Opinião

Big techs e informação: a lei australiana e o projeto brasileiro

Autor

  • Plínio Saraiva Melgaré

    é advogado professor da Escola de Direito da PUC-RS e da Fundação Escola Superior do Ministério Público e autor entre outros do livro "Direito Constitucional – organização do Estado brasileiro" (Almedina 2018).

29 de abril de 2021, 12h07

Uma lei na Austrália estabelece que os veículos de imprensa sejam pagos pelo conteúdo que é distribuído na internet: o News Media Bargaining Code [1]. A legislação incide sobre o desequilíbrio mercadológico entre as corporações (Google e Facebook) que atuam no setor de mídia social e as empresas jornalísticas. Entre outras medidas, prevê uma negociação a fim de ajustar o pagamento pelo uso das notícias feito pelos sites, dispondo que as plataformas digitais remunerem pelo uso das notícias que divulgam. No Brasil, o Projeto de Lei nº 1354/21 [2], propõe a alteração do Marco Civil da Internet e, além da remuneração por conteúdo jornalístico, dispõe que "as empresas de plataforma digital que detenham poder significativo de mercado deverão veicular no mínimo 30% do conteúdo disponibilizado advindo de fontes diversas da mídia legalmente instituída". Afirma-se a remuneração pelo conteúdo e a pluralidade informacional na internet.

A medida alcança gigantes que operam no mercado da tecnologia e da comunicação, como o Facebook e o Google. O faturamento dessas corporações também decorre de anúncios expostos ao lado do conteúdo noticioso produzido por empresas jornalísticas. Essa prática retira seus anunciantes. Receitas são perdidas diante da concorrência publicitária do Google e do Facebook, que exploram o conteúdo das empresas jornalísticas para vender publicidade sem a contraprestação remuneratória devida. Nesse cenário, as empresas de comunicação locais são ainda mais afetadas.

A regulação do mercado das big techs é uma exigência contemporânea. A maneira como essas empresas operam, seja com a captação excessiva de dados, seja pela exploração de conteúdos jornalísticos sem contraprestação adequada, não se ajusta a práticas negociais corretas. O lucro obtido com a venda de publicidade decorre em grande parte do fluxo das matérias jornalísticas, cujo autores ficam sem pagamento. São práticas de um modelo negocial parasitário. É um problema que afeta a estrutura informacional do país, o sistema de produção e de divulgação de notícias. Diz respeito, portanto, à esfera pública e ao ambiente democrático.

Uma regulação mediadora das relações concorrenciais entre as empresas de jornalismo e as big techs é medida básica para estabelecer uma salvaguarda à atuação dos meios de comunicação. As posições prevalentes das big techs no mercado publicitário constituem desequilíbrios concorrenciais. Conforme Robert Reich, "a Big Tech tem sido quase imune a um sério escrutínio antitruste, embora as maiores empresas de tecnologia tenham mais poder de mercado do que nunca. Talvez isso se deva ao fato de elas terem acumulado tanto poder político" [3].

As redes sociais, embora sem produzir conteúdo, tornam-se fontes de notícias. É razoável que paguem às redações jornalísticas pelo conteúdo que utilizam e que serve para o incremento de seus lucros. O mercado impõe que empresas jornalísticas migrem para o ambiente digital — é onde está vida, não é? Nesse espaço, amargam expressiva perda de receitas, pois as verbas de publicidade passam por corporações poderosas — Google, Facebook — que abocanham a maior fatia.

A vitalidade de uma sociedade democrática exige uma imprensa atuante que produza e forneça informação séria. Facebook não produz informação: propaga notícias. Mas não só, dissemina também fake news, cuja divulgação pode lhe ser lucrativa. Na economia das redes sociais, o critério de relevância de um conteúdo é mensurado pela atenção pública verificada, pelo número de visualizações, por "curtidas" e compartilhamentos Tal fato "contribui para a disseminação de conteúdos independentemente de sua veracidade, integridade ou qualidade. Fato que submete o pluralismo e as funções democráticas do discurso público aos interesses mercadológicos, automatizando a esfera pública" [4].

O direito à informação deve ser protegido diante do risco que sofre por sua inserção em mercados monopolizados e tendentes à sua vulgarização. É um tema essencial para a consolidação de um ambiente democrático desgastado pela proliferação da desinformação. A concentração do mercado informacional mina as democracias. E, ao fim e ao cabo, em livre tradução, "a nossa realidade é formada não só de cadeias e marcas de fornecimento monopolizadas, mas de toda uma linguagem que nos impede de reparar, de discutir o poder concentrado à nossa volta" [5].

 


[3] No original: "Big Tech has been almost immune to serious antitrust scrutiny, even though the largest tech companies have more market power than ever. Maybe that’s because they’ve accumulated so much political power". Whittaker, Jason Paul. Tech Giants, Artificial Intelligence, and the Future of Journalism (Routledge Research in Journalism) (p. 169). Taylor and Francis. Edição do Kindle.

[4] PASQUALE, Frank. A esfera pública automatizada. Trad. Marcelo Santos e Victor Varcelly. Líbero Revista Eletrônica do Programa de Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, a. XX, n. 39, jan./ago. 2017.

[5] No original "Our reality is formed not just of monopolized supply chains and brands, but an entire language that precludes us from even noticing, from discussing the concentrated power all around us". Stoller, Matt. Goliath: The 100-Year War Between Monopoly Power and Democracy . Simon & Schuster. Edição do Kindle.

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    é advogado, professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, palestrante da Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, palestrante da Escola Superior da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul e mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra.

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