Opinião

Vocação para a democracia

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  • Luiz Edson Fachin

    é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) alma mater UFPR (Universidade Federal do Paraná) e professor do programa de pós-graduação do Ceub (Centro Universitário de Brasília).

26 de abril de 2021, 9h21

Um chamamento necessário se faz reiterar, porquanto um espectro insepulto ronda a democracia brasileira: o autoritarismo. Pairam sobre as eleições de 2022 ameaças que têm sido repetidas. Esse mal também se banaliza diante do silêncio.

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Impende vigiar pelas instituições democráticas sob pena de ser pago um custo demasiado alto e configurar um castigo de Sísifo.

Na Constituição de 1988, transportaram-se a um plano democrático os objetivos de uma sociedade justa, livre e solidária. Inscreveu-se nela a acepção de democracia, de Estado democrático (sob os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e de ordem econômica (pelo artigo 170, "fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa").

Restaurada a democracia, mesmo que numa transição limitada, e repelido o autoritarismo, cumpria, então, efetivar políticas públicas essenciais à vida digna, à igualdade e à inclusão.

Estavam dadas as condições para o desempenho desse novo nomos. Sem eliminar ao fundo as contradições viscerais da realidade, a jornada, nada obstante, mostrara-se promissora.

É induvidoso que o contexto se tornou mais complexo e que, décadas depois da Constituinte, a justiça social prometida ficou a meio caminho, irrompendo reivindicações contra a administração do Estado. Debilitado o projeto constituinte na energia transformadora e nos freios inibitórios, que foram relegados diante dos tradicionais arranjos de poder, e frustradas grandes expectativas, no palco se recolocaram as condições para esvaziar o processo em curso (embora incompleto) de cumprimentos dos objetivos constitucionais.

Bastante é ver o que atualmente se apresenta: atentados à liberdade de imprensa, apologia à ditadura, à tortura e à repressão política, retorno à militarização do governo civil, intimidações inadmissíveis a outros poderes, depreciação do valor do voto, xenofobia, misoginia, incentivo às armas e à violência.

Há que resistir. Democracia corresponde a uma conquista que não pode ser jogada fora, a fim de alçar o Brasil verdadeiramente a uma sociedade livre, justa e solidária, possível somente após arrostar e superar a base escravagista, a desigualdade brutal e a ablação do direito a ter direitos.

Vivemos uma crise. Como tenho sustentado, é imperioso sair da crise sem sair da democracia. É missão de todos preservar o sistema eleitoral brasileiro, a legitimidade e a normalidade das eleições, porquanto essenciais à democracia.

Nunca é demais lembrar Ulpiano: orientemo-nos pelos deveres de justiça e da ética do viver honestamente, dar a cada um o que lhe pertence e não causar prejuízo a ninguém.

Há caminhos. Todos devem passar pela democracia, pela preservação do sistema eleitoral e pelas eleições de 2022.

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