Opinião

O que significa ativismo e como o debate pode nos ajudar

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25 de abril de 2021, 18h15

Em recente artigo veiculado na imprensa, intitulado "Quando juiz foge da lei, vai para onde?", o professor Conrado Hübner Mendes (Direito da USP) dissertou sobre os desvios da função judicial, criticando as fugas da lei e da jurisprudência pelos magistrados brasileiros.

Ao explicar as tais fugas, afirmou que termos acadêmicos como "ativismo judicial" até "tentam dizer algo sobre a expansão do Poder Judiciário por novos terrenos da separação de Poderes", mas "dizem nada sobre hermenêutica jurídica", isto é, sobre a ciência que fornece as regras da interpretação.

De fato, o debate brasileiro sobre os modos, limites e aceitabilidade da criação judicial do Direito — para falar de Mauro Cappelletti [1] — não é exatamente facilitado pelo termo "ativismo judicial", que possui diversas conotações e talvez tenha perdido o propósito de descrever um fenômeno concreto e, assim, favorecer a compreensão e as discussões sobre o tema.

Veja-se, em exemplo recente, que o então desembargador Kassio Nunes Marques, em sabatina no Senado Federal, defendeu que o garantista "por vezes precisa ser ativista", para não ser aquele juiz que "declama o texto frio da norma" — referindo-se a "ativismo" como criatividade do juiz. Anos antes, porém, o mesmo desembargador, em entrevista, rejeitou a pecha de ativista, afirmando que não teria "invadido seara guardada à Administração" — referindo-se a "ativismo" como violação da competência de outro poder (Executivo ou Legislativo).

Mesmo não havendo consenso no debate brasileiro, é oportuno refletir sobre a afirmação de que o termo "ativismo judicial" nada diz sobre hermenêutica jurídica porque, na verdade, o estado do debate acadêmico sobre o termo permite extrair conclusões importantes sobre um fenômeno concreto, qual seja, a ultrapassagem dos limites impostos à atuação do juiz (e, consequentemente, sobre as regras da interpretação jurídica).

Tornemos ao exemplo no qual o "ativismo" foi referido como criatividade judicial. Segundo essa corrente (cf. Luís Roberto Barroso [2]), a prática ativista é uma opção do magistrado: uma atuação mais ampla e mais intensa na concretização da lei. Assim, ativismo judicial seria a atuação criativa do juiz, mas compatível com o direito. Sob essa perspectiva, o aplicador deve encontrar uma espécie de equilíbrio entre a autocontenção e o ativismo judicial, ora postando-se de forma passiva diante dos textos normativos, ora sendo mais proativo.

Há diversas críticas a essa concepção. Em síntese, afirma-se que ela não fornece critérios de classificação das decisões judiciais entre ativistas e não ativistas, já que todas elas criam direito em alguma medida. Assim, o termo estaria embaraçando o debate sobre os limites da atuação do juiz, servindo apenas como ofensa às decisões das quais se discorda.

Como visto, há também o "ativismo" referido como violação da separação de poderes. Nesse caso, defende-se que ativismo judicial é a invasão indevida da esfera de competência de outro poder, descaracterizando-se a função típica do Judiciário (cf. Elival da Silva Ramos [3]). Assim, o ativismo seria sempre indesejado, independentemente do resultado prático da decisão ativista, porque violador da lei e da Constituição.

Essa concepção também é alvo de crítica, segundo a qual o termo tem sido usado como mero eufemismo para a violação do direito ou, em outras palavras, para a atuação inconstitucional-ilegal do julgador (cf. Soraya Lunardi e Dimitri Dimoulis [4]).

Apesar da divergência entre as duas visões, ambas convergem em relação à existência de uma esfera de atuação vedada aos juízes, ou seja, de limites inafastáveis para que a atuação do Judiciário não seja totalmente desamarrada, arbitrária, abusiva. É claro que tais limites são mais amplos para alguns teóricos e mais restritos para outros, sempre amparados por premissas divergentes em relação às teorias do direito.

De um lado, por exemplo, a corrente autointitulada positivista contemporânea preconiza a observância aos limites impostos pela própria Constituição e pelo ordenamento ao exercício da função jurisdicional, além de entender que a liberdade criativa do magistrado é relativa, porque circunscrita ao espaço de interpretação delimitado pela própria norma [5].

Mas os limites constitucionalmente estabelecidos são de tal modo elementares e indeclináveis que nem mesmo as correntes antagônicas, adeptas de uma atuação expansiva dos tribunais e partidárias de critérios hermenêuticos mais flexíveis, deixaram de reconhecê-los como óbices à atuação completamente desamarrada do Poder Judiciário.

Também nessa perspectiva, uma decisão judicial jamais decorre da livre escolha ou da discricionariedade plena do magistrado. Ainda que haja uma dimensão política inerente na interpretação, essa é sempre "balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente" [6], sendo uma tarefa doutrinária delimitar "de que maneira e em que limites se dará essa inevitável e necessária colaboração" entre poderes, já que é vedado ao magistrado "ultrapassar o limite da sua competência" [7].

Do consenso mínimo em torno da existência de limites à atuação do Judiciário surge o problema de como identificar a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função judicial. Mas a academia não se esquivou do problema e tem se dedicado arduamente à tarefa de identificar e sistematizar as regras de interpretação jurídica, utilizando a perspectiva das normas em vigor, organizadas de forma sistemática e tendo em vista a sua aplicação — o que chamamos de perspectiva dogmática [8].

Há vasta produção acadêmica no Brasil dedicada aos critérios de aceitabilidade das decisões judiciais, relacionados aos limites textuais da norma, que não podem ser rompidos pelo intérprete; à interpretação sistemática, que busca privilegiar uma leitura coerente do ordenamento; ao ônus argumentativo do juiz constitucional, que deve se justificar ao declarar a inconstitucionalidade determinada norma; à aferição de competência, que distingue as tarefas do legislador e do juiz; e à densidade das normas, que auxilia na aplicação dos polêmicos princípios constitucionais. Todos os critérios referem-se a regras de interpretação jurídica, isto é, à hermenêutica.

Assim, fica claro que, mesmo não existindo consenso em torno do termo "ativismo", a disputa acadêmica sobre o seu significado oportuniza a identificação e a sistematização das regras de interpretação. Isso porque o debate sobre ativismo não é apenas terminológico, mas relacionado a um fenômeno concreto, qual seja, a ultrapassagem dos limites impostos à atuação dos juízes. Não abandonemos, sob a premissa de que o termo é irrelevante, o debate sobre o fenômeno e as suas regras ou a perspectiva dogmática do problema — isso seria jogar fora o bebê junto com a água do banho, justamente no momento em que o país tanto precisa de respostas sobre o assunto.

O caminho que devemos seguir já foi apontado pelo professor Conrado: a questão "precisa ser mais bem tratada pela análise". Uma das opções consiste em estudar, aprofundar, criticar e, enfim, continuar o trabalho de juristas que já se dedicaram à identificação, sistematização e crítica dos critérios hermenêuticos de aceitabilidade das decisões judiciais. Conforme orientou o professor: melhor começar.

 


[1] Cf. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1993.

[2] Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: Revista [Syn]Thesis, Rio de Janeiro, vol.5, nº 1, 2012, p. 23-32.

[3] Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

[4] Ativismo e autocontenção judicial no controle de constitucionalidade. In: FELLET, André; GIOTTI DE PAULA, Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 459-473.

[5] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo, cit., p. 321.

[6] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, cit., p. 29.

[7] COELHO, Inocêncio Mártires. Apontamentos para um debate sobre o ativismo judicial. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, 2015 p. 8.

[8] A definição é de Miguel Reale. Cf. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 321-24.

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