Chacina sem respostas

15 anos depois dos "crimes de maio", CIDH acolhe denúncia contra o Estado brasileiro

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6 de agosto de 2021, 18h32

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), acolheu denúncia da Defensoria Pública, da Conectas Direitos Humanos e de entidades da sociedade civil e irá investigar as mortes ocorridas no contexto dos chamados "crimes de maio", que ocorreram em maio de 2006.

Marcos Oliveira/Agência Senado
Movimento Mães de Maio defende responsabilização pelos crimes de 2006
Marcos Oliveira/Agência Senado

Até hoje, 15 anos depois dos crimes, as autoridades públicas ainda não esclareceram as centenas de execuções praticadas por grupos de extermínio nas periferias de São Paulo, entre os dias 12 e 21 de maio de 2006. O episódio deixou mais de 500 mortos, na maioria jovens e negros, além de pelo menos quatro pessoas que estão desaparecidas desde então.

Em 2015, a Defensoria Pública, por meio de seu Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos, e a Conectas enviaram uma petição à CIDH pedindo que o governo brasileiro seja cobrado pela execução de nove pessoas que não tinham antecedentes criminais, incluindo uma mulher grávida.

Na petição apresentada, a Defensoria apontou agressões e assassinatos, atos de intimidação e detenção arbitrária, bem como falhas investigativas e de processamento dos crimes, que teriam resultado em impunidade.

No relatório emitido, a CIDH pontuou que os fatos caracterizam uma possível violação de direitos humanos. Segundo o documento, as considerações do Estado brasileiro sobre se houve uso racional da força pública ou sobre a falta de elementos suficientes para atribuir as mortes a agentes estatais poderão ser examinadas na etapa de mérito e não tem o condão de tornar a petição inadmissível.

"Os elementos trazidos pelas partes indicam que, mais de 15 anos após as mortes, os crimes permanecem sem solução. Sem prejulgar o mérito, há indícios suficientes de que esse transcurso de tempo não encontra justificativa fática ou jurídica. Neste sentido, são ilustrativos tanto os elementos trazidos pela parte peticionária relacionados aos limites das investigações policiais realizadas, quanto à profusão de medidas informadas pelo Estado sem que tivesse sido possível, após tanto tempo, esgotar as linhas investigativas e realizar as diligências necessárias para solucionar os crimes em comento", disse a Comissão.

Dessa forma, a CIDH entendeu que se aplica ao caso a exceção à regra do esgotamento dos recursos internos prevista no artigo 46.2 da Convenção Americana de Direito Humanos.

A Comissão também concluiu que as alegações feitas pela Defensoria Pública requerem um estudo de mérito pois, "se corroborados como certos, podem caracterizar violações aos direitos à vida, integridade pessoal, liberdade pessoal, garantias judiciais, direitos da criança e do adolescente, proteção judicial, previstos na Convenção Americana".

"Como a própria OEA reconhece em seu relatório, não há qualquer justificativa para até hoje não haver resposta do Estado aos Crimes de Maio, que são um marco da impunidade da violência policial no Brasil. O caso apresentado pela Defensoria relata a execução sumária de 9 jovens que não tinham qualquer antecedente criminal e foram alvos de ações da polícia simplesmente por serem negros e habitarem regiões periféricas da cidade. As investigações tiveram diversas falhas e, após 15 anos, não houve qualquer responsabilização. Assim, a decisão da OEA é um marco importante para reverter essa situação", afirmou a Defensora Pública Fernanda Penteado Balera, Coordenadora auxiliar do NCDH.

Em maio deste ano, as mesmas entidades cobraram a responsabilização do Estado pelos desaparecimentos de quatro pessoas durante o massacre de 2006, essa ainda aguarda a análise de admissibilidade.

Crimes sem resolução
As investigações sobre as mais de 500 mortes nunca foram concluídas. Em 2009, a Conectas pediu à Procuradoria-Geral da República a federalização de um dos casos mais emblemáticos dos "crimes de maio": a chacina do Parque Bristol. A transferência para a esfera federal permitiria que as investigações fossem reabertas e promovidas por peritos independentes do Ministério Público Federal e pela Polícia Federal.

Somente em maio de 2016, dez anos após os assassinatos, o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, acatou a solicitação e apresentou ao Superior Tribunal de Justiça o pedido de federalização. O caso segue sem julgamento.

A Defensoria Pública também atua nos casos envolvendo os desaparecimentos e mortes ocorridas em maio de 2006, tendo ingressado com oito ações de indenização por danos morais e materiais contra o estado de São Paulo, em favor dos familiares das vítimas, das quais três tiveram resultados favoráveis.

Em 2018, a Defensoria Pública e o Ministério Público ajuizaram uma ação civil pública contra o estado de São Paulo, também com objetivo de fazer com que os "crimes de maio" sejam reconhecidos como grave violação de direitos humanos e que seja feito pagamento de indenizações por danos morais individuais e coletivos. Após decisões de primeira e segunda instâncias que apontaram a prescrição dos casos, houve recursos aos tribunais superiores que ainda não foram analisados.

Clique aqui para ler o relatório da CIDH

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