Opinião

A desincompatibilização dos candidatos a cargos eletivos

Autor

  • Sandra Cureau

    é subprocuradora-geral da República ex-vice-procuradora-geral da República e ex-vice-procuradora-geral eleitoral foi procuradora-regional eleitoral no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.

7 de agosto de 2021, 18h22

A Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (Lei das Inelegibilidades), em seu artigo 1º, incisos II a VII, trata das chamadas inelegibilidades relativas, quais sejam, aquelas que impõem restrições à candidatura ou causam impedimento apenas relativamente a alguns cargos. Normalmente, trata-se de situações em que o candidato necessita se desincompatibilizar do cargo ou da função pública que ocupa para que possa disputar determinado cargo eletivo. Os prazos de desincompatibilização não são os mesmos, variando de três a seis meses, e o seu não exercício dá ensejo à impugnação ao registro do candidato.

Geralmente, as publicações sobre o tema limitam-se a elencar os prazos necessários para o pré-candidato afastar-se do cargo ou função. Entretanto, existem outras regras importantes que, se não observadas, podem levar à impugnação ao registro da candidatura e à sua inviabilidade.

Inicialmente, é importante ressaltar que, nos casos em que se fizer necessária a desincompatibilização, não é preciso demonstrar que a sua ausência influenciou o resultado do pleito eletivo, uma vez que esse fato é presumido e a presunção, nessa hipótese, é absoluta, não admitindo prova em contrário.

O instituto da desincompatibilização tem por finalidade assegurar a paridade das armas entre os concorrentes aos cargos eletivos, visando a garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Busca, pois, evitar que um candidato faça uso de seu cargo ou função pública, em benefício de sua candidatura, durante o período que antecede o pleito.

É também por essa razão que não basta o mero afastamento formal, sendo exigido o afastamento de fato, uma vez que é esse que confere à candidatura a sua legitimidade, através do desligamento do pretenso candidato de seu núcleo de poder, representado pelas efetivas atribuições e pelas funções próprias do cargo que ocupa. Inexiste, porém, uma forma legal de realizar a desincompatibilização, podendo servir como prova a simples comunicação feita à direção da unidade em que o servidor exerce suas funções, desde que os fatos não demonstrem o contrário.

Ainda, é preciso salientar que a aferição do prazo de desincompatibilização está vinculada à efetiva competência, legalmente imposta ao cargo, e não à sua nomenclatura. Entender de modo diverso desvirtuaria a ratio da norma legal, que é garantir a igualdade entre os diversos atores da disputa eletiva. Ou seja, se o cargo ocupado é equivalente ao de secretário municipal, é indiferente que a administração se organize em gerências e não em secretarias, como já pacificou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Processo nº 0600151-53.2020.6.13.0095.

É assente na jurisprudência do TSE que, por se tratar de restrição de direitos, "as normas concernentes a inelegibilidade, nas quais se incluem as regras de desincompatibilização, devem ser interpretadas restritivamente". Por essa razão, não se exige, verbi gratia, a desincompatibilização de dirigentes de associações privadas, ainda que recebam subvenções públicas, de médicos credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de estagiários etc.

Os servidores públicos, estatutários ou não, têm prazo único de desincompatibilização: três meses anteriores ao pleito, seja ele federal, estadual ou municipal, e independentemente do cargo que irão disputar. Essa previsão consta do artigo 1º, inciso II, alínea "l", da LC 64/90 e se estende, inclusive, aos servidores temporários, isto é, aquelas pessoas contratadas para atender necessidade temporária de excepcional interesse público.

O mesmo dispositivo legal garante aos servidores públicos o direito à percepção de seus vencimentos integrais durante o período. Existe uma única ressalva, que diz respeito aos funcionários do Fisco, que estão sujeitos ao afastamento não remunerado pelo prazo de seis meses (artigo 1º, II, "d"), desde que tenham competência ou interesse no lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos. Consequentemente, a exceção não atinge os servidores do Fisco que apenas executem o lançamento tributário.

O fato de a LC 64/90 assegurar aos servidores públicos o direito ao recebimento integral de seus vencimentos, durante o período de afastamento, levou a Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul a ingressar com mandado de segurança em prol de seus filiados dirigentes de estabelecimentos de ensino, afirmando seu direito de perceber a remuneração pelo cargo de diretor escolar, durante o afastamento para concorrer ao pleito eleitoral. A decisão prolatada pelo juiz de primeiro grau e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado foi no sentido de que, como o ocupante de cargo ou função comissionada deve se afastar definitivamente destes para concorrer a cargo eletivo, perde o direito à gratificação correspondente ((RMS nº 66.959 – MS).

O entendimento da corte a quo seguiu os ditames da Súmula 54/TSE: "A desincompatibilização de servidor público que possui cargo em comissão é de três meses antes do pleito e pressupõe a exoneração do cargo comissionado, e não apenas seu afastamento de fato".

Por essa razão, a Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso do Sul determinou que os diretores escolares que pretendessem disputar o pleito  no caso, as eleições de 2020  deveriam "pedir destituição do mandato, inclusive renunciando ao direito a figurar no banco reserva de habilitação à função de dirigente escolar".

Tendo a gratificação de dirigente escolar natureza pro labore faciendo, vinculada, pois, a uma situação fática, não mais existindo essa situação, desaparece a razão de ser do correspondente pagamento, sem qualquer violação à regra de percepção dos vencimentos integrais, até porque inexiste qualquer direito de retorno ao cargo, do qual o ocupante se exonerou para concorrer ao pleito eletivo.

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    é subprocuradora-geral da República, ex-vice-procuradora-geral da República e ex-vice-procuradora-geral eleitoral. Foi procuradora-regional eleitoral no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.

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