Paradoxo da Corte

Prazo para impugnação do executado na jurisprudência do STJ

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

20 de abril de 2021, 8h01

Se, de um lado, o credor, em busca da satisfação de seu direito, pode requerer o cumprimento forçado do comando judicial, que o alça em privilegiada posição processual, não se pode esquecer que, de outro, devem ser preservadas, em prol do executado, as prerrogativas do devido processo legal, em toda sua dimensão, inclusive com a assecuração de um de seus corolários, qual seja a garantia de amplo acesso à Justiça.

A despeito de objetivar a realização das aludidas operações práticas, a fase reservada ao cumprimento da sentença, no desenrolar de seus atos, não fica imune à dialética que marca, de forma indelével, a fase cognitiva.

Todavia  talvez seja óbvio afirmar , o contraditório não deve e nem pode, no âmbito da fase de cumprimento de sentença, ser articulado com a mesma conotação que o caracteriza na fase de conhecimento, uma vez que os fins de cada uma delas são consideravelmente diferentes.  

Pois bem, regular e validamente intimado (ou citado, quando a citação for exigida), abre-se ao executado o prazo de 15 dias para adimplir a prestação perseguida (artigo 523 CPC). Não atendendo ao comando judicial, o devedor terá de avaliar qual o instrumento processual mais compatível com a sua estratégia de defesa. Poderá, como já adiantado: a) opor, a qualquer momento, a denominada exceção de pré-executividade, deduzindo questões de ordem pública, como ilegitimidade passiva, pagamento etc.; b) alegar, por meio de petição avulsa, no prazo de 15 dias da ciência, fato superveniente ou invalidade de atos executivos subsequentes (artigo 525, parágrafo 11); ou c) no prazo sucessivo de 15 dias, apresentar impugnação, podendo alegar as matérias arroladas no parágrafo 1º do artigo 525 do Código de Processo Civil.

A impugnação constitui o instrumento típico de defesa, pelo qual o executado, nos mesmos autos e, portanto, em caráter incidental, deduz os seus argumentos de defesa, nos termos do apontado artigo 525, parágrafo 1º. Os fundamentos da reação do executado podem ser de duas ordens, quais sejam, objeções processuais e exceções substanciais (artigo 525, parágrafo 1º, inciso VII).

Esmiuçando os elementos dogmáticos da atuação defensiva do executado, Araken de Assis destaca que, à semelhança dos embargos, a impugnação ao cumprimento de sentença consubstancia-se numa ação de oposição à execução, pela qual o devedor pleiteia uma tutela jurídica visando a corrigir os rumos da atividade executiva ou a extinguir a pretensão a executar ("Manual da execução", 21ª ed., São Paulo, Ed. RT, 2021, página 1.672).

A impugnação deverá ser oferecida no juízo em que tramita a execução ou naquele do foro da situação dos bens do executado (artigo 516, parágrafo único), em petição escrita e autônoma, atendendo aos requisitos enumerados no artigo 319 do Código de Processo Civil.

Inicia-se o prazo de 15 dias para apresentação da impugnação no primeiro dia útil após o término do prazo de cumprimento voluntário (artigo 523).

Desse modo, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o lapso temporal para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 dias contados da intimação para pagar o débito, independentemente de qualquer outra comunicação.

Nesse sentido, por maioria de votos, vencido o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça desproveu o Recurso Especial n° 1.761.068/RS ao prestigiar os termos do acórdão recorrido, prolatado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que assentou a tempestividade da oferta de impugnação ao cumprimento de sentença apresentada dentro dos 30 dias previstos no artigo 525 do Código de Processo Civil, vale dizer, a quinzena para pagamento voluntário (artigo 523), acrescidos dos 15 dias para a apresentação de impugnação.

O recorrente sustentava que o prazo de 30 dias incidiria apenas se não houvesse depósito para garantia do juízo dentro do prazo do pagamento voluntário. Em consequência, argumentou que, efetivado o depósito para garantia do juízo, o prazo para oferta de impugnação deveria ser computado a partir da data do depósito.

Com voto condutor da lavra da ministra Nancy Andrighi, ressaltou a relatora que a 2ª Seção, sob a vigência do diploma processual revogado, estabelecera que o prazo para oferecer embargos do devedor deveria ser contado a partir da data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da execução.

Consoante os termos do indigitado acórdão da 3ª Turma, essa orientação, de fato, fora delineada sob a perspectiva de emprestar maior celeridade ao processo executivo, uma vez que o artigo 738 do velho código, em sua redação original, "estabelecia a garantia do juízo como pressuposto dos embargos do devedor e previa que o prazo para a apresentação da defesa tinha início com a intimação da penhora ou da realização do depósito judicial".

Não obstante, a ministra Nancy Andrighi asseverou, de forma deveras didática: o artigo 523 do Código de Processo Civil em vigor determina que o cumprimento definitivo da sentença ocorrerá a pedido do exequente, sendo o executado intimado a pagar o débito no prazo de 15 dias. O artigo 525 prevê, a seu turno, que, transcorrido o prazo sem o pagamento voluntário, terá início novo interregno temporal para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

Ademais, ao apontar o disposto no parágrafo 6º do artigo 525, a ministra destacou que a garantia do juízo deixa de ser requisito para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença, tornando-se apenas mais uma condição para a suspensão dos atos de execução.

Daí porque  decidiu a turma julgadora  os requisitos para a oferta de impugnação ao cumprimento de sentença são diferentes daqueles previstos nas legislação revogada, visto que a garantia do juízo cumpre somente o objetivo de impedir a prática de atos executivos, em particular, os de expropriação, os quais podem ser realizados a despeito da impugnação, dispensada nova intimação do executado para a apresentação de defesa.

Verifica-se, pois, que a garantia do juízo não supre eventual falta de intimação, como ocorria no passado, uma vez que, nos termos dos artigos 523 e 525 do vigente Código de Processo Civil, a intimação para a apresentação de impugnação já se torna aperfeiçoada ao ensejo da intimação para pagamento do crédito exigido.

Diante de tais fundamentos, entendo que tal precedente traçou precisa exegese das regras processuais que emergem do vigente Código de Processo Civil, ao assentar, a final que:

"Por disposição expressa do artigo 525, caput, do Código de Processo Civil de 2015, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o prazo para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 dias contados da intimação para pagar o débito, previsto no artigo 523, independentemente de nova intimação".

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