Má-fé processual

Toffoli critica texto pago por escritório contra decisão sobre prazo de patentes

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29 de abril de 2021, 17h39

O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli criticou, nesta quinta-feira (29/4), o advogado Otto Banho Licks, sócio do Licks Attorneys, por publicar reportagens pagas em jornais defendendo a prorrogação automática do prazo de patentes caso o trâmite de aprovação delas demore muito tempo e criticando decisão do magistrado.

Fellipe Sampaio/STF
Toffoli criticou matérias pagas por escritório sobre prorrogação de prazos de patentes
Fellipe Sampaio/STF

A medida está prevista no parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996). O dispositivo prevê que, caso o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) demore para analisar pedidos de patente — por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior —, ela pode ter seu prazo prorrogado.

A Procuradoria-Geral da República moveu ação direta de constitucionalidade contra o dispositivo. Toffoli, o relator do caso, suspendeu liminarmente, em 7 de abril, a aplicação da prorrogação de prazo às patentes, mesmo que pendentes, de produtos farmacêuticos e materiais de saúde, que só poderão vigorar por 15 anos (modelo de utilidade) e 20 anos (invenção).

Em sustentação oral na sessão desta quarta (28/4) em nome da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), que é amicus curiae na ação, Otto Banhos Licks defendeu a regra do parágrafo único do artigo 40 e criticou a liminar de Toffoli.

“É o prazo de vigência que permite o investimento em novas fábricas, produtos e serviços. É o prazo de vigência que o BNDES leva em consideração para dar empréstimos. Prestigiar 16 ações judiciais nunca citadas nos autos e fomentar a judicialização em sede de modulação de alfaiataria viola a impessoalidade”.

No fim da sessão de quarta, Toffoli repudiou a fala do advogado. “É um desrespeito usar a tribuna do Supremo para tratamentos desleais com a mais alta corte do país”.

Licks pediu a palavra no começo da sessão desta quinta e pediu desculpa. “Gostaria de formalizar sincero e veemente pedido de desculpas a vossas excelências, especialmente ao relator, ministro Dias Toffoli, pelos termos que usei. Nunca tive a intenção de desrespeitar a Suprema Corte e o voto de Toffoli”.

Mas o ministro não se deu por satisfeito e questionou duas reportagens pagas pelo escritório Licks Attorneys em defesa da prorrogação automática do prazo de patentes caso o trâmite de aprovação delas demore muito tempo.

A primeira dela foi publicada em 1º de abril no jornal Valor Econômico, com o título “Mudança na Lei de Patentes ameaça economia” e o subtítulo “Se STF julgar Adin procedente, setores como telecom, agro e biotecnologia serão afetados”.

A segunda foi publicada nas edições de 22 de abril dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Neste veículo, saiu com o título “Dia decisivo para o futuro da inovação” e o subtítulo “Julgamento do STF marcado para hoje pode eliminar proteções fundamentais da Lei de Patentes, com efeitos imediatos”. O texto critica a decisão de Toffoli, afirmando que ela “não traz qualquer proteção para os pedidos em andamento, mesmo aqueles que já ultrapassaram dez anos de análise e que fariam jus ao prazo previsto no parágrafo único”.

“Isso representaria um grande golpe contra a capacidade criativa e de inovação da economia brasileira. Atingiria em cheio projetos de novos produtos e serviços não apenas da iniciativa privada, em diversos setores da economia, mas das mais importantes universidades e instituições de pesquisa, como fica claro pela lista dos oito maiores detentores de patentes no Brasil. Além da Petrobras e da Embrapa, o seleto grupo é integrado por quatro universidades – Unicamp, USP, UFMG e UFRJ – e duas fundações de amparo à pesquisa, a de São Paulo e a de Minas Gerais”, conclui o texto patrocinado pelo escritório.

“Foi o eminente advogado que pagou essas matérias como informes publicitários?”, perguntou Toffoli. Otto Licks respondeu que são matérias feitas em conjunto com órgãos e diferentes associações e titulares de patentes.

“Ou seja, não são matérias jornalísticas, são matérias pagas. Seja objetivo na resposta”, disse o ministro. O advogado lembrou que os textos passam pelo crivo editorial dos jornais e que são diferentes de meras peças publicitárias. “Mas o nome Licks está lá. Vou oficiar o jornal. Tem a responsabilidade de vossa excelência e do seu escritório”, declarou o magistrado.

Segundo Toffoli, os textos configuram a infração disciplinar de “fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes”, prevista no artigo 34, XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

“Se isso vira moda, daqui a pouco vão colocar ataques a decisões no jornal, no rádio, na televisão. Isso é deslealdade com outros advogados e outras partes, pois manifestações têm que ocorrer nos autos. Por isso seria importante a publicação de matéria de página inteira pedindo desculpas”, opinou o magistrado.

“Críticas são normais e importantes para o avanço da hermenêutica e da jurisprudência. Mas o que não se pode tolerar é matéria paga em meios de comunicação por partes ou advogados da causa. Isso é má-fé processual, é deslealdade processual”, avaliou Toffoli.

ADI 5.529

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