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Tribunal Especial Misto aprova impeachment e destitui Witzel do governo do RJ

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30 de abril de 2021, 17h13

O Tribunal Especial Misto (TEM), por unanimidade, aprovou nesta sexta-feira (30/4) o processo de impeachment do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e o destituiu definitivamente do cargo. Com isso, Cláudio Castro (PSC) assumirá o cargo permanentemente. Além disso, a corte ad hoc condenou o ex-juiz federal à inabilitação para exercer funções públicas por cinco anos.  

Antonio Cruz / Agência Brasil
Deputados e desembargadores concluíram que Witzel cometeu crimes de responsabilidade
Antonio Cruz/Agência Brasil

Witzel tornou-se o segundo governador da história do Brasil a sofrer impeachment. O primeiro foi Muniz Falcão, destituído do governo de Alagoas em 1957.

Todos os dez integrantes do TEM votaram pela condenação de Witzel por crimes de responsabilidade em fraudes na compra de equipamentos e celebração de contratos durante a epidemia de coronavírus: os deputados estaduais Waldeck Carneiro (PT), relator, Carlos Macedo (Republicanos), Chico Machado (PSD), Alexandre Freitas (Novo) e Dani Monteiro (Psol); e os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio José Carlos Maldonado, Fernando Foch, Teresa Castro Neves, Inês da Trindade e Maria da Glória Bandeira de Mello.

Os deputados e desembargadores concluíram que Witzel cometeu atos ilícitos ao promover, em março de 2020, a requalificação da organização social (OS) Unir Saúde para firmar contratos com o estado e ao contratar a OS Iabas para construir e administrar sete hospitais de campanha anunciados pelo governo no início da epidemia de Covid-19.

Para os julgadores, o ex-governador cometeu os crimes de responsabilidade de atentar contra a Constituição Federal, especialmente contra a probidade na administração (artigo 4º, V, da Lei 1.079/1950), e de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (artigo 9º, 7, da Lei 1.079/1950).

A Unir Saúde havia sido proibida de prestar serviços para o estado do Rio após a Secretaria de Saúde identificar diversas irregularidades na manutenção de unidades de pronto atendimento (UPAs) e na prestação de contas. Porém, Witzel, contra parecer da Subsecretaria Jurídica da Saúde, reabilitou a empresa e autorizou o pagamento de contratos inexistentes a ela no valor de R$ 7 milhões. Em troca, o empresário Mario Peixoto, apontado como dono da OS, fez pagamentos ao escritório da ex-primeira dama Helena Witzel por serviços que não prestados, segundo a denúncia, apresentada pelo deputado estadual Luiz Paulo (Cidadania).

Já a Iabas foi contratada, de forma superfaturada, conforme a acusação, por R$ 850 milhões. Contudo, entregou apenas dois dos sete hospitais de campanha que havia se comprometido a construir.

A defesa de Witzel, comandada pelos advogados Bruno Albernaz e Eric de Sá Trotte, argumentou que a requalificação da Unir Saúde foi baseada no bem da população fluminense, uma vez que ela estava em situação melhor do que outras organizações sociais. Além disso, os advogados sustentaram que não há provas de que o ex-governador agiu dolosamente ao contratar a Iabas, e não há crime de responsabilidade na modalidade culposa.

A assessoria de imprensa de Mário Peixoto afirmou à ConJur que o empresário não é dirigente da Unir nem possui algum vínculo administrativo com a entidade. Portanto, não tem relação com desvios na saúde do Rio de Janeiro.  

"Reiteramos também a fala de Witzel na entrevista realizada a Veja, na qual ele afirma ao ser perguntado se o empresário era financiador de sua campanha: 'Na verdade, não. Aliás, não há nada comprovado contra ele no esquema da Saúde'. Ou seja, o empresário não tem qualquer ligação com o governador afastado. Ainda, negamos qualquer ligação com a sua esposa e aos pagamentos a seu escritório no qual nunca foi comprovado. Por fim, Mário Peixoto não responde a nenhuma ação por desvios de dinheiro público, muito menos na Saúde", disse a assessoria de Peixoto.

Votos pela condenação
O relator do caso, deputado Waldeck Carneiro, apontou que Wilson Witzel, ao requalificar a Unir Saúde contra parecer jurídico, procedeu contra a dignidade e o decoro do cargo. "No exercício da função pública, não se pode privilegiar interesses privados em detrimento dos interesses públicos".

De acordo com Carneiro, é inverossímil que Witzel não soubesse de irregularidades na contratação da Iabas, pois era o maior acordo de seu governo e sua maior missão no momento — a de combater a epidemia. Além disso, a OS possui estreita ligação com o Pastor Everaldo, presidente do PSC, partido de Witzel.

Para o deputado, Witzel "agiu de modo oposto ao que se espera de um governante e líder, de cuidar e representar os interesses da população". A seu ver, a culpabilidade de Witzel é ainda maior devido ao fato de ele ser conhecedor das leis, pois foi juiz, e pelo fato de seus atos terem contribuído para o número de mortos por Covid-19 no Rio.

O desembargador José Carlos Maldonado afirmou que o ex-governador agiu de forma ilegal ao requalificar a Unir Saúde.  

"Witzel, sem qualquer base legal ou fundamento jurídico idôneo, deu provimento ao recurso administrativo da Unir Saúde para revogar a desqualificação da OS. Não houve qualquer análise técnica ou financeira ou auditoria. Prevaleceu apenas a vontade pessoal e política do governador. Ato foi ímprobo, imoral e desarrazoado", disse o magistrado, que também entendeu ter ficado provada a participação do político na contratação da Iabas.

"Não foram apenas mil respiradores comprados por preços superfaturados, mas também desvios de valores correspondentes a toda a montagem e funcionamento dos hospitais de campanha para abrigar esses e outros materiais, frutos da ganancia, sem que importassem as filas, as pessoas, o público em geral e a luta contra a morte nos corredores e enfermarias superlotados, sem a menor expectativa de a população fluminense ser bem atendida. Para mim, é o que basta."

Já o deputado Carlos Macedo declarou que a defesa não demonstrou que Witzel agiu para corrigir ou atenuar os efeitos da equivocada contratação da Iabas para a construção e posterior gestão dos hospitais de campanha. Nem que houvesse razões legítimas para reabilitar a Unir Saúde.

"A alta administração pública do estado do Rio de Janeiro, o governo chefiado pelo denunciado [Wilson Witzel], se deixou envolver por verdadeiras quadrilhas, que tomaram de assalto a coisa pública", opinou o desembargador Fernando Foch.

Conforme o magistrado, setores da máquina administrativa foram loteados entre Mário Peixoto, Pastor Everaldo e os empresários Edson Torres e José Carlos de Melo, que distribuíam contratos na área da saúde a entidades de interesse deles.

Foch ressaltou Witzel tinha o dever de fiscalizar seus auxiliares e que desrespeitou os princípios da moralidade e impessoalidade administrativa ao ser desleal com os fluminenses.  

A desembargadora Teresa de Castro Neves destacou que se Witzel não sabia que havia um esquema criminoso na área da saúde, ele não fez o que se exige de um governador.

"Não há como se fechar os olhos para tamanha irregularidade", disse a magistrada. Na visão dela, se o político deixou de agir após saber de irregularidades, aceitou participar do esquema.

O deputado Alexandre Freitas foi o único a considerar que não ficou provado que Witzel participou diretamente da contratação da Iabas — segundo ele, os responsáveis pela escolha da OS foram Edmar Santos e Gabriell Neves, respectivamente, ex-secretário e subsecretário da Saude. Por isso, votou por proibir o ex-governador de ocupar cargos públicos por quatro anos, e não cinco, pena estabelecida por maioria do TEM.

No entanto, Freitas ressaltou claro que os relatórios da Polícia Federal deixam claro os vínculos entre Witzel e Mário Peixoto, e que o empresário era sócio oculto da Unir Saúde. "Os fatos aniquilam a tese de que o denunciado teria agido de forma lícita. Tanto as imputações e as provas estão nos autos desde a origem, e os depoimentos apenas reforçaram elas."  

Por sua vez, a desembargadora Inês Trindade afirmou que um processo de impeachment é sempre traumático para a sociedade, mas e uma medida necessária para estancar esquemas de corrupção. "A sociedade não pode viver a sensação de que, quando o assunto é corrupção no Brasil, a história se repete."

A magistrada ainda criticou o fato de Witzel ter se vendido como outsider da política nas eleições de 2018. "Registra que o acusado recebeu quase R$ 1 milhão antes das eleições, caso fosse. Se Witzel gostaria de dar uma nova cara ao Rio, teria que se afastar de famosos figurões do estado. A decisão de requalificação foi desprovida de total motivação diante de tantas provas contrárias à gestão da empresa. Diante do ato de requalificação, conclui-se que há provas que a decisão está imaculada pela improbidade."

"É lamentável que, em meio a maior pandemia dos últimos 100 anos, tenhamos que julgar o impedimento de Wilson Witzel", disse a deputada Dani Monteiro. Segundo a parlamentar, as práticas ilícitas do ex-juiz custaram milhares de vidas de cidadãos fluminenses.

Dani rebateu o argumento da defesa de que o subsecretário de Saúde Gabriell Neves cometia os crimes sem o conhecimento de Witzel. "Raramente os líderes das facções são responsáveis pelas tratativas, que são delegadas para subalternos em uma tentativa de se distanciar caso o crime seja descoberto", apontou a deputada, que também defendeu o fim do modelo de unidades de saúde administradas por organizações sociais.

Última a votar, a desembargadora Maria da Glória Bandeira de Mello avaliou que, devido ao volume financeiro e importância da contratação da Iabas, não dá argumentar que Witzel não sabia das irregularidades da medida.

Ascensão e queda
Com quase 5 milhões de votos no segundo turno das eleições de 2018, o que equivale a 59,66% do total, o ex-juiz federal Wilson Witzel foi eleito governador do estado do Rio de Janeiro em sua primeira disputa eleitoral.

No primeiro turno, Witzel surpreendeu e assumiu a liderança entre os candidatos na semana anterior ao pleito. O ex-juiz passou boa parte do primeiro turno com menos de 5% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais. Mas, em 7 de outubro, data da primeira rodada, teve 3,15 milhões de votos.

No segundo turno, liderou toda a corrida eleitoral, apesar de Eduardo Paes (DEM) ter se aproximado no final. O ex-prefeito do Rio obteve pouco mais de 3 milhões de votos, o que representa 40,34% do total.

Como candidato, Witzel prometeu agir da mesma que forma exerceu a magistratura: duro na aplicação da lei e rigoroso com a defesa. É uma postura que por vezes transbordou em autoritarismo, contam advogados, mas que resultou em boa fama entre os pares. Ao atuar como magistrado por 17 anos, Witzel também colecionou polêmicas por ter acumulado benefícios recebidos como juiz e professor.

Ele cumpriu algumas de suas promessas eleitorais, especialmente a de autorizar policiais a "abaterem" pessoas que portem fuzis, sem responder por homicídio. Para Witzel, nesse cenário, o agente de segurança estaria agindo em legítima defesa.

Em 2019, único ano completo de seu governo, policiais mataram 1.643 pessoas no estado — o recorde da série histórica do Instituto de Segurança Pública do Rio.

De acordo com estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), havia uma tendência de diminuição do número de mortos em operações policiais que foi drasticamente revertida em 2019 "por uma orientação política deliberada e explícita de estímulo à letalidade policial". 

"Os agentes policiais foram encorajados a atuar de maneira brutal por meio de declarações públicas de autoridades, que colaboram para crescimento da letalidade policial observado. No entanto, nos parece que o dado mais significativo foi a extinção da Secretaria de Segurança, o que inviabilizou o controle político da autoridade eleita sobre as ações policiais, conferindo maior autonomia às polícias e enfraquecendo os controles internos das mesmas, fato reforçado por um controle externo praticamente inexistente. Nesse contexto, a restrição das operações policiais diminuiu de forma importante o número de operações e, consequentemente, a letalidade policial, mas não logrou diminuir a letalidade das operações policiais que ocorreram em 2020", aponta a pesquisa.

*Texto alterado às 19h47, às 20h54 e às 21h02 do dia 30/4/2021 e às 14h35 do dia 2/5/2021 para acréscimo de informações.

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