Opinião

Como estão os decretos de prisão por dívida alimentar na crise da Covid-19?

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27 de abril de 2021, 7h11

A prisão civil do devedor de alimentos (prevista no artigo 528, §3º, do Código de Processo Civil) é a única por dívida admitida pelo sistema internacional de proteção aos direitos humanos, uma vez que a restrição da liberdade é indispensável à sobrevivência de quem recebe os alimentos.

Diante da declaração pública de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e do reconhecimento do estado de calamidade pública no Brasil, em razão da Covid-19, o Judiciário passou a receber pedidos de Habeas Corpus coletivos de devedores de pensão alimentícia para que o cárcere fosse substituído pela modalidade domiciliar.

A fim de uniformizar o entendimento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em 17/3/2020, a Recomendação nº 62  na qual determinou a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo vírus no âmbito dos sistemas de Justiça penal e socioeducativo.

O artigo 6º da norma recomendou "aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus".

Seguindo tal recomendação, foi sancionada a Lei nº 14.010/2020, cujo artigo 15, estabeleceu que "até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia (…) deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações".

A lei perdeu sua eficácia em 30/10/2020, contudo, a Recomendação nº 91/2021 do CNJ prorrogou a vigência da Recomendação 62 até 31/12/2021.

Mas como ficam os credores de alimentos que antes tinham uma importante medida para a tentativa de recebimento das pensões em atraso?

No último dia 23 de março, no julgamento do Habeas Corpus nº 645.640/SC, a ministra Nancy Andrighi, Relatora do recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou que, "diante do contexto social e humanitário atualmente vivido, não há ainda, infelizmente, a possibilidade de retomada do uso da medida coativa extrema que, em muitas situações, é suficiente para dobrar a renitência do devedor de alimentos, sobretudo daquele contumaz e que reúne condições de adimplir a obrigação".

Entretanto, a relatora consignou que é preciso conferir protagonismo aos credores de alimentos e que "o longo lapso temporal transcorrido desde que o uso dessa técnica coercitiva não se tornou mais viável por questões de saúde pública, todavia, deve provocar renovadas reflexões sobre o sistema executivo das obrigações alimentares durante a pandemia, agora sob a específica perspectiva do credor dos alimentos, especialmente em um momento histórico em que se acentuam as desigualdades sociais e mais pessoas se situam abaixo da linha da pobreza".

Assim, o STJ conferiu ao credor a possibilidade de indicação do cumprimento da pena em regime domiciliar ou o diferimento para posterior regime fechado, além de outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, inclusive cumulativas ou combinadas, conforme previsto no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil.

Com essas possibilidades, o credor poderá requerer a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor, a apreensão de passaporte ou, ainda, a suspensão dos cartões de crédito do executado, até o pagamento da dívida (como vem permitindo o Tribunal de Justiça de São Paulo  TJ-SP).

Nesse sentido, cumpre destacar as palavras do professor Flávio Tartuce sobre o tema: "O meu entendimento doutrinário vinha sendo no sentido de que no caso dos alimentos familiares o debate ganharia especial magnitude, uma vez que é possível medida até mais severa, qual seja a prisão civil do devedor, em regime fechado. Sendo assim, se é viável o mais é possível o menos, ou seja, a apreensão de documentos com a consequente restrição de direitos, o que acaba sendo medida até menos onerosa e alternativa à restrição da liberdade, e deve ser buscado nestes tempos de Covid-19" [1].

Como a aplicação das medidas coercitivas atípicas ainda é muito discutida em nossos tribunais, deve haver prudência e razoabilidade na sua adoção. Assim, o magistrado deverá analisar as condutas do devedor que não prioriza o pagamento da dívida alimentar, negligenciando o necessário para a subsistência do alimentando, e se essas medidas irão pressioná-lo a cumprir a obrigação.

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