Opinião

Análise e consequências da derrubada do veto ao artigo 112, §7º, da LEP

Autores

  • Rodrigo Duque Estrada Roig

    é defensor público do Estado do Rio de Janeiro especialista em Execução Penal e Direito Penitenciário pela Universidade de Barcelona doutor em Direito Penal pela UERJ pós-doutor em Direito Penitenciário junto à Universidade de Bolonha professor do curso de pós-graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública da UERJ e professor do curso de pós-graduação em Ciências Penais da Ucam/RJ.

  • André Giamberardino

    é defensor público do Estado do Paraná professor dos programas de pós-graduação em Direito e em Sociologia da UFPR e doutor em Direito pela UFPR com estágio pós-doutoral na Universidade de Columbia.

30 de abril de 2021, 13h46

Aprovada pelo Poder Legislativo no bojo do chamado pacote "anticrime", a Lei 13.964, de 2019, foi sancionada com vetos pela Presidência da República. Um dos vetos, que recaía sobre a inserção de novo parágrafo (§7º) no artigo 112 da Lei de Execução Penal, foi derrubado no último dia 19, em sessão conjunta do Congresso Nacional, com consequências importantes para a progressão de regime e toda a disciplina do Direito de execução penal.

O novo parágrafo 7º deve ser lido em conjunto ao anterior (§6º), este já sancionado em 2019:

"§6º. O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente.
§7º. O bom comportamento é readquirido após um ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito".

O dispositivo teve como origem um substitutivo apresentado em plenário da Câmara dos Deputados em 4/12/2019, na análise do PL 10.372/2018. No Senado, foi objeto do artigo 4º do projeto de Lei nº 6.341, de 2019, sendo, enfim, vetado pelo presidente da República, com a seguinte razão: "A propositura legislativa, ao dispor que o bom comportamento, para fins de progressão de regime, é readquirido após um ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito, contraria o interesse público, tendo em vista que a concessão da progressão de regime depende da satisfação de requisitos não apenas objetivos, mas, sobretudo de aspectos subjetivos, consistindo este em bom comportamento carcerário, a ser comprovado, a partir da análise de todo o período da execução da pena, pelo diretor do estabelecimento prisional. Assim, eventual pretensão de objetivação do requisito vai de encontro à própria natureza do instituto, já pré-concebida pela Lei nº 7.210, de 1984, além de poder gerar a percepção de impunidade com relação às faltas e ocasionar, em alguns casos, o cometimento de injustiças em relação à concessão de benesses aos custodiados".

O próprio texto do veto indica contrariedade à "objetivação do requisito" para progressão de regime. Uma vez derrubado o veto, é possível sustentar que tal objetivação ocorreu, mas nos seguintes termos: a classificação disciplinar do comportamento como bom ou mau segue relevante para outros fins (exemplo: concessão de regalias), mas não para análise judicial dos direitos de execução penal, nos quais prevalece, agora, um requisito subjetivo com parâmetros objetivos de aferição.

É que embora o sistema progressivo tenha, de fato, um componente disciplinar inseparável de sua construção histórica — vale lembrar que o Código Penal segue falando em "mérito do condenado" no artigo 33, §2º, —, a leitura conjunta ao parágrafo anterior (artigo 112, §6º) esclarece que mudou a forma de impacto do mau comportamento. Sabe-se que o requisito subjetivo para a progressão de regime é a boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento (§1º do artigo 112, da LEP). O cometimento de falta grave segue repercutindo direta e significativamente sobre a progressão de regime, na medida em que interrompe o prazo e reinicia a contagem do requisito objetivo. Mas apenas isso. Não é correto dizer, portanto, que a mudança esvazia o requisito subjetivo disciplinar. Ela certamente traz maior objetividade e impessoalidade à atribuição de consequências jurídicas ao requisito, algo sempre saudável em uma democracia.

Se o veto presidencial expressamente combatia a suposta objetivação do requisito e se este foi derrubado pelo Congresso Nacional, outra solução não resta senão reconhecer que o requisito subjetivo para progressão é atendido após um ano da ocorrência da falta grave, ou antes, se o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito ocorrer durante esse período depurador.

Esse entendimento se alinha perfeitamente à sistemática do livramento condicional, estabelecida no artigo 83, III, "b", do CP, ao exigir para o livramento o não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses. A partir da rejeição do veto presidencial ao §7º do artigo 112, passou a existir mais sistematicidade, proporcionalidade e linearidade no tratamento legal entre progressão de regime e livramento condicional, alinhamento este também realizado com os institutos da comutação de pena e indulto, cujo histórico requisito subjetivo é o não cometimento de infração disciplinar de natureza grave, nos 12 meses anteriores à data de publicação do decreto.

Vejamos alguns pontos de ordem prática sobre a alteração legislativa do artigo 112, §7º, da LEP:

1) O termo "fato" deve ser entendido de maneira restrita: a redação abarca apenas as faltas disciplinares de natureza grave, jamais as médias ou leves. Isso se deve tanto à relação existente com o §6º do artigo 112, como pela violação dos princípios da legalidade e proporcionalidade nos casos de faltas médias ou leves produzirem consequências de direito material sem base legal expressa nesse sentido.

2) Quanto à forma de cálculo: se houver o cumprimento do requisito temporal antes de um ano da falta grave, a pessoa também readquirirá o bom comportamento, como está agora expresso, e poderá obter a progressão. Este requisito temporal é calculado com base na pena remanescente e a partir de nova data-base correspondente à data da última falta, considerando que, segundo disposto no §6º, o cometimento de falta grave interrompe a contagem.

3) Quanto à aplicação da lei no tempo: entendemos, a propósito, que a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no §6º não deve retroagir, posto que se trata de alteração de direito material mais gravosa (Roig, Rodrigo Duque Estrada. "Execução Penal: Teoria Crítica". 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, 2021, p. 33; Giamberardino, André. "Comentários à Lei de Execução Penal". 2ª ed. Belo Horizonte: Editora CEI, 2020, p. 206), carecendo de fundamento legal o entendimento anterior, embora majoritário (expresso, por exemplo, na Súmula 534/STJ). De qualquer forma, independentemente da interpretação que se dê à aplicação do §6º, sem dúvida o §7º retroage, sendo mais benéfico.

4) A segunda metade do §7º alcança os demais direitos da execução penal: sustentamos que a recuperação do bom comportamento após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do respectivo direito contempla os demais direitos que têm, entre seus requisitos, a aferição de bom comportamento, tais como o livramento condicional e a saída temporária. Atendendo à sistematicidade e à proporcionalidade que devem reger o Direito de execução penal, não faria sentido ser diferente, até porque a mesma conduta — uma única falta grave — não pode ter tratamento jurídico distinto em relação a requisito idêntico, previsto para um e para outro direito. Desse modo, por exemplo, não é possível que a pessoa presa recupere o bom comportamento para fins de progressão de regime e, por conta da mesma falta, tenha mau comportamento para fins de livramento condicional.

5) Interpretação lógica para limitar os efeitos temporais da interrupção da contagem do requisito objetivo prevista no artigo 112, §6º, da LEP: se o cumprimento do requisito temporal de progressão antes de um ano da falta grave faz com que a pessoa presa readquira o bom comportamento, como está legalmente expresso no §7º, é de se concluir que a lógica inversa também deva ocorrer. Nesse sentido, se o bom comportamento é readquirido após um ano da ocorrência da falta grave (primeira parte do §7º), a postergação do alcance do requisito objetivo para progressão em decorrência da falta grave (§6º) não pode ser superior a um ano. Se o requisito objetivo da progressão pode legalmente limitar o requisito subjetivo, este também pode balizar aquele, limitando a um ano a postergação do prazo de uma nova progressão após a interrupção por falta grave prevista no artigo 112, §6º, da LEP. Portanto, para essa tese, a data da nova progressão após a interrupção do prazo por falta grave não pode ser posterior a um ano da data anteriormente prevista para progressão.

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