Opinião

Plenário do Supremo decidirá se é instância recursal de Turma

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20 de abril de 2021, 9h55

Spacca
O título pode não refletir o que estará em julgamento dia 22. Ou sim? De todo modo, não queremos simplificar o problema fazendo uma espécie de legal design ao resumir um complexo problema em uma ou duas frases. Não. Apenas chamamos a atenção, no título, para o que de fato está em jogo no dia 22 na Suprema Corte. Outro título pode ser "Plenário do STF decidirá se juiz que grampeia advogado é ou não é suspeito".

O juízo da 13ª Vara então comandada por Moro já foi considerado incompetente por 8×3. Causa finita. Resta, agora, confirmar o que nem poderia ir a julgamento.

Explicaremos. O STF decidirá dia 22 se confirma a suspeição de Moro, já julgada pela 2ª Turma da Corte. A questão é: por que julgar de novo algo que já foi decidido pelo juízo natural?

A boa doutrina processual penal (e não a do processo civil) assenta que a suspeição é uma circunstância personalíssima, intransferível. Sendo bem simples, a suspeição é como peste: onde o juiz suspeito meteu a mão ou respirou, contaminou. Digamos assim: a suspeição, de tão nefasta, "não tem preço". Ela é mais grave que tudo, porque mexe com o "sagrado do direito" à imparcialidade. Juiz suspeito é, assim, um jus-herege.

Esta condição de suspeição, uma vez reconhecida, invalida todo e qualquer ato, e todo e qualquer processo, em que estiverem, de um lado, o juiz suspeito, e de outro, o "réu-alvo". A dizer ainda mais claramente: de um juiz suspeito, nada se aproveita.

Parece simples, pois não? Afinal, tanto já se escreveu sobre esse tema. Todavia, nem sempre as coisas fáceis são assim entendidas. O que no direito pode ser fácil, com a sua instrumentalização pela política pode "complicar". E sabemos que não deveria ser assim.

O processo avançado de politização do judiciário e de judicialização da política nos trouxe para os dias de hoje. Com o enorme desafio de resgatar e recredibilizar as instituições.

Desde o início, a competente defesa técnica de Lula sustentou que o juízo de Curitiba era incompetente para julgar casos que teriam supostamente acontecido em São Paulo ou em Brasília. Ocorre que Moro, porque sempre foi parcial e suspeito, manipulou a competência, criando uma pan-competência. Algo como "usou gasolina Petrobras, traz pra mim o processo" (aliás, essa brincadeira é de autoria da força-tarefa do MP). Moro manipulou o caso Janene (isso está na página 228 do livro da Juíza Fabiana), caso esse, aliás, equivocadamente esgrimido pelo min. Marco Aurélio no julgamento do dia 15. Veja-se que a correta visão de fatos ajuda a entender o direito. Se começa mal, termina mal.

O caso nos parece, desse modo, um easy case. Porque, se nos permitem simplificar, resolúvel por subsunção. Na verdade, foi o próprio ministro Fachin quem classificou o caso como simples, subsuntivo, quando decidiu pela incompetência de forma monocrática, tudo na conformidade do RISTF. Não havendo controvérsias, o ministro pode e deve decidir monocraticamente. A história, entretanto, fez o registro de constrangedoras contradições.

Mas isso passou. Agora o julgamento do dia 22 diz respeito a uma afetação do Plenário do STF de uma decisão já julgada pela 2ª Turma, o que parece ainda mais grave. Aqui é necessário um registro que estava passando despercebido, lembrado pelo ministro Gilmar Mendes em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo neste fim de semana.

Ocorre é que a afetação da suspeição ao plenário havia sido proposta por ele, ministro Gilmar, já em 2018, mas foi negada por 3×2. Fato relevantíssimo. Portanto, ao ser negada, firmou-se o juízo natural: a 2ª Turma. E sobre isso, com sabemos, nenhuma dúvida poderia ser suscitada.

Observe-se: o min. Gilmar foi contra a afetação à época. Já o ministro Fachin podia inclusive ter levado a questão ao pleno por sua conta. Ora, Gilmar dera a chance para a afetação. Propusera levar ao Plenário antes do julgamento. Como questão primeira. Agora, a 2ª Turma já julgou. Mais uma razão — ou a principal — de se poder dizer que a suspeição é causa finita.

Resta agora, estando a causa julgada, estender os efeitos da suspeição de Moro. Isto porque o caso do triplex é o paciente zero da pandemia suspeitosa; basta seguir o rastro do vírus.

Sustentados na boa doutrina processual penal, nem é necessário discutir a teoria do juiz aparente. Moro foi incompetente — e assim permaneceu durante anos — porque era suspeito. Consequência: não há como aproveitar provas produzidas sob a presidência de um juiz que reúne as duas mais graves máculas processuais num só corpo: a incompetência e a suspeição.

Mais um detalhe que também está passando despercebido: se a denúncia contra Lula foi elaborada pela força-tarefa do MPF de Curitiba, foi feita em foro incompetente. Assim, o próprio MPF de Curitiba não tinha atribuição legal para analisar o inquérito ou oferecer denúncia. E muito menos agora teria atribuição para aproveitar provas nas quais atuou quando não tinha atribuição legal. Isto tem nome: Promotor Natural. Ou não vale mais?

Por isso não há que se falar em aproveitamento de provas. Parece intrigante se falar em (in)competência relativa em razão do lugar. Dizer que a incompetência, por ser nulidade relativa, teria que provar o prejuízo é como uma ordália invertida. Qualquer pessoa condenada por juízo incompetente sofre prejuízo "ontológico". Afinal, é ou não verdadeiro que ser julgado pelo juízo natural e por um juiz imparcial são as coisas mais importantes do Direito?

O que se quer dizer, temendo pela redundância, é que, estando a suspeição já julgada no juízo natural, não tem sentido o STF dizer que "sim, houve suspeição, porém ela fica 'prejudicada' pela incompetência do juízo". Suspeição de juiz e incompetência de juízo são coisas diferentes. Uma pode decorrer de outra. Mas não se pode querer sustentar que a incompetência precede ou prejudica o vício da suspeição. Não se pode misturar alhos com bugalhos.

Veja-se: estando a suspeição já declarada, teríamos a mais arrebatada ficção jurídica já feita: um juiz suspeito que grampeou advogados do réu (para citar apenas esse ato) é declarado suspeito-parcial pelo juízo natural, mas seus atos valem porque sua suspeição foi considerada prejudicada. Ela existe, mas não existe.

Ao fim e ao cabo, o que fica para a história do Direito e será material para os arqueólogos e suas escovas é bem mais simples: pela primeira vez, por razões político-ideológicas, um juiz atuou em processos para os quais não era competente, manteve preso um réu por exatos 580 dias, afastou-o da corrida presidencial , e ainda por cima, foi ser ministro do governo que ajudou a eleger.

Moro conseguiu um feito único: ser, ao mesmo tempo, incompetente e suspeito. Não é para qualquer um…!

Como já tivemos a oportunidade de denunciar, os processos conduzidos pelo Moro começaram pelo fim. Moro atirou a flecha e depois pintou o alvo. É o Target Effect.

Por isso, por fim, pedimos escusas pelo título forte. Porque é disso que se trata. Um Estado que pratica o rule of law, que é mais do que o mero Estado de Direito formal, não pode admitir que o juiz de uma causa, para alcançar o fim almejado, grampeie os telefones dos advogados do réu e cometa tantas outras ilegalidades.

Paradoxalmente, atitudes como as tomadas por esse juiz dão razão à bizarra exigência do velho CPP, que, para que se declare a suspeição de um juiz, é necessário que ele seja inimigo capital (sic) do réu. Sem dúvida. Porque, cá entre nós, só um inimigo capital manda interceptar, ilicitamente, os telefones dos advogados de seu adversário e vaza, seletivamente, áudios de conversas.

Com a devida vênia — e com a lhaneza com que tratamos sempre os assuntos de nossa Suprema Corte — não achamos, assim, que o título deste artigo esteja exagerado ou que a alternativa (STF decidirá se juiz que grampeia telefone de advogado de réu é suspeito ou não) também represente um exagero.

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