Opinião

Implicações jurídicas do compromisso de mediação

Autor

  • André Luiz Padilha

    é acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná membro do Grupo de Estudos de Mediação e Negociação da UFPR e do Grupo de Pesquisa de Direito Societário Aplicado da UFPR.

24 de abril de 2021, 6h04

A mediação é um método autocompositivo de resolução de conflitos pelo qual as partes, a partir do diálogo franco, e com a ajuda de um terceiro imparcial, buscam a solução para alguma controvérsia a partir de um acordo mutuamente satisfatório [1].

Por sua natureza, a mediação é um procedimento voluntário, ou seja, a presença em uma mediação não é obrigatória, as partes apenas recorrem a ela caso realmente queiram. Inclusive, essa voluntariedade circunda todo o procedimento, assim, as partes não são obrigadas a se vincularem a qualquer acordo caso assim não desejem.

Devido à sua celeridade e à possibilidade de obtenção de uma solução "ganha/ganha", a mediação vem sendo cada vez mais utilizada no Brasil, passando a ter um papel ainda mais importante para a resolução de conflitos.

O acesso à mediação se dá, necessariamente, pelo compromisso de mediação, sendo que no âmbito contratual muitas vezes esse compromisso é firmado por meio das chamadas "cláusulas escalonadas".  Tais cláusulas são na realidade acordadas em contratos e servem para, de antemão, determinar o caminho que será seguido para a resolução de eventuais conflitos, passando primeiro por um mecanismo autocompositivo e, posteriormente, por mecanismos heterocompositivos.

Entretanto, com o advento das cláusulas escalonadas, uma importante reflexão se instaura, dando origem a alguns questionamentos: a mediação prevista pela cláusula escalonada é de fato obrigatória? As partes realmente necessitam buscar inicialmente a mediação para solução de conflitos?

Para responder esses questionamentos, é necessário tratar um breve panorama sobre a voluntariedade da mediação. Também é importante demonstrar como a atribuição de um efeito coercitivo para o comparecimento a uma sessão de mediação é incompatível com a própria natureza jurídica desse meio de solução de disputas, algo que passa a ser agora demonstrado.

A Lei de Mediação dispõe que o procedimento de mediação será sempre seguido pelo princípio da autonomia da vontade e que ninguém será obrigado a permanecer na sessão se assim não queira [2]. Da mesma forma, o Código de Processo Civil, em seu artigo 166, determina que a mediação sempre será pautada pela autonomia da vontade das partes e pela voluntariedade do procedimento [3].

Desse modo, percebe-se que a mediação, por sua natureza, é um procedimento voluntário, pois as partes não se veem vinculadas a recorrerem à mediação, tampouco são obrigadas a realizar qualquer tipo de acordo [4]. A autonomia da vontade é um elemento essencial para o desenvolvimento da mediação, no sentido de que garante que as partes busquem uma solução consensual para o conflito. O princípio da voluntariedade permite que as partes tomem total controle sobre o procedimento e sobre o resultado a ser obtido.

Por conta disso, o acordo obtido pela mediação manifesta a verdadeira vontade das partes, uma vez que não há nenhum elemento externo que obrigue o indivíduo a fechar o acordo, tão somente apenas sua única e exclusiva autonomia em pactuar a solução. 

Fernanda Tartuce defende que dentro de uma mediação a conversação só pode ocorrer se houver concordância das partes. Portanto, é responsabilidade de ambas definirem o caminho consensual a ser seguido, bem como decidir se estão dispostas a participar do início ao fim do procedimento [5].

Diante disso, verifica-se que caso as partes não queiram se sujeitar à mediação, elas não são obrigadas. Destarte, pouco importa se previamente as partes pactuaram um compromisso pela mediação a partir de uma cláusula escalonada; elas somente se sujeitam ao procedimento se realmente quiserem, não estando vinculadas à mediação caso não queiram.

Aqui, neste momento, é válido demonstrar um contraponto ao princípio da voluntariedade supramencionado. O §1º do artigo 2º da Lei de Mediação [6] dispõe que, havendo previsão contratual da mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação. Desse modo, quando há um compromisso contratual de mediação, a voluntariedade em relação a mediação não é assim tão absoluta, uma vez que as partes são vinculadas ao comparecimento pelo menos na primeira reunião de mediação.

Diante dessa voluntariedade, percebe-se que o compromisso de mediação não possui uma "coercitividade" ou "obrigatoriedade", da mesma forma que um compromisso arbitral.

O artigo 8º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) determina que a pactuação do compromisso arbitral faz com que a resolução de algum conflito deva se dar com primazia pela esfera arbitral, derrogando a jurisdição estatal ou outro meio de solução de conflito para julgamento de determinada disputa.

Conforme explicado, essa lógica não se aplica à mediação, visto que o procedimento é pautado pela voluntariedade das partes. Assim, se as partes optam por dirigir o conflito por outros meios, nada impede que elas assim façam.

Atribuir uma "obrigatoriedade" a vincular um indivíduo à mediação é contradizente com o próprio instituto desse meio de solução de disputas, diante da voluntariedade do procedimento. Assim, não há como forçar um indivíduo a comparecer a uma sessão de mediação se essa não for a sua vontade.

Com isso, acaba-se respondendo os dois primeiros questionamentos traçados anteriormente, concluindo que o compromisso de mediação firmado pela cláusula escalonada não obriga integralmente as partes a de fato socorrem a mediação. Não se pode obrigar um indivíduo a comparecer a uma sessão de mediação apenas por ter assinado uma cláusula escalonada, ele apenas comparecerá à mediação de forma voluntária.

Demonstrada a ausência de coercitividade do compromisso de mediação, um outro problema se instaura. Se pela cláusula escalonada o indivíduo não é estritamente vinculado à mediação, qual seria o sentido em pactuar esse tipo de cláusula? Qual é a força e o efeito jurídico que esse tipo de cláusula possui?

Como já explicado, o compromisso de mediação consiste em uma manifestação positiva em relação à participação em um método autocompositivo para solução de disputas. A partir desse compromisso, as partes acordam em resolver algum conflito de forma consensual, definindo também as condições para que o procedimento possa ser instaurado.

Esse tipo de compromisso é informal, visto pressupor regras flexíveis de acordo com o interesse das partes. Da mesma forma, verifica-se que o compromisso prévio de mediação não é vinculante, assim, o desrespeito ao compromisso de mediação não é capaz de gerar algum tipo de nulidade processual da forma como um compromisso arbitral gera.

Contudo, por mais que esse compromisso não seja vinculante, verifica-se que ele é um elemento essencial para que uma mediação seja iniciada. Em outras palavras, consiste em dizer que a mediação só poderá ser iniciada se as partes consensualmente pactuarem um compromisso prévio de mediação que autorize a resolução da demanda de forma autocompositiva.

Para além disso, o compromisso de mediação, também chamado de termo de mediação, legitima todo o procedimento que será instaurado, uma vez que define os ditames e parâmetros que irão balizar uma sessão de mediação, sendo inclusive elemento crucial para a atuação do mediador durante o procedimento.

A pactuação de um compromisso de mediação através de uma cláusula escalonada é ainda mais importante, uma vez que, nesse cenário, desde a síntese de uma relação jurídica, a mediação é definida como o primeiro meio para resolução de uma demanda, atribuindo, portanto, uma maior importância para esse meio de resolução de disputas.

Assim, a despeito do compromisso de mediação não ser dotado de uma maior coercitividade, a concordância com uma cláusula escalonada é extremamente bem-vista para o sucesso desse meio de solução de disputas. Isso porque, além dessa cláusula escalonada definir os termos e autorizar a instituição de uma sessão de mediação, ela demonstra que, desde o início de uma relação, e, antes da vigência de qualquer disputa, as partes já concordam em futuramente resolver uma controvérsia de forma consensual, mostrando a boa vontade em relação a esse instituto.

Até agora, o presente artigo demonstrou a importância em pactuar um compromisso de mediação. Já neste ponto, mediante a ausência de coercitividade do compromisso de mediação, busca-se abordar algumas alternativas que possam incentivar as partes a cumprirem propriamente esse compromisso e, de certa forma, atribuir maior força ao compromisso de mediação.

A ausência de coercitividade do compromisso de mediação pode gerar uma sensação de insegurança jurídicas entre as partes, pois, por mais que elas tenham consensualmente definido a mediação como meio competente para processamento de disputas, elas não são necessariamente obrigadas a dirigir a esse meio de solução de disputas, podendo "mudar de ideia" em relação ao comparecimento.

Para tentar acabar com essa sensação de insegurança jurídica, as partes podem adotar algumas alternativas para incentivar o indivíduo a comparecer à mediação.

De antemão, destaca-se que não existe uma resposta certa ou uma alternativa exata que irá vincular integralmente o indivíduo à mediação, até porque o procedimento é voluntário, assim, mesmo que existam inúmeros incentivos para o comparecimento da mediação, se o indivíduo não quiser comparecer, ele não é obrigado.

Uma possível alternativa para atingir esse fim seria a fixação prévia de alguma multa ou cláusula penal em relação ao desrespeito ao compromisso de mediação. Nessa hipótese, caso o indivíduo dirija uma disputa diretamente pelos meios heterocompositivos, desrespeitando o compromisso de mediação, ele será obrigado a pagar uma multa à outra parte.

A atribuição de uma cláusula penal pelo desrespeito do compromisso de mediação pode funcionar como um importante fator para garantir que as partes de fato irão cumprir esse compromisso, uma vez que cria maiores entraves ao acesso primário para a arbitragem ou judiciário.

Nesse cenário, o indivíduo ainda poderia dirigir primeiramente a demanda através dos meios heterocompositivos, entretanto, caso assim faça, terá de pagar uma multa à outra parte, algo que o incentiva a comparecer inicialmente à mediação para a resolução da disputa, atribuindo, portanto, uma maior força ao compromisso de mediação.

Os limites e a abrangência desse tipo de multa podem ser discutidos e previamente definidos pelas partes ao fixar o compromisso de mediação. Inclusive, essa multa também pode valer para os casos em que o indivíduo compareça à sessão somente como um "formalismo", ou seja, sem nenhuma intenção de obter um acordo.

Nessa hipótese, aumenta-se a abrangência da cláusula penal de mediação para que ela não seja aplicada somente nos casos em que o indivíduo renegue a mediação, mas também nos casos em que o indivíduo não demonstra absolutamente nenhuma vontade em colaborar com o procedimento.

Entretanto, esse cenário é um pouco mais complexo, uma vez que exige uma valoração de elemento subjetivo, qual seja: a colaboração do indivíduo para com o procedimento. Assim, para que as partes fixem essa cláusula, é necessário definir com exatidão as condições para que a multa seja incidida e o que de fato pode ativar essa cláusula penal.

Existem várias alternativas que as partes podem adotar para incentivar o comparecimento à mediação, entretanto deve-se levar em conta que, de qualquer forma, o procedimento ainda é voluntário. Assim, por mais que possa haver incentivos ao comparecimento à mediação, não existe uma fórmula do sucesso que de fato garanta que isso ocorrerá, sendo que, no final das contas, o indivíduo só comparecerá ao procedimento se assim quiser.

Evidente, diante do exposto, que o procedimento de mediação é pautado inteiramente pelo princípio da voluntariedade e pela autonomia da vontade das partes, assim, as partes somente se obrigam a comparecer em uma mediação se assim quiserem.

Por conta disso, por mais que as partes tenham o intento em firmar um compromisso de mediação, verifica-se que esse compromisso não é dotado de uma "obrigatoriedade" tal como um compromisso arbitral, algo que, eventualmente, pode gerar um cenário de insegurança jurídica.

Esse cenário de insegurança jurídica pode ser suprimido com a atribuição de algumas alternativas que incentivam as partes a comparecer a uma mediação, tal como a fixação de uma cláusula penal pelo desrespeito do compromisso de mediação. Contudo, há de se levar em conta que nenhuma dessas alternativas é exata, uma vez que não existe uma fórmula que garanta de fato a presença na mediação.

Concluindo, verifica-se que, por mais que esse compromisso não tenha uma maior força vinculante, ele ainda é um elemento essencial para instauração do procedimento de mediação, assim, sem que esse compromisso seja firmado, não há a mediação.

 

Referências bibliográficas
AZEVEDO, André Gomma de. (org.) 2012. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD).

FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões. Tradução de: VIEIRA, R. V. 1 ed. Rio de Janeiro: Solomon, 2014.

GUILHERME, L. F. V. A. Manual Dos Mescs – Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos. Barueri-SP. Editora Manole. 2016.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: MÉTODO, 2016.

WRASSE, Helena Pacheco; JAQUES Marcelo Dias. A Mediação No Direito Brasileiro: Conceito, Procedimento E Técnicas. Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. 2016.

YARN, Douglas E. apud AZEVEDO, André Gomma. Estudos em Arbitragem, mediação e negociação. Vol. 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004.

 


[1] YARN, Douglas E. apud AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em Arbitragem, mediação e negociação. Vol. 3. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2004. p. 313.

[2] "Artigo 2º – A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
(…)
V – Autonomia da vontade das partes;
(…)
§ 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação".

[4] AZEVEDO, André Gomma de. (org.) 2012. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD). pg. 28.

[5] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civis. 3 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: MÉTODO, 2016. pg. 181

[6] "Artigo 2º – A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
(…)
§ 1º Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação".

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    é acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Estudos de Mediação e Negociação da UFPR e do Grupo de Pesquisa de Direito Societário Aplicado da UFPR.

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