessa área, como o processo de tomada de decisão, a colheita das opiniões e análise do perfil adequado para o caso. Com isso, compreender as argumentações e como as pessoas com características semelhantes aos jurados tomam decisões no processo específico, colabora diretamente na maximização da performance no júri.

Outra estratégia importante para advogados e promotores antes do júri é a realização de grupos focais. Esses grupos auxiliam na investigação de pontos específicos do caso, orientando a defesa ou a acusação a compreender como certos argumentos são assimilados pelos jurados para chegar a um veredito e sua dinâmica com os demais aspectos do processo [7]. Grupos focais são uma estratégia de pesquisa qualitativa que pode ser combinada com outros elementos quantitativos, ou ainda, ser utilizada apenas para tópicos particulares de um caso, por exemplo, para discutir sobre uma potencial discordância entre acusação e defesa, no intuito de identificar qual elemento de prova ou argumento é considerado mais apelativo pelos participantes dos grupos entrevistados.

Importante destacar que tanto a simulação quanto o grupo focal visam não somente a auxiliar na construção estratégica da defesa ou da acusação, para que consigam transmitir sua argumentação de forma mais convincente e clara, como também busca a identificação de perfis para uma seleção imparcial de jurados.

Aliás, a seleção de jurados imparciais e com menor viés de variáveis que impactam a tomada de decisão (como o já comentado acima sobre a moralidade, intuição e conhecimento prévio do caso) é uma tarefa considerada como urgente nas ciências psicológicas para garantir decisões justas para todos [8]. Mas, pelo aspecto do Direito, é o elemento fundante do sistema de Justiça. O fair trial apenas pode ser vislumbrado caso os julgadores sejam imparciais, sem qualquer interesse em relação à causa.

No Brasil, onde os jurados não passam por um processo de voir dire e há um limite para a atuação das partes na exclusão de jurados (abordamos este tema na coluna em 3/7 — "O voir dire como ferramenta para a seleção de jurados imparciais"), reconhecer e selecionar os jurados mais suscetíveis às decisões morais prévias é fundamental para garantia de um jogo justo e legítimo.

 


[1] Como nos estudos: "The righteous mind: Why good people are divided by politics and religion. Vintage" (2012) e "The emotional dog and its rational tail: a social intuitionist approach to moral judgment", publicado no Psychological review.

[2] Neste sentido também o estudo de Vaughan, Bell Holleran e Silver, de 2019, intitulado "Applying moral foundations theory to the explanation of capital jurors’ sentencing decisions", publicado no Justice Quarterly.

[3] Como na pesquisa de Esnard e Dumas (2019), "Jurors’ verdicts based on their intimate conviction: Influence of magistrate’s opinion on confirmatory information processing", publicado no Cogent Psychology.

[4] Veja-se a pesquisa de Rodriguez, Agtarap, Boals, Kearns e Bedford, (2019), "Making a biased jury decision: Using the Steven Avery murder case to investigate potential influences in jury decision-making", publicado na Psychology of Popular Media Culture.

[5] Neste sentido as lições de Levine, Wallach, Levine e Goldfarb, "Psychological Problems, Social Issues and the Law", de 2019 (West Academic Press).

[6] No entanto, as consultorias especializadas geralmente contam com uma equipe multidisciplinar em que outros profissionais colaboram com suas áreas de expertise, como comunicadores sociais, cientistas sociais, antropólogos, publicitários, consultores de imagem, estatísticos, neurocientistas, especialistas em gráficos e vídeos, dentre outros.

[7] Como no estudo de Tabak, Klettke, Knight, "Simulated jury decision making in online focus groups", do Qualitative Research Journal (2013).

[8] Neste sentido, Kang, Bennett, Carbado, Casey e Levinson, "Implicit bias in the courtroom", publicado na UCLa Law review (2012).

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    é doutor e mestre em Psicologia pela UFSCar, professor do Mestrado em Psicologia Forense (UTP), primeiro consultor especializado em Tribunal do Júri do Brasil, diretor da “Studium Consultoria de Júri”, participa de pesquisas nacionais e internacionais sobre violência, comportamento e tomada de decisão.

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    é advogado criminalista, pós-doutorando em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE) e de Tribunal do Júri em pós-graduações (AbdConst, Curso Jurídico, UniCuritiba, FAE, Curso CEI) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri)

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    é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

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