Opinião

Mais um juiz que esquece o Direito para fazer política (o caso da relatoria da CPI)

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29 de abril de 2021, 17h08

A decisão do juiz Charles Renaud Frazão Morais, da 2ª Vara Cível do Distrito Federal, que impediu provisoriamente o senador Renan Calheiros (MDB-AL) de ser relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 é um exemplo inequívoco de que o Brasil vive um momento de grave balbúrdia institucional.

Um juiz federal de primeira instância recebe uma ação popular de parte de uma deputada federal da base do governo (Carla Zambelli, do PSL-SP) que busca impedir que o Senado, na forma do seu Regimento Interno, componha livremente uma CPI (instrumento parlamentar das minorias) cuja criação respeitou as normas e cuja instalação foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal.

A ação popular foi proposta sob o fundamento de que a designação do senador Renan ofende a moralidade administrativa e a imparcialidade com que os investigados devem ser tratados pela CPI. Os fatos que serviram de base para a propositura da ação são investigações e processos que Renan responde no Supremo e o fato de ser pai do governador de Alagoas. Isso, diz a deputada, "levará ao desvirtuamento das proposituras objetivas e uma verdadeira guerra de interpretações que nada vão ajudar a solução dos grandiosos problemas noticiados na rotina cotidiana", terminando por um criar "um ambiente hostil ao presidente da República". Disse também que a condição de Renan de pai do governador de Alagoas cria a "expectativa de um direcionamento dos trabalhos para o mais distante possível de seu objeto secundário (em ordem de análise, não de importância) que é a fiscalização dos recursos públicos direcionados aos entes federativos para o combate da pandemia".

Mesmo diante de argumentos tão imaginariamente prospectivos (uma espécie de medo de véspera) e de natureza claramente político-parlamentar, o juiz de primeiro grau decidiu paralisar o processo legislativo de instalação da CPI no Senado Federal. E, segundo se lê na sua decisão, o fez com o propósito de evitar "o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19 na hipótese da concessão futura do pedido de tutela de urgência". Ou seja, o juiz tumultuou para não evitar o tumulto. É mais ou menos assim: aqueles atrapalhados meninos do Senado vão acabar tumultuando o processo legislativo de instalação da CPI determinada pelo Supremo. Vou ajudá-los: deixe que eu tumultuo!

Vamos em frente. Por que o juiz no despacho fez referência a uma "hipótese da concessão futura do pedido de tutela de urgência"? Então não foi através de uma tutela de urgência que ele interferiu no processo legislativo às vésperas da instalação de uma CPI no Senado Federal para investigar a calamidade administrativa em torno da pandemia da Covid-19, que está vitimando centenas de milhares de brasileiros? Não. Ele mandou parar tudo para, depois de ouvir o presidente do Senado, o senador Renan e a União (AGU), só então decidir a respeito da tutela de urgência.

E por que o juiz fez isso? Por que não apreciou desde logo o pedido de tutela de urgência? Simples: para esconder a evidência de que os fatos e argumentos da deputada na ação não cumprem o primeiro requisito do artigo 300 do Código de Processo Civil, que é a probabilidade do direito. Sim, em não juridiquês, é isso: ele deu uma tutela de urgência sem dizer que estava dando uma tutela de urgência para não ter que admitir que o primeiro requisito para a concessão de uma tutela de urgência (a probabilidade do direito) não estava presente na ação da deputada. Tudo isso, claro, para evitar que os meninos do Senado tumultuassem a CPI da Covid-19.

Mesmo de o presidente do Senado quisesse, ele não poderia cumprir a ordem do juiz. O juiz determinou que ele "obste a submissão do nome do ilustríssimo senhor senador José Renan Vasconcelos Calheiros à votação para a composição da CPI da Covid-19". Acontece que o artigo 78 do Regimento do Senado diz que os líderes é que indicam por escrito os membros das comissões (o presidente do Senado apenas os designa) e o artigo 89, III, comete ao presidente de (qualquer) comissão a designação, entre os membros da comissão, dos relatores para as matérias. Ou seja, a ordem do juiz era impossível de ser cumprida pelo presidente do Senado e o seu "descumprimento" era imposição do regimento (artigo 89, III).

Claro que essa decisão do juiz de primeiro grau não poderia durar muito. Não durou 24 horas, fulminada pela benfazeja decisão do desembargador Francisco de Assis Betti, vice-presidente do TRF-1, que acatou pedido da advocacia do Senado, protocolado na madrugada do dia 27 de abril: "Vislumbra-se a possibilidade de grave risco de dano à ordem pública, na perspectiva da ordem administrativa, diante de uma interferência do Poder Judiciário no exercício de prerrogativa conferida pelas normas regimentais internas das Casas Legislativas e que são inerentes ao exercício da própria atividade parlamentar".

Todas as nuances das inúmeras ilegalidades cometidas pelo juiz serão analisadas e corrigidas a seu tempo pelas instâncias superiores, mas o prejuízo que o juiz causou para o normal funcionamento das instituições não pode ser reparado.

Assim caminha a humanidade. Todo esse tumulto, diz sua Excelência o paladino da 2ª Vara Cível do Distrito Federal, foi para evitar que os senadores tumultuassem a importante CPI da Covid-19. Até quando a nação assistirá à ação liberticida dos paladinos judiciários?

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