Opinião

A derrubada dos vetos ao pacote 'anticrime' e o impacto nos bancos de DNA

Autor

  • Natalie Alves Lima

    é sócia e diretora executiva do Escritório Malta Advogados diretora de Relações Governamentais do Escritório Malta Advogados e membro da Comissão de Relações Institucionais e Governamentais da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal.

25 de abril de 2021, 13h14

Na última segunda-feira (19/4), em sessão do Congresso Nacional ocorrida no Senado Federal, foram derrubados todos os vetos ao pacote "anticrime" (Lei nº 13.964/2019).

Até onde se tem notícia, a derrubada dos vetos fez parte do acordo celebrado entre os líderes partidários e o Poder Executivo, que optou por lutar pela manutenção de vetos de leis mais sensíveis que, se derrubados, representariam maior impacto financeiro ao governo federal.

A partir do resultado da votação, o Congresso Nacional notificará o Poder Executivo e promulgará os dispositivos vetados, que passarão a reintegrar a lei "anticrime". Entre esses dispositivos, constam previsões que arrefecem o crescimento dos bancos de DNA no Brasil e, até mesmo, sufocam essa (jovem) ferramenta de elucidação de crimes no país.

Até o ano de 2012, o Brasil não possuía previsão legal específica para cadastramento de perfis genéticos com o fim de identificação criminal. Por outro lado, dezenas de países de forte tradição democrática, como Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, há décadas já implementavam a ferramenta e experimentavam um incremento significativo na taxa de resolução de crimes.

Há muito se discute, tanto em nível nacional quanto internacional, que o uso de bancos de DNA no âmbito forense permite trazer muito mais assertividade ao processo investigativo, contribuindo, a um só tempo, para apontar culpados e para absolver inocentes acusados injustamente.

Dado que, em nível nacional, a legislação que disciplina o cadastramento de perfis genéticos só veio em 2012 (Lei nº 12.654/2012), pode-se dizer que os bancos de DNA ainda são uma novidade no Brasil  e, mesmo a ferramenta sendo tão recente, já sofreu uma série de reveses e percalços para sua solidificação, entre eles o próprio subaproveitamento desses cadastros. A recém-derrubada aos vetos do pacote "anticrime" é a mais nova prova de que a ferramenta não parece ser uma prioridade política.

Com a derrubada do veto ao artigo 9-A da Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/1984), inserido pela lei "anticrime", não há mais previsão legal de coleta obrigatória de perfis genéticos de condenados por crimes hediondos. A partir da atual redação, a coleta obrigatória apenas ocorrerá no caso de condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável. Ficam de fora, portanto, crimes como tráfico internacional de arma e crime de organização criminosa.

Essa restrição do rol de crimes submetidos à coleta obrigatória implicará em redução do número de perfis cadastrados nos bancos, o que vem em prejuízo à elucidação de crimes. Não só isso, suscita-se insegurança jurídica, ante as dúvidas quanto à retroatividade dessa disposição àqueles que, embora tenham se submetido à coleta nos limites da lei anterior, não mais estejam no rol de crimes que ensejam a coleta obrigatória. Os perfis desses indivíduos seriam excluídos dos cadastros?

Ademais, com a derrubada do veto ao §5 º do artigo 9-A inserido pela lei "anticrime", fica vedada a utilização de amostra biológica coletada para o fim de fenotipagem genética ou de busca familiar. Essas práticas, entretanto, são comumente utilizadas para elucidar crime reputados como de alta reprovabilidade e gravidade, utilizando-se, para tanto, de identificação genética de irmãos gêmeos (pois compartilham o mesmo perfil genético) e de busca familiar simples mediante teste genético em fetos ou bebês, para identificar o autor de um crime de estupro. A mesma preocupação quanto à insegurança jurídica gerada se aplica aqui, especialmente quanto à manutenção dos éditos condenatórios de casos lastreados em prova pericial que se utilizou dessas técnicas.

Para além disso, com a derrubada do veto ao §6º do artigo 9º-A, introduzido pela lei "anticrime", fica determinado o descarte imediato de amostras biológicas após a extração do perfil genético, impedindo seu uso para qualquer outro fim. Segundo as razões de veto apresentadas pelo Ministério da Justiça à época da edição da lei, "a proposta (…) contraria o interesse público tendo em vista que a medida pode impactar diretamente no exercício do direito da defesa, que pode solicitar a refeitura do teste, para fins probatórios. Ademais, as melhores práticas e recomendações internacionais dizem que após a obtenção de uma coincidência (match) a amostra do indivíduo deve ser novamente testada para confirmação do resultado" [1].

Por fim, com a derrubada do veto ao §7º do artigo 9º-A, introduzido pela lei "anticrime", fica prevista que a coleta da amostra biológica diretamente dos indivíduos submetidos à identificação e a elaboração do respectivo laudo serão realizadas por perito oficial. Quanto à elaboração do laudo, não há dúvidas que cabe exclusivamente ao perito criminal fazê-lo. Entretanto, entende-se que a coleta do material é ato procedimental que, embora deva ser supervisionado pela perícia, não precisa ser necessariamente executada por um perito, sob risco de inviabilizar o ato, notadamente em função do número escasso de peritos em alguns estados. Isso pode refrear, inclusive, os projetos de coleta de amostras biológicas de condenados em andamento no país.

Os bancos de perfis genéticos permitem que a persecução esteja pautada em elementos mais objetivos, não em verdades pessoais ou mesmo em lembranças imprecisas de vítimas e testemunhas. Mesmo ainda subaproveitados, até o dia 28 de novembro de 2020 os bancos de DNA no Brasil já auxiliaram 1977 investigações, apresentando ao poder público 2662 coincidências confirmadas, sendo 2088 entre vestígios e 574 entre vestígio e indivíduo cadastrado criminalmente [2].

Embora a temática posta à análise nunca possa vir desacompanhada de um olhar atento às garantias individuais, sobretudo de proteção à privacidade e à intimidade, fato é que as alterações promovidas pelos dispositivos recém-inseridos implicam em alterações substanciais do regramento que rege à manutenção e solidificação dos bancos de perfis genéticos no país.

Os níveis de violência no Brasil, conjuntamente à baixíssima taxa de elucidação de crimes, conduzem à conclusão de que o sistema de Justiça criminal brasileiro há tempos agoniza. O quadro alarmante vivido pelo sistema criminal brasileiro, portanto, aponta para um só caminho: o necessário recrudescimento do sistema investigativo.

É preocupante presenciar qualquer retrocesso em medidas capazes de energicamente fortalecer o sistema investigativo brasileiro, sobretudo aquelas que se valem da ciência e tecnologia aplicadas ao âmbito forense.

 


[1] BRASIL. Despacho do Presidente da República. Mensagem n. 726, de 24 dez. 2019. Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do §1º do artigo 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei 6.341, de 2019 (nº 10.372/18 na Câmara dos Deputados), que "Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. DOU 248-A, 24 dez. 2019. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/- /despacho-do-presidente-da-republica-235278223. Acesso em: 20 abr. 2021.

[2] BRASIL. RIBPG. XIII Relatório da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, p. 31.

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  • é sócia e diretora executiva do Escritório Malta Advogados, diretora de Relações Governamentais do Escritório Malta Advogados e membro da Comissão de Relações Institucionais e Governamentais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal.

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