Processo Tributário

Mandado de segurança repressivo versus ação anulatória de débito fiscal (Parte 1)

Autores

  • Danilo Monteiro de Castro

    é advogado doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do Ibet juiz do TIT-SP pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e integrante do grupo de trabalho de Direito Processual Tributário do IBDP.

  • Vanessa Damasceno Rosa Spina

    é advogada especialista em Direito Tributário pelo Ibet mestranda em Direito Tributário pela FGV pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

1 de agosto de 2021, 8h00

Na sequência de artigos publicados nesta ConJur (aqui e aqui), temos procurado demonstrar que o mandado de segurança, instrumento processual-constitucional colocado à disposição dos cidadãos, desempenha importante papel na defesa dos direitos dos contribuintes que se encontram à mercê de atos de autoridade fiscais perpetrados ao arrepio da lei.

Tais atos — incluído aquele que formaliza a obrigação tributária em sentido estrito (o lançamento tributário) — estão inseridos numa cadeia de concretização normativa que tem início com o exercício das competências constitucionais tributárias e que só termina por ocasião da extinção do crédito tributário, tendo sido ele satisfeito ou não.

Nesse ínterim, muitos "atos" que justificariam, em tese, questionamentos judiciais, são praticados por ambos os sujeitos de Direito Tributário, cada qual com potencial de geração de tipos específicos de conflituosidade que serão determinantes para se averiguar não só a viabilidade do mandamus, mas, também, a espécie de mandado de segurança (preventivo, repressivo ou reparador) a ser manejado. 

Rodrigo Dalla Pria, de forma clara e objetiva, muito bem aponta que "a depender da etapa que se encontra o ciclo de concretização das competências normativo-tributárias, diferentes formas processuais surgirão".

Essa multiplicidade de possibilidades é verificável também na hipótese de conflitos surgidos em razão de atos formalizadores do crédito tributário (lançamentos tributários em sentido amplo), ocasiões em que, quase que intuitivamente, pensa-se na utilização da ação anulatória de débito fiscal como o instrumento mais adequado à extirpação do estado de conflituosidade.

A despeito disso, nessas mesmas circunstâncias, além da via processual comum acima referida, também é possível vislumbrar a utilização, pelo sujeito passivo tributário, da excepcional via do mandado de segurança, a ser manejado em sua forma "repressiva".

Em que pese essas duas ferramentas processuais tenham muito em comum — a etapa do ciclo de concretização em que ambas são manejáveis e os efeitos desconstitutivos da tutela jurisdicional por elas produzidas —, deve-se ter cuidado com a escolha de cada qual, mormente em face da necessidade de identificação dos requisitos intrínsecos de procedimentalidade que viabilizam a impetração do mandado de segurança, quais sejam: 1) o ato de autoridade; e o 2) direito líquido e certo.

A pedra de toque para o uso do mandado de segurança repressivo é, sem dúvida alguma, a efetiva concretização de um ato de autoridade, in casu, um ato de autoridade fiscal. Por mais corriqueiro que possa parecer, a presença desse requisito nem sempre é analisada com o devido cuidado.

Isso porque, no sistema tributário vigente o ato de constituição do crédito tributário, o assim chamado "lançamento tributário", pode se materializar por intermédio de regimes procedimentais desencadeados por um, por outro ou por ambos os sujeitos de Direito Tributário, dando origem a três tipos de "atos de lançamento": o de ofício (de atribuição do sujeito ativo); por homologação (de atribuição do sujeito passivo); e por declaração (com participação de ambos os sujeitos de Direito Tributário) — artigos 147 a 150 do CTN [1].

Atualmente, a espécie de ato constitutivo do crédito tributário mais comum, pois aplicável à quase totalidade dos tributos existentes, é o chamado lançamento por homologação, prevista no artigo 150 do CTN, e que tem por característica principal o fato de ser oriundo de atos de iniciativa exclusiva do sujeito passivo tributário (Súmula 436 do STJ).

É essa característica fundamental do lançamento por homologação — não consubstanciar verdadeiro ato de autoridade, pois praticado pelo sujeito passivo — contudo, que inviabiliza, em princípio, que os tributos exigidos sob esta específica forma de lançamento sejam questionados pela via do mandado de segurança.

E dizemos "em princípio" pois, mesmo os tributos sujeitos à sistemática do lançamento por homologação podem vir a ser — e comumente o são — constituídos por lançamentos de ofício realizados em caráter substitutivo ao primeiro (artigo 149, inciso II, do CTN), o que ocorre sob o pretexto da verificação de omissões (parciais ou totais) por parte sujeito passivo

São nessas específicas circunstâncias que exsurgem os chamados "autos de infração", verdadeiros lançamentos de ofício produzidos em caráter substitutivo, os quais, por serem emanados de autoridades fiscais, são plenamente impugnáveis pela via do mandado de segurança repressivo.

 


[1] O termo "lançamento" é utilizado neste artigo para indicar tanto a constituição do crédito tributário pelo Fisco quanto pelo contribuinte. Não desconhecemos, porém, as diferenças a elas pertinentes, em especial a vinculação, pelo legislador, deste termo (lançamento) como ato privativo da autoridade administrativa (artigo 142, CTN). Sobre isso, ensina Paulo de Barros Carvalho: "Por sem dúvida que são atos diversos, porque praticados por sujeitos diferentes, debaixo de normas competenciais também distintas e, desse modo, sotopondo-se a regimes jurídicos que não são exatamente os mesmos, o que legitima a imposição de nomes aptos para discerni-los. No fundo, porém, apesar das dessemelhanças, ambos os atos são ponentes de normas individuais e concretas no ordenamento do direito positivo, e disso não podemos esquecer." (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 9ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2012, p. 300/301).

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