Opinião

A criminalização do stalking

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27 de abril de 2021, 13h37

No último dia 1º foi publicada a Lei Federal nº 14.132, que tipifica o crime de "perseguição", tendo ficado conhecido como stalking. A lei em estudo revoga o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, que tratava da contravenção de perturbação da tranquilidade ("Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena — prisão simples, de 15 dias a dois meses, ou multa").

A previsão elencada na Lei nº 14.132/21 é de natureza irretroativa, considerando que a hipótese é mais gravosa para o agente. No entanto, observa-se que a contravenção penal anteriormente descrita previa como natureza da ação penal a pública incondicionada, sendo que a nova previsão prevê ação penal pública condicionada à representação. Certamente, surgirão vozes para defender que, nesse aspecto, deveria haver a retroatividade da nova lei.

A tutela em estudo é da liberdade individual da vítima que, porventura, possa estar perturbada em sua tranquilidade, sendo considerado delito comum por não exigir nenhuma qualidade especial do sujeito ativo e nem do passivo. Deve ser acrescentado que, no novo tipo penal, somente há previsão da forma dolosa. 

Stalking exige que a vítima seja perseguida de forma reiterada, ou seja, a conduta do sujeito passivo do delito é praticada de forma obsessiva. Nesse sentido, é preciso ficar atento(a) sobre o número de atos necessários para caracterizar a conduta. Outra forma de prática desse crime é a restrição da capacidade de locomoção, que não pode ser confundida com o crime de sequestro ou cárcere privado, tipificado no artigo 148 do Código Penal, que trata da privação da liberdade. E, por último, invadir (com sentido de apoderar, conquistar) ou perturbar (com sentido de embaralhar, atrapalhar, desequilibrar) a esfera de liberdade ou privacidade da vítima.

Temos, então, três formas previstas: 1) perseguição reiterada com ameaça a integridade física ou psíquica; 2) restrição da capacidade de locomoção; e 3) invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade.

É certo que a anterior infração penal, na qualidade de contravenção penal, exigia que a perturbação da tranquilidade ocorresse por motivo de acinte ou motivo reprovável, o que não se vislumbra no atual tipo penal, que eleva à categoria de crime a conduta de perseguir alguém, reiteradamente, ou por qualquer meio, "ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção, ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".

Algumas conclusões podemos apontar: o tipo penal em estudo, em sua forma simples, é infração de menor potencial ofensivo, sendo, portanto da competência dos Juizados Especiais Criminais, ao menos que estejamos diante de situação definida como violência doméstica de familiar contra a mulher, hipótese que ensejará a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Já nas hipóteses de incidência do seu parágrafo 1º, ficará afastada a competência do Jecrim, diante da pena máxima, superior a dois anos. Ainda, não há a exigência da anterior elementar, referente ao motivo de acinte ou motivo reprovável.

O novel artigo 147-A do Código Penal, ao dispor que a perseguição poderá ocorrer por qualquer meio, e que a invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade poderá ocorrer por qualquer forma, traz em seu bojo ofensa ao princípio da legalidade estrita, diante da imprecisão de seu texto.

Como se não bastasse, ao prever que a perseguição poderá ocorrer de forma a invadir ou perturbar a esfera de liberdade e privacidade da vítima, apresenta termos de difícil conceituação, o que, certamente, ensejará longas discursões jurídicas.

O parágrafo 1º do artigo 147-A do Código Penal, introduzido pela legislação em comento, traz hipóteses de causas de aumento de pena, havendo a utilização do conceito estabelecido no parágrafo 2º-A do artigo 121 do Código Penal para definir razões da condição de sexo feminino. O referido parágrafo ainda prevê o aumento de pena quando houver o emprego de arma por parte do agente na prática do crime, e, considerando os termos da lei, nesse conceito, certamente, ficarão incluídas as armas de fogo e branca, sendo tarefa da defesa técnica a discursão quanto às armas brancas como forma de majoração da pena.

O dispositivo impõe também que o novo crime será punido sem prejuízo das penas correspondentes à violência.

Por fim, temos que o novo tipo penal (artigo 147-A, caput do Código Penal), em se tratando de infração de menor potencial ofensivo, é passível de composição civil dos danos e transação penal. E mais, é possível também a suspensão condicional do processo. Havendo a incidência do parágrafo 1º do artigo 147-A do Código Penal, que prevê o aumento da pena em metade, inexistindo violência ou grave ameaça à pessoa e, ainda, não sendo hipótese de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, será possível o acordo de não persecução penal.

Segue a nova legislação na íntegra:

"Artigo 1º — Esta Lei acrescenta o artigo 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o crime de perseguição.
Artigo 2º
— O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte artigo 147-A:
Perseguição
Artigo 147-A 
 Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do artigo 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§2º. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§3º. Somente se procede mediante representação.
Artigo 3º 
Revoga-se o artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).
Artigo 4º
— Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação".

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