Debates no STF

Expositores no STF questionam eficácia de operações policiais em favelas do Rio

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19 de abril de 2021, 20h38

No segundo e último dia da audiência pública sobre letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro, professores, advogados, pesquisadores, antropólogos e representantes de movimentos sociais questionaram, na manhã desta segunda-feira (19/4), a eficácia das operações policiais nas favelas e fizeram sugestões para resolver o problema.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Agência BrasilExpositores criticam eficácia das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro

Os debates ocorrem no âmbito da ADPF 635. Em agosto do ano passado, o Plenário referendou liminar para determinar que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia da Covid-19, devem ser restritas a casos excepcionais e informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual (MP-RJ).
 

UFF
Primeiro a falar nesta segunda-feira, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Hirata afirmou que as ações na área de segurança pública no Rio de Janeiro, baseadas em operações policiais, são parte do problema porque ocorrem ao revés das políticas públicas elaboradas com base em dados e evidências. Segundo ele, 99,2% dos inquéritos abertos contra policiais acusados de mortes são arquivados a pedido do Ministério Público.

Graduada em Ciências Sociais pela UFF, a professora Jacqueline Muniz ressaltou que as operações policiais acontecem sem coordenação e articulação, resultando em uma “polícia de ostentação”, no lugar da “polícia ostensiva”; em uma “polícia de espetáculo”, no lugar da “polícia rotineira”.
 

Pesquisador
O professor Desmond Arias, pesquisador na área de segurança e política na América Latina e Caribe, disse que o Rio de Janeiro detém um número de “importância global” de homicídios cometidos por policiais, parecido com países como Jamaica e El Salvador. Ele ressaltou que a existência de milícias contribui para agravar o problema e que há uma “estreita relação” entre esses grupos e a polícia.
 

Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
Pablo Nunes, coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), no Rio de Janeiro, afirmou que as ações policiais no estado não são monitoradas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Por isso, a seu ver, os resultados e efeitos dessas operações são difíceis de ser contabilizados e monitorados.
 

Harvard Kennedy School
Yanilda Gonzales, da Harvard Kennedy School (Estados Unidos) ressaltou que a polícia do Rio de Janeiro se distingue como uma das mais letais do mundo, que assassina mais pessoas que as 18 mil forças policiais dos EUA. Segundo ela, a criação de um plano de monitoramento de redução da letalidade policial no estado, fiscalizado pelo STF, é fundamental.

Especialistas
O antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública, ressaltou que a brutalidade policial no Brasil tem raízes históricas. Para ele, especialmente no Rio de Janeiro, as ações das instituições da área de segurança pública são refratárias à Constituição e aos direitos humanos. Frisou que, no Rio, existe uma “geopolítica devastadora” imposta pelas milícias.

O pesquisador Felipe da Silva Freitas afirmou que o modelo de policiamento brasileiro está baseado no flagrante, prioriza o confronto, numa ótica de guerra, e não vem dando resultados efetivos. Segundo ele, muitas vezes os policiais são as únicas testemunhas ouvidas no processo. A seu ver, é preciso enfrentar o tema da seletividade racial em relação às abordagens policiais e à presunção de autoria.
 

Associação Brasileira de Antropologia
Gabriel Feltran, da Associação Brasileira de Antropologia, defendeu o controle externo da atuação da polícia, destacando que hoje há 3,5 mil fuzis em posse das facções criminosas no Rio de Janeiro e que as milícias dominam 57,5% do território do estado. Também representando a entidade, Roberto Efrem Filho frisou a importância da publicização das práticas policiais, com o nome na farda e a documentação fotográfica da perícia e da necropsia.

Universidades
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Misse afirmou que as operações policiais no estado são realizadas para reprimir a atividade de venda de drogas a varejo, produzindo muitas mortes entre moradores, traficantes ou não, e entre policiais. Segundo ele, há uma “guerra particular” dessas forças sem comparação ao que ocorre em cidades brasileiras e do mundo.

Em sua apresentação, Siddharta Legale, da Clínica Interamericana de Direitos Humanos da UFRJ, solicitou que o Supremo cobre da Defensoria Pública o envio de mais casos de violência policial para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Já o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Daniel Sarmento frisou que a situação de descumprimento da decisão da ADPF 365 se agravou. Segundo ele, o decreto do governo fluminense que instituiu o plano de segurança pública, de dezembro de 2020, não aborda a letalidade policial.

Na avaliação da professora Juliana Farias, do Núcleo de Pesquisas Urbanas da UERJ, o governo do Rio de Janeiro dribla a determinação da CIDH para estabelecer metas da redução da letalidade policial com uma estrutura burocrática que impede a investigação de crimes cometidos por policiais. “Não haverá redução da letalidade policial se continuarem enxergando negros e moradores de favelas como inimigos”, ponderou.
 

Ciências criminais
Para o professor Maurício Stegemann Dieter, do Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a qual prevê que o fato de se restringir a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação, deve ser declarada inconstitucional.

Na sequência, a presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Marina Coelho Araújo, sugeriu medidas para reduzir a violência policial, como a criação de um canal de denúncias que tenha credibilidade, o respeito à inviolabilidade do domicílio e a proibição de operações policiais próximas das escolas.
 

Parlamentar
O deputado estadual Waldeck Carneiro (PT-RJ) afirmou que é preciso desenvolver propostas concretas e efetivas para a elaboração de um plano estadual de combate à violência. Na sua avaliação, é preciso considerar o grande potencial criativo e empreendedor dessas comunidades, que demonstraram durante a pandemia a existência de uma rede de solidariedade para suprir a ausência do poder público.
 

Conectas Direitos Humanos
Para Gabriel de Carvalho Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, existe uma desvalorização da vida e dos domicílios das pessoas negras, o que considera parte de um legado das elites escravocratas na formação da nação. Além disso, para ele, faltam respostas na apuração de crimes violentos, que “muitas vezes se dão por uma arquitetura normativa que precisa ser reavaliada, como a falta da perícia independente e do controle interno e externo”.

IDDD
Representando o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Hugo Leonardo questionou algumas abordagens policiais, como as que se dão pelo alto, por helicópteros blindados, diante da complexidade de avaliar se são respeitados, por exemplo, os artigos 240 e 244 do Código do Processo Penal, que tratam de busca domiciliar e pessoal.
 

Fórum de Manguinhos
As representantes do Fórum de Manguinhos (RJ) Ariana Kelly dos Santos e Rachel Barros de Oliveira reforçaram que proteger a vida é função do Estado. Ariana apresentou dados da ONG Justiça Global, os quais apontam que, logo após a liminar da ADPF 635, houve redução de 70% no número de mortos e 50% no de feridos por tiroteio nas favelas do Rio.

Rachel denunciou que a determinação feita pela ADPF 635 é “cotidianamente desrespeitada” e pediu que, por não haver um trabalho de investigação das ações policiais, as falas dos moradores das favelas não sejam desqualificadas. Ela ainda afirmou que os dados da saúde são valiosos para mensurar os efeitos da violência e da letalidade policial. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADPF 635

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