Opinião

A boa-fé do servidor público: uma análise sistêmica

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

30 de abril de 2021, 19h18

O Superior Tribunal Federal julgou tema afetado em recurso repetitivo, o Tema 1009, firmando a tese de que "os pagamentos a servidores públicos, decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei, estão sujeitos à devolução, a menos que o beneficiário comprove a sua boa-fé objetiva, especialmente com a demonstração de que não tinha como constatar a falha" [1].

Nesse sentido, a corte superior justificou que a presença da boa-fé objetiva deve ser analisada no caso concreto a fim de evitar o enriquecimento sem causa previsto no artigo 884 do Código Civil.

Diferentemente do estabelecido no Tema 513, segundo o qual "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público" [2], firmou-se que no caso trazido no Tema 1009 se tratou da existência de erro perceptível, razão pela qual, conforme já mencionado no parágrafo anterior, seria necessária a análise da boa-fé na conduta do servidor público, uma vez que a vedação do enriquecimento ilícito é considerada um princípio geral do Direito.

Na mesma direção, o julgado trouxe ainda a diferenciação entre erro operacional e o erro de interpretação da lei previsto no Tema 531, o qual traz a boa-fé objetiva do servidor público de forma, isso porque no erro operacional, ante a maior facilidade em ser constatado pelo servidor, razão pela qual se faz necessária a análise casuística da boa-fé objetiva do servidor público.

Um último ponto abordado diz respeito à necessidade de observância do princípio da dignidade da pessoa humana, norteador da Constituição Federal, uma vez que o julgado previu possibilidade de que o desconto seja realizado mensalmente, no percentual de 10% da remuneração do servidor.

Dessa forma, ainda que haja opiniões diversas acerca do assunto, sob o fundamento de que a boa-fé objetiva é sempre presumida, mesmo que se admita prova em contrário, deve-se observar que as situações tratadas no Tema 1009/STJ se referem a situações em que não haja divergência de interpretação, como ocorre no Tema 531/STJ, assim, a presunção da boa-fé objetiva deve ser analisada de forma conjugada com os demais princípios gerais do Direito, a exemplo do enriquecimento sem causa e ainda o princípio da dignidade da pessoa humana.


[1] Tema 1009: www.stj.jus.br.

[2] Tema 531: www.stj.jus.br.

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    é juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília – Uniceub, coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do Centro Universitário de Brasília – Uniceub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura – Enfam.

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