Opinião

A urgência do julgamento da ADI 5529 para a liberação imediata de genéricos

Autor

  • Guillermo Glassman

    é dvogado doutor em Direito Público (PUC-SP) MBA (Insper) mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie) especialista em Direito Administrativo (Cogeae) certificado em Contratos de Infraestrutura (FGV) autor de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo de Medicamentos (Thoth 2021).

26 de abril de 2021, 13h38

A inovação é um elemento essencial para a dinâmica do mundo atual. Para que seja possível um ciclo de investimentos sustentável em pesquisa e desenvolvimento (P&D), é necessário que o Direito proteja novas tecnologias, por um determinado período, para que a comercialização do novo produto ou serviço possa remunerar o seu inventor. Existem diferentes mecanismos e estratégias para a proteção jurídica dessas criações, mas em alguns setores especialmente sensíveis, como o da indústria farmacêutica, o principal deles são as patentes.

Para que esse sistema de proteção de invenções funcione de forma adequada (equalizando o interesse do particular em reaver investimentos e lucrar, com o interesse público em ampliar o acesso a produtos inovadores), um aspecto fundamental é o prazo de exploração exclusiva concedido em benefício aos detentores de patentes. A Constituição de 1988 garante o direito de patente, mas estabelece um binômio que o delimita (artigo 5°, XXIX): esse direito deve incentivar a pesquisa, por um lado, mas, por outro lado, a patente está limitada por uma função social. Ou seja, a Constituição não estabelece um prazo específico para esse monopólio de patente, mas define indiretamente que o prazo não pode ser tão curto que iniba os investimentos em pesquisa no Brasil, nem tão longo que submeta a população a uma carga demasiadamente pesada, em razão dos preços superiores que ocorrem durante o monopólio.

Esse balanceamento ficaria, então, inicialmente a cargo do Congresso, mediante lei. Acontece que o Brasil celebrou o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, que definiu regras sobre patentes, inclusive com relação ao prazo mínimo de proteção, que ficou definido em 20 anos (TRIPS, artigo 33). O Congresso incorporou isso na Lei de Propriedade Industrial, que é de 1996, mas foi além, conferindo ainda ao titular da patente um acréscimo proporcional de vigência caso o Instituto Nacional de Propriedade Industrial demore mais que dez anos para analisar o pedido da patente. Então, se o instituto demora 11 anos analisando o pedido, a patente terá vigência de 21 anos; se demora 15 anos, a patente terá vigência de 25 anos; e não há um limite na lei para isso.

A demora na análise do Instituto Nacional de Propriedade Industrial é ruim para todos e seria razoável pensar que essa regra de acréscimo de prazo é aplicada apenas excepcionalmente. Entretanto, na prática, não é isso o que acontece, já que milhares de patentes acabam por enquadrar-se nessa situação.

Por isso, essa regra de compensação, definida pelo parágrafo único do artigo 40 da LPI, é objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI n° 5.529) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República em 2016. O que se questiona, basicamente, é que essa compensação torna indefinido o prazo de proteção patentária, rompendo o equilíbrio preconizado pelas balizas constitucionais. Mais recentemente, no contexto da pandemia de Covid-19, a ADI n° 5.529 foi finalmente pautada pelo Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República requereu concessão de tutela de urgência para que os efeitos da regra de acréscimo de prazo das patentes fossem imediatamente suspensos, pelo menos com relação a medicamentos.

Em atendimento a esse requerimento, o relator do caso, ministro Dias Toffoli, divulgou seu voto e proferiu decisão cautelar monocrática. O voto apontou para a inconstitucionalidade do dispositivo e para a necessidade, a título de modulação de efeitos, da liberação da entrada imediata de medicamentos genéricos no mercado nos casos em que a patente do medicamento de referência já ultrapassou os 20 anos de vigência. Com relação à tutela de urgência, dada a gravidade das circunstâncias atuais, houve o deferimento, mas valendo só para o futuro, porque essa é a regra geral no caso desse tipo de decisão em ações de inconstitucionalidade (artigo 11, §1°, Lei n° 9.868/99).

Essa limitação processual impediu, na prática, que a decisão monocrática autorizasse a introdução imediata de novos medicamentos genéricos no mercado, mas surge dessa situação a necessidade de referendo imediato pelo Plenário para a concessão de efeitos sobre patentes já em vigor. Isso porque a tutela provisória de urgência existe, enquanto conceito jurídico, para produzir efeitos imediatos. Essa é a teleologia do Código de Processo Civil ao prever a possibilidade de concessão desse tipo de medida, tanto que: 1) essa é uma das raras exceções à necessidade de oitiva prévia da parte contrária (artigo 9°, parágrafo único, I); 2) pode ser deferida durante as férias forenses e nos feriados (artigo 214, II); e 3) salvo decisão expressa em sentido contrário, conserva sua eficácia durante a suspensão do processo (artigo 296, parágrafo único).

Portanto, preenchido o requisito do perigo de dano (artigo 300, CPC), a tutela de urgência deve ser concedida e produzir efeitos práticos muito concretos. No caso de ações diretas de inconstitucionalidade, decisões monocráticas são excepcionalíssimas e compatíveis com circunstâncias graves. Portanto, a situação atual, definida a partir da decisão do ministro Dias Toffoli na ADI nº 5.529, precisa mudar rapidamente, porque ainda que a matéria completa não seja julgada imediatamente, por exemplo, por conta de um pedido de vistas, ao menos a decisão monocrática deve ser analisada pelo Plenário.

Os ajustes necessários estão apontados no próprio voto divulgado pelo ministro Dias Toffoli. Isso porque suas razões de decisão, acompanhando manifestações anteriores da Procuradoria-Geral da República e do Tribunal de Contas da União, indicam que o perigo de dano encontra-se no fato de existirem patentes de medicamentos que teriam expirado, não fosse a regra de extensão de prazo. Isso implica, por um lado, impacto bilionário sobre o orçamento do Sistema Único de Saúde e, por outro lado, confere a essa questão um novo grau de urgência em face do recrudescimento da pandemia de Covid-19 no Brasil.

O próprio pedido de antecipação da pauta de julgamento do caso feito pelo relator e aceito pela presidência do STF reconhecem a existência dessas circunstâncias, ao tratar a situação com a urgência devida. Portanto, é de se esperar que o Plenário confirme as razões de fundo apresentadas pelo relator para a concessão da tutela de urgência, mas avance quanto aos seus efeitos.

Nesse sentido, por mais que, em geral, seja possível afirmar que o tempo de vigência da norma questionada (que foi inserida na redação original da LPI em 1996) exija algum tipo de modulação de efeitos, esta não deve alcançar o setor farmacêutico. Isso porque, quanto a medicamentos, o binômio constitucional que orienta o legislador na edição de regras aplicáveis a patentes conta com um peso muito mais acentuado na função social. De fato, nesse ponto, não é razoável que o mundo inteiro tenha à disposição medicamentos genéricos, com preços mais acessíveis  menos o Brasil. Isso precisa ser corrigido de imediato — porque seus efeitos são sentidos dia a dia, em cifras astronômicas  ainda que os contornos finais da questão sejam submetidos a uma reflexão mais detida por parte do Supremo.

E é isso o que exige o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (artigo 21, IV e V) ao determinar que, no caso de concessão de medida cautelar no âmbito de ação direta de inconstitucionalidade, a decisão deve ser levada a referendo do Tribunal Pleno no momento seguinte. Nesses casos, nas palavras de Gilmar Mendes e Paulo Branco, "é imprescindível a submissão imediata, na Sessão Plenária seguinte, da decisão cautelar ao referendo do Tribunal" ("Curso de Direito Constitucional", 15° edição São Paulo: Saraiva, 2020, página 1363). Essa apreciação é urgente porque o Plenário analisará aquilo que o relator não pôde enfrentar por conta de limitações processuais, isto é, a liberação à entrada imediata de medicamentos genéricos no mercado nos casos em que a patente do medicamento de referência já ultrapassou os 20 anos de vigência. O Supremo precisa enfrentar essa questão  e a crise sanitária que vivemos exige que isso ocorra já.

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