Opinião

O processo sancionador na LGPD e a necessidade de obediência à LINDB

Autores

  • Gabriel Cosme de Azevedo

    é advogado da Bento Muniz Advocacia formado em Direito Contemporâneo pela Fundação Getúlio Vargas – FGV pós-graduando em Direito Tecnologia e Inovação com ênfase em Proteção de Dados pelo Instituto New Law formado em Mercado Jurídico pela Business School São Paulo (BSP) diretor fundador do Instituto Brasileiro de Proteção de Dados (IBPD) membro da Comissão de Direito Digital Tecnologias Disruptivas e Startups pela OAB-DF membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF e mediador pela Rede Internacional de Excelência Jurídica do Distrito Federal (RIEX-DF).

  • Pedro Ludovico Teixeira

    é advogado da Bento Muniz Advocacia pesquisador do Grupo de Pesquisa de Direito Administrativo Sancionador do IDP graduado pelo IDP com graduação parcial pela Universidade Nova de Lisboa e pós-graduando em Direito Público pela PUC-RS.

6 de agosto de 2021, 13h37

Finalmente, desde o dia 1º deste mês, estão em vigor preceitos normativos de importância imprescindível para aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709 de 14/8/2018), o temido artigo 52, que dispõe a respeito das sanções administrativas aplicáveis àqueles que infringirem a lei em questão, e os artigos 53 e 54 que determinam a sua regulamentação.

Por outro lado, até o presente momento, a regulamentação acerca das sanções administrativas ainda não entrou em vigor. As definições quanto ao modus operandi da fiscalização e do processo administrativo sancionador, da mesma forma.

Identifica-se, portanto, que as sanções que "são estatuídas por uma ordem normativa para garantir sua eficácia", conforme prescreve Kelsen [1], ainda não foram devidamente regulamentadas.

Em consulta ao site do governo federal, em área específica referente à Autoridade Nacional de Proteção de Dados, constata-se que a proposta de regulamentação apresentada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) foi publicada no Diário Oficial em 28/5/2021, com abertura de proposições públicas até 28/6/2021 [2]. As audiências públicas ocorreram recentemente, nos dias 15 e 16/7/2021[3].

Diante da proximidade da entrada em vigor dos artigos 52, 53 e 54, uma pergunta se faz: É razoável e não surpreende os potenciais fiscalizados a entrada em vigor de regulamentação que pode impor multa na ordem de até 2% do faturamento da empresa com teto de R$ 50 milhões pelo entendimento do artigo 52, II, Lei nº 13.709/2018, que trazem inúmeras novidades relacionadas ao processo fiscalizatório e aplicação de sanções?

Além disso, não seria ao menos incompleta a eventual publicação de resolução pendente de regulamentação de termo de ajustamento de conduta, que, caso venha a ser publicada conforme a previsão sugerida do artigo 52, prevê que "o termo de ajustamento de conduta no âmbito do processo administrativo sancionador seguirá regulamentação própria da ANPD e legislação aplicável"?

Feitos esses questionamentos, busca-se aqui analisar a publicação da resolução em proximidade a data de entrada em vigor das sanções, diante dos dispositivos legais prescritos na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4657, de 4/9/1942).

A princípio, impende ressaltar que a prerrogativa sancionatória da Administração Pública, de impor unilateral e imperativamente sanções administrativas, compreende "todo o ciclo regulatório sancionador, o qual compreende o regramento das infrações e sanções administrativas, a fiscalização dos serviços concedidos, e a aplicação e execução das sanções", conforme bem leciona Juliana Bonacorsi de Palma [4].

Para dar completude a esse microssistema sancionador específico da LGPD, ainda estão pendentes de eficácia no plano normativo, como já dito, as regras procedimentais atinentes ao processo administrativo sancionador, assim como as especificidades que serão conferidas as sanções.

A ANPD criará regulamentação que busca, a partir da observância as determinações prescritas na norma, aplicar sanção quando ocorrer violação a um dos três pilares fundamentais: a adequação da empresa perante a LGPD; o uso lícito e específico de tratamento de dados; e a prontidão de atendimento ao titular desses dados pelo controlador.

Espera-se também que à ANPD defina metodologia de verificação dos procedimentos adotados pela empresa no seu processo de adequação e sistema de dosimetria da multa que oriente e motive o valor-base de aplicação.

A imediata implementação da resolução sem indicação de período de vacatio legis, no que se refere à aplicabilidade imediata das sanções e possibilidade de início das fiscalizações, a princípio, não evidenciaria qualquer ilegalidade.

Porém, desde a entrada em vigor da Lei nº 13.655/2018, que alterou substancialmente a LINDB, todo e qualquer entendimento adotado pela Administração Pública referente a determinada norma deve assegurar a observância da segurança jurídica.

O Projeto de Lei nº 7.448/2017 de relatoria do senador Antonio Anastasia, que culminou na edição da Lei nº 13.655/2018, carinhosamente chamado de PL da Segurança Jurídica, buscou dar coerência, transparência e maior fluxo de informações para que as ações públicas se tornassem mais previsíveis e estáveis [5]

Entre as inovações legais, o artigo 23, ao prever que a decisão administrativa que estabelecer interpretação ou nova orientação sobre norma de conteúdo indeterminado deverá prever regime de transição "quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional", é de importância salutar para conferir maior segurança jurídica nas decisões e atos praticados pela Administração Pública, fazendo jus ao apelido conferido ao projeto de lei.

A situação que envolve a eminência da publicação da resolução pela ANPD, disciplinando o processo administrativo sancionador da LGPD, se enquadra exatamente na hipótese legal do artigo 23, ao se tratar de norma de conteúdo indeterminado que deve conter regime de transição.

No mesmo sentido, o artigo 30, da LINDB, ao prever que "as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas", impõe "o dever de incrementar a segurança jurídica por meio de atos regulamentares e não regulamentares, formalizando a segurança e a estabilidade indispensáveis para o Estado de Direito", conforme bem afirma Egon Bockmann Moreira[6].

É bom que se diga que inexiste, ainda, interpretação adotada pela Administração Pública federal concernente ao regulamento que será editado pela ANPD, entretanto, como se trata de novo entendimento a ser conferido pelo poder público, a interpretação teleológica do artigo 23 da LINDB, que orienta às ações da Administração Pública, deve ser observada para que seja ao menos criado regime de transição.

E mais, como a Lei nº 13.709 de 14/8/2018 se trata do comando normativo primário e, seus artigos 53 e 54, obviamente, tornaram possível que a Administração Pública regulamente os dispositivos em questão, é clarividente que se trata de nova orientação a ser adotada pelo poder público a dispositivo legal indeterminado.

O "regulamento autorizado" pela lei é criação autônoma de direito que deve observar os standards genéricos por ela estabelecidos, para dar novo sentido a norma, conforme se depreende das lições de Alexandre de Aragão [7].

Dito isso, considerando a necessidade de observância da LINDB, a premência da publicação da resolução motivou sugestões por parte da Associação Brasileira Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) e do Grupo Enel Brasil para que fosse alterado o artigo 75 da minuta de resolução sugerida pela ANPD, de modo que entrasse em vigor apenas em 31/1/2022 [8], conforme se identifica em consulta às sugestões propostas divulgadas no website do governo federal.

A definição de vacatio legis para entrada em vigor, de fato, da resolução, ou ainda eventual postergação da aplicabilidade dos dispositivos, parecem soluções razoáveis, já que "admitir a mudança como algo vital ao sistema e ao mesmo tempo contemplar mecanismos que dotem de previsibilidade, plausibilidade e graduação" é fundamental, conforme prescreve Floriano de Azevedo Marques Neto [9].

Por se tratar de tema novo, que impacta a vida cotidiana de diversos brasileiros, sejam eles controladores, operadores e titulares, é necessária a adoção de postura educativa e informativa antes do início da ação punitiva-sancionadora, também necessária.

As seguidas postergações da entrada em vigor da LGPD colocam certa expectativa pela necessidade de aplicabilidade imediata das sanções previstas na norma, que entraram em vigor no dia 1º.

Por outro lado, é bom lembrar o velho ditado: "A pressa é inimiga da perfeição", bem como inimiga da segurança jurídica.

 


[1]  KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Tradução de José Florentino Duarte, Porto Alegre, Fabris, 1986, p. 177.

[4] PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na Administração Pública. São Paulo: Editora Malheiros, 2015, p. 87.

[5] PALMA, Juliana Bonacorsi de. A proposta de Lei da Segurança Jurídica na Gestão e do Controle Público e as Pesquisas Acadêmicas. Disponível em: Acesso em: julho de 2021.

[6] MOREIRA, Egon Bockmann, & PEREIRA, Paula Pessoa (2018). artigo 30 da LINDB – O dever público de incrementar a segurança jurídica. Revista De Direito Administrativo, 243-274. https://doi.org/10.12660/rda.v0.2018.77657

[7]  ARAGÃO, Alexandre Santos de Curso de direito administrativo / Alexandre Santos de Aragão. – 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 41 e seguintes.

[9] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. (2018). artigo 23 da LINDB – O equilíbrio entre mudança e previsibilidade na hermenêutica jurídica. Revista De Direito Administrativo, 93-112. https://doi.org/10.12660/rda.v0.2018.7765

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